28 Abril 2020
O arcebispo de Nova York, cardeal Timothy Dolan, anunciou que renunciará ao cargo de líder espiritual da “capital do mundo”, a fim de dedicar todas as suas energias ao seu novo posto como copresidente da “Comissão para Reeleger o Presidente”. A renúncia ainda não foi aceita pelo Papa Francisco, mas há poucas dúvidas de que o Sumo Pontífice aceitará o pedido de Dolan para ser dispensado de seus deveres espirituais...
O comentário é de Michael Sean Winters, publicado por National Catholic Reporter, 27-04-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fontes próximas à campanha disseram que pretendiam anunciar a mudança do cargo do prelado de 70 anos no fim do ano. Mas ficou óbvio ao longo do fim de semana, depois de uma teleconferência entre lideranças católicas e o presidente, seguido de uma homilia agradecida do cardeal na manhã de domingo, que a notícia provavelmente vazaria a qualquer momento.
“O cardeal deveria guardar esse segredo até o verão, mas ele simplesmente não pôde se conter nessa teleconferência, elogiando efusivamente o presidente”, disse uma fonte próxima ao presidente Donald Trump ao NCR. “Nós pensamos que os que estavam na teleconferência, pelo menos o clero, cuspiriam o café quando o presidente se chamou de ‘o melhor [presidente] da história da Igreja’”, disse a fonte, “mas aparentemente todos receberam lições da equipe de resposta ao coronavírus do presidente sobre como manter uma cara de jogador de pôquer quando o presidente disser algo ultrajante. Eu acho que Dolan ficou confuso com a referência ao pôquer e achou que precisava apostar todas as fichas.”
Em um desdobramento relacionado, em Seneca, Illinois, os moradores relataram um som estranho que vinha do Cemitério Monte Calvário. Após uma inspeção, a polícia constatou que os restos mortais do Mons. John Tracy Ellis, que orientou a tese doutoral de Dolan, estava se revirando na cova. Ellis, em seu livro “American Catholicism”, escreveu: “O número esmagador de imigrantes do período – católicos e não católicos – se apegou aos seus costumes antigos, ao mesmo tempo em que se tornaram cidadãos leais e contribuíram com trabalho e ideias para o país. Poucos negarão que o padrão cultural estadunidense tem sido o mais rico para ele”. Um desses poucos mora na Casa Branca.
Isto é uma paródia. Em sua grande parte. Mas o fato de a hierarquia da Igreja Católica estar se amarrando aos esforços de reeleição do presidente agora é evidente e não é uma paródia.
A teleconferência no sábado foi inicialmente concebida como uma oportunidade para abordar a questão da educação católica durante este tempo de crise nacional. Apenas algumas lideranças católicas estavam programadas para participar, mas a lista cresceu rapidamente, e, no fim, cerca de 600 pessoas estavam presentes.
O presidente, sem nenhuma surpresa, agiu na teleconferência como tem se comportado durante as coletivas de imprensa diárias sobre o coronavírus: como se fosse um evento de campanha. Ele teria sido assumido o crédito pela inclusão de escolas e paróquias católicas no programa de proteção do pagamento de salários aprovado pelo Congresso, embora os líderes democratas no Congresso também estivessem pressionando por essa inclusão. Os projetos foram aprovados por margens quase unânimes tanto na Câmara quanto no Senado. O presidente ressaltou suas políticas pró-vida em relação ao aborto, mas passou por cima das suas políticas antivida e antifamília em relação aos imigrantes.
Aparentemente, nenhum dos bispos se manifestou em defesa dos direitos dos imigrantes, muitos dos quais são extremamente vulneráveis à propagação de doenças contagiosas e têm medo de se apresentar e buscar tratamento médico por causa do seu status imigratório. É verdade que muitas crianças imigrantes frequentam as escolas católicas que a teleconferência foi feita para ajudar, mas, ao lidar com Trump, os bispos dos EUA se tornaram como Neville Chamberlain, convencidos de que podem curvar o tirano ao seu objetivo com uma boa razoabilidade e boas intenções.
Quaisquer dúvidas de que o presidente desviou aquele que deveria ter sido um telefonema sobre políticas e o transformou em um evento de campanha foram dissipadas pelo sermão do cardeal Dolan no domingo. Ele afirmou que o presidente havia anunciado a sua intenção de assistir à transmissão ao vivo da missa dominical das 10h15, e Dolan citou a advertência de São Paulo para rezar pelas lideranças civis “nestes dias difíceis, especialmente, como uma nação abaixo de Deus”.
Ele mencionou que “existem muitas divergências no nosso país, assim como em qualquer democracia vibrante”, ignorando o fato de que o presidente se recusa firmemente a atuar como um ponto de unidade nacional e que as divergências que enfrentamos por conta da liderança do presidente – por exemplo, se se deve ou não beber água sanitária na esperança de se curar do vírus – não são divergências que outras democracias vibrantes enfrentam, apenas a dos EUA.
Na sequência de uma teleconferência presidencial com vários líderes religiosos para discutir sobre como eles poderiam ajudar a nação a enfrentar o vírus, sobre a qual o Crux relatou que o presidente ativamente buscou o apoio político do clero, os elogios efusivos do cardeal Dolan na teleconferência de sábado fazem parte claramente do esforço de reeleição.
O sítio Politico relata que outros candidatos republicanos estão ficando nervosos com os índices de pesquisa decrescentes de Trump. Recorrer às lideranças católicas é um passo natural a ser dado para reforçar a campanha do presidente.
As mídias católicas também foram alistadas. Raymond Arroyo passou grande parte de seu programa na quinta-feira passada atacando a China em uma entrevista com o cardeal Joseph Zen. Zen atacou o Papa Francisco tanto quanto o governo comunista chinês, mas isso era de se esperar. O alinhamento dos católicos brancos conservadores com Trump não apenas é paralelo à aversão ao Papa Francisco, mas os dois também estão ligados de todas as maneiras insalubres e não católicas possíveis.
Eu tenho alguns conselhos para os bispos dos EUA: fiquem longe do presidente. Evitem ser mencionados em qualquer artigo que o mencione. Conversem com a equipe dele, se necessário, mas saibam que ele sempre coopta qualquer evento e qualquer pessoa para o seu próprio psicodrama. Vocês se tornarão peões políticos no jogo dele, porque ele é incapaz de agir de qualquer outro modo. O marco moral dele é reptiliano, e qualquer associação com ele acabará queimando vocês.
E o cardeal Dolan? Se você não pode ser mais exigente com o seu ex-vizinho, talvez você deva procurar uma nova vizinhança.
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EUA. O presidente e os prelados: paródia ou parábola? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU