11 Dezembro 2019
"Vejam o absurdo: Jair Bolsonaro ao mesmo tempo que defende a intervenção federal nas Ocupações dos Sem-Terra, incentiva as Invasões (essas sim verdadeiras Invasões) de terras indígenas", escreve Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e professor aposentado de Filosofia da UFG.
No campo, a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) é, na realidade, a Garantia da Lei e da Desordem (GLD). A estrutura fundiária do Brasil, ou seja, a forma como são distribuídas as propriedades rurais - além de ser extremamente conservadora - é uma “desordem legalizada e institucionalizada”, uma das faces mais perversas e iníquas do pecado estrutural: pecado sócio-econômico-político-ecológico-cultural.
Os grandes latifúndios - 1% dos donos de terras - ocupam 44,4% das terras do Brasil. A maior concentração fundiária ocorre nas Regiões Centro-Oeste e Nordeste. Os Trabalhadores Rurais - em sua maioria - não tem sequer um pedaço de terra para produzir (produção familiar e comunitária agroecológica) e viver com dignidade.
Segundo o pensamento de Santo Tomás de Aquino - que posteriormente foi assumido pelo Ensino Social da Igreja - a destinação dos bens (no nosso caso aqui, da terra) para o uso (com o cuidado necessário) de todos os seres humanos, é um direito primário e a posse (ou propriedade), um direito secundário (nunca absoluto), que deve ter sempre uma função social. Quando o direito secundário se sobrepõe ao direito primário (prejudicando ou impedindo sua realização: o acesso aos bens - inclusive à terra - de todos/as) é injusto e antiético. Portanto, lutar pela Reforma Agrária Popular é um direito humano urgente e inadiável.
Hoje, a GLO (ou, melhor, GLD) é uma operação de segurança autorizada pelo Poder Executivo que pode durar meses e inclui a participação de agentes civis e militares, como das Forças Armadas e da Polícia Federal. É papel dos Governos Estaduais acionar forças de segurança locais para fazer cumprir decisões judiciais.
Depois do “massacre de Eldorado do Carajás” em 1996 (19 trabalhadores rurais mortos) - que teve uma repercussão negativa não só no Brasil, mas também no exterior - Governos Estaduais, para evitar novas tragédias, têm adotado uma postura de cautela, protelando o cumprimento de decisões judiciais.
Jair Bolsonaro, que - como já demostrou várias vezes - pouco se importa com a vida e os direitos dos Trabalhadores/as Sem Terra (para ele são “sobras”, “material descartável”), sentiu-se incomodado com essa postura. Por isso, no dia 25 de novembro último, afirmou que pretende enviar ao Congresso um Projeto de Lei que autoriza o Governo Federal a empregar a GLO (ou, melhor, GLD) para as chamadas operações de reintegração de posse.
O presidente - totalmente submisso aos interesses dos Ruralistas (grileiros, fazendeiros, madeireiros) e atendendo ao acordo feito com eles - não só defende a criminalização das Ocupações (que ele chama de “Invasões”) dos Sem-Terra (um direito dos trabalhadores/as), mas quer também a “intervenção federal” (com o uso das Forças Armadas e da Polícia Federal) nas operações da chamada reintegração de posse (verdadeiras operações de guerra).
A linguagem que Jair Bolsonaro usa para se referir aos Trabalhadores/as que lutam pelo direito à terra dá nojo e provoca vômito em qualquer pessoa que tem um mínimo de sensibilidade humana. “Quando marginais (reparem: “marginais”!) invadem propriedades rurais e o juiz determina a reintegração de posse, como é quase uma regra que Governadores protelem sua execução, poderia ter - pelo nosso Projeto - uma GLO do campo para chegar a tirar os caras”. E ainda: “tem de ser algo urgente. E, você dando uma resposta urgente, inibe outros de fazer isso”. “A GLO - continua o presidente - não é uma ação social, chegar com flores na mão; é chegar preparados para acabar com a bagunça (reparem mais uma vez: “acabar com a bagunça”!)”. Presidente, chamando os Trabalhadores/as Sem-Terra de “marginais e bagunceiros”, o senhor torna-se o “maior marginal e o maior bagunceiro”.
Vejam o absurdo: Jair Bolsonaro ao mesmo tempo que defende a intervenção federal nas Ocupações dos Sem-Terra, incentiva as Invasões (essas sim verdadeiras Invasões) de terras indígenas. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), no ano de 2018 foram registrados 111 casos de Invasões em 76 terras indígenas. De janeiro a setembro deste ano, o número subiu para 160 Invasões em 153 terras indígenas.
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A Garantia da Lei e da Desordem - Instituto Humanitas Unisinos - IHU