04 Dezembro 2019
Ao se aproximar do local de feiras IFEMA, onde ocorre a COP25, era impossível não notar um imenso anúncio da Coca-Cola projetado na tela localizada na fachada da entrada sul. Entre outras razões, porque a publicidade pedia para não comprar Coca-Cola (em letras pequenas também dizia: “Se não formos reciclar juntos”). As grandes corporações que patrocinam a cúpula apareciam na fachada com a sua face mais verde. Não apenas pagam uma parte da conta, mas aparentam presumir que, enfim, compreenderam.
A reportagem é de Iñigo Sáenz de Ugarte, publicada por El Diario, 02-12-2019. A tradução é do Cepat.
Enquanto isso, os jornais de Madri, Barcelona, Valência e Canárias apareciam envolvidos na publicidade da Endesa, a empresa espanhola com mais emissões poluentes, que agora apresenta “suas soluções para uma sociedade livre de emissões”. Grupos ambientalistas e a prefeita de Barcelona denunciaram o fato como um exemplo de greenwashing (aparentar ser ambientalista, com a pretensão de esconder suas verdadeiras intenções).
Hipocrisia ou derrota do negacionismo e de sua reputação na sociedade? Vejamos o que dizem os políticos.
A COP25 do Chile - agora em Madri - não era um encontro de tramitação, também não estava previsto que encerrasse com um acordo de grande impacto. Tratava-se de continuar a pressão para aumentar os objetivos de redução da emissão de gases causados pela atividade econômica do ser humano, com a esperança de que se cumpra o acordado em Paris, em 2015. Se é verdade que o planeta está apostando o seu futuro na década que começará em 2020 - e é verdade -, as perspectivas ainda são sombrias.
“Nos cruciais próximos doze meses, é essencial que asseguremos compromissos mais ambiciosos (pelos estados), especialmente aqueles que produzem mais emissões, para começar imediatamente a reduzir as emissões de gases do efeito estufa a um ritmo consistente com o objetivo de alcançar a neutralidade climática em 2050”, disse António Guterres, secretário geral da ONU, no domingo. Na segunda-feira, Guterres insistiu na lentidão com que a comunidade internacional se move: é preciso reduzir “nosso vício em carvão”, porque “estamos destruindo os próprios suportes que nos mantêm vivos”.
O primeiro-ministro francês, Édouard Philippe, não foi nada complacente: “Estamos atrasados, porque não fazemos nada ou o que fazemos não fazemos com maior velocidade”. E os países que mais têm a perder, para os quais qualquer tipo de mudança climática será uma catástrofe, sentem mais a urgência. “Esta emergência climática é real. Já estamos atrasados”, disse o presidente de Honduras, Juan Orlando Hernández.
Em sua coletiva de imprensa com Pedro Sánchez, Guterres elogiou a Espanha pela organização da cúpula em apenas quatro semanas, “de maneira absolutamente impecável” e por estar disposta a pisar no acelerador - metaforicamente - na luta contra a mudança climática. Nestas cúpulas, é preciso ser positivo e incentivar os líderes dos países destacando o bom, mesmo que já poderiam ter agido antes. A Espanha ainda não possui uma lei contra a mudança climática, e essa é uma reivindicação que se ouve há uma década.
O secretário-geral da ONU também foi para o concreto, a respeito do que os governos podem fazer. Citou o caso dos subsídios públicos à indústria dos combustíveis fósseis. “Quem paga isso? Nós, com nossos impostos”, explicou. “Pela minha experiência de governo (em Portugal), penso que é melhor subsidiar as famílias necessitadas do que os combustíveis fósseis”. E se um imposto sobre o CO2 fosse usado para reduzir o imposto de renda, “estaríamos ganhando em duas direções”, na luta contra a mudança climática e em favor da igualdade.
A redução dos subsídios públicos a essas indústrias poluidoras não parece ser uma mensagem que receberá muito apoio entre as empresas que patrocinam a cúpula de Madri.
Na abertura, Sánchez quis oferecer uma mensagem otimista sobre as características do debate sobre a mudança climática, agora, já com caráter de emergência global. “Somente um punhado de fanáticos nega a evidência” sobre essa ameaça, disse. Nesse “punhado”, estão os presidentes dos Estados Unidos e do Brasil. Entre os que não negam as provas científicas, mas, sim, são reticentes em acelerar o passo, estão três países do Leste Europeu e outros mais distantes, como Índia e Austrália. Enquanto isso, a China planeja aumentar sua produção de carvão, segundo informou o Financial Times, há uma semana. E apenas esse aumento seria maior do que toda a atual produção de carvão na Europa.
A presença das grandes corporações entre os apoiadores econômicos da cúpula, incluídas as que mais poluem ou que geram mais plástico, pode ser interpretada de maneira otimista, embora seja possível que alguns leitores vejam sua tensão aumentar, ao ler isto, até níveis pouco recomendáveis para a sua saúde. Talvez não sejam apenas alguns fanáticos os que negam as provas fornecidas pela ciência, mas o tom do debate mudou na última década na Europa. Agora, a grande discussão está no ritmo e na intensidade da resposta, não em negar que tenha que haver uma. Será esta a cúpula que nos permitirá avaliar até que ponto a maioria dos governos está preparada para responder à emergência ou se todos continuam se olhando para ver quem ousa dar o primeiro passo.
“A história nos julgará”, disse no plenário Henry Puna, primeiro-ministro das Ilhas Cook, um pequeno estado no Pacífico Sul, para quem a resposta à crise será a diferença entre sobreviver ou deixar de existir como uma sociedade viável. A cúpula nos dirá se “a história” é uma reivindicação suficientemente convincente para que os políticos decidam agir. Alguns estão mais preocupados com o que as pesquisas ou urnas dizem, caso se atrevam a tomar medidas que signifiquem algum tipo de sacrifício econômico.
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Uma emergência mundial em câmera lenta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU