29 Janeiro 2020
“Se Inácio de Loyola deslocou o centro da Vida Religiosa do convento para a missão, Arrupe especificou o objetivo dessa missão em nosso tempo. A missão, de acordo com Santo Inácio, era “a defesa da fé”, que era tão urgente no século XVI, antes da Reforma Protestante. Nos séculos XX-XXI, o grande problema não é defender a ortodoxia doutrinária da fé, mas ‘a promoção da justiça’ (Decreto, “A Missão hoje”, n. 2 e 18)”, escreve José María Castillo, teólogo espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 26-01-2020. A tradução é do Cepat.
O recente livro Los jesuitas. Del Vaticano II al Papa Francisco, escrito pelo professor da Universidade de Modena, Gianni La Bella, e aconselhado (ao que parece) por valiosas informações do jesuíta Urbano Valero, está dando o que falar nos ambientes religiosos e eclesiásticos. O leitor deste livro descobre, sem dúvida, fatos e situações que vivemos e que estamos vivendo nas últimas décadas e, atualmente, na Igreja. Questões que podem ser de notável utilidade para os interessados nesses assuntos.
Não pretendo relatar o conteúdo deste livro. Também não é minha intenção criticá-lo ou elogiá-lo. O que estou tentando fazer é oferecer algumas chaves de leitura, que podem ajudar a entender melhor e saber situar o que La Bella e Valero relatam e explicam em um livro que, sem dúvida alguma, é muito interessante.
A primeira chave, que ajudará o leitor do livro, será (eu acho) saber que o fundador dos jesuítas, Santo Inácio de Loyola, introduziu uma mudança decisiva na história da Vida Religiosa na Igreja. Essa mudança foi que Inácio de Loyola não colocou o centro da Vida Religiosa no convento (e suas observâncias), mas na missão (e suas exigências). Desde os “Anacoretas” (do século III), passando pelos “monges” da Idade Média, até os conflitos que Francisco de Assis teve que viver entre os “conventuais” e os “observantes”, nos séculos XIII e XIV, frades e freiras viveram incessantes conflitos.
Sendo assim, Inácio de Loyola optou pela “defesa e propagação da fé” (Fórmula do Instituto, aprovada pelo Papa Júlio III, em 1550). Compreende-se que Francisco Xavier tenha ido para a Índia, como tantos outros jesuítas dispersos por toda a África, América Latina e Filipinas.
A segunda chave é conhecer a inovação apresentada pelo Padre Arrupe, na Congregação Geral 32, em 1975. Se Inácio de Loyola deslocou o centro da Vida Religiosa do convento para a missão, Arrupe especificou o objetivo dessa missão em nosso tempo. A missão, de acordo com Santo Inácio, era “a defesa da fé”, que era tão urgente no século XVI, antes da Reforma Protestante. Nos séculos XX-XXI, o grande problema não é defender a ortodoxia doutrinária da fé, mas “a promoção da justiça” (Decreto, “A Missão hoje”, n. 2 e 18). O que hoje angustia o mundo hoje não é a “ortodoxia da fé”, mas a “injustiça” que muitos milhões de seres humanos têm que suportar.
Logicamente, ao modificar a razão de ser e o objetivo que os jesuítas devem ter hoje, Arrupe teve que se ver em situações muito difíceis de suportar. As relações da Cúria Jesuíta com o Vaticano não foram fáceis nos mais de 30 anos em que a Igreja foi governada por João Paulo II e Bento XVI. Os jesuítas estiveram muito próximos da ruptura da Ordem em dois blocos. O papa Wojtyla anulou uma decisão capital de Arrupe, quando já estava doente, próximo de morrer. E no papado de Bento XVI, o cardeal Bertone tentou novamente “intervir” nos jesuítas, algo que não foi consumado pela ação corajosa e firme de quem havia sido jesuíta, Jorge M. Bergoglio, o atual Papa Francisco.
Minhas longas conversas com Arrupe, nos anos 1970, com o superior geral seguinte da Ordem, H. P. Kolvenbach, e com Adolfo Nicolás, precisamente apenas alguns dias antes de saber da renúncia do papado de J. Ratzinger, me explicaram por que a Igreja se vê na situação tão dura que nós, que amamos sinceramente a Igreja, estamos vivendo. Porque nela a mão de Deus continua agindo. O Papa Francisco - como estamos vendo – assumiu o Evangelho a sério. E o Evangelho, como sabemos, torna-se insuportável para aqueles que permanecem presos em “ortodoxias” e “observâncias” de fanáticos, mesmo quando isso custa o incrível preço de condenar Jesus à morte novamente.
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Os jesuítas como paradigma. Artigo de José María Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU