08 Novembro 2019
A resistência ao Papa Francisco é amplamente praticada nos EUA, produto de uma aliança entre guerreiros culturais religiosos e políticos republicanos de direita, disse Austen Ivereigh, biógrafo papal e autor de best-sellers, durante uma palestra promovida pelo Centro de Religião e Cultura da Fordham University, no dia 4 de novembro.
A reportagem é de Peter Feuerherd, publicada por National Catholic Reporter, 06-11-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Os católicos estão com o papa. Esse costumava ser o entendimento tradicional”, disse Ivereigh. Mas esse entendimento foi desafiado. Ele observou que “há uma luta em andamento. Este pontificado é um lugar de combate espiritual”.
Ivereigh, ex-editor da revista The Tablet, disse que Francisco continua sendo popular entre os católicos comuns, mas que uma oposição bem financiada, envolvendo em grande parte elites eclesiais, está lutando contra a sua agenda. A resistência preferiria uma Igreja focada nas questões do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Francisco inverteu essas prioridades, enfatizando, por sua vez, preocupações como o ambiente e a acolhida aos migrantes.
O mais novo trabalho do autor britânico sobre Francisco intitula-se “Wounded Shepherd: Pope Francis and His Struggle to Convert the Catholic Church” [Pastor ferido: o Papa Francisco e a sua luta para converter a Igreja Católica, em tradução livre]. Ele disse que o título reflete a agenda do papa de deslocar a Igreja de uma dependência de princípios abstratos e dogmas para uma experiência vivida de conversão.
A resistência a Francisco, disse Ivereigh, tomando emprestada uma imagem do Dom Quixote, é um sinal do progresso que o papa está fazendo, porque, à medida que ele avança, assim como o cavaleiro fictício a cavalo, os cães latem.
Francisco convida à crítica, disse Ivereigh, mas a resistência ao seu papado vai além da dissidência modulada para um questionamento do seu próprio papado, oferecendo um magistério alternativo aos seus ensinamentos.
“Eles não veem isso desse modo”, disse ele sobre os críticos do papa, que incluem o cardeal estadunidense Raymond Burke e o cardeal alemão Gerhard Ludwig Müller, que foram citados por ele especificamente.
Os críticos de Francisco são semelhantes aos fariseus do Evangelho, disse Ivereigh, enquanto lutam contra o seu chamado à conversão da Igreja. A dinâmica se desenrolou durante o Sínodo da Amazônia, em outubro, que incluiu uma oposição virulenta por parte de alguns católicos estadunidenses e europeus, assim como o furto de figuras amazônicas que retratavam uma mulher grávida que foram jogadas no Rio Tibre.
O Sínodo, marcado pela contribuição de católicos da região amazônica, que pediram a permissão para os clérigos casados e para as diáconas, ofereceu “a hermenêutica do Pastor versus a hermenêutica do colonialista”, disse ele. A inclusão de símbolos e trajes indígenas, vistos por alguns críticos como pagãos, incomodou os membros da resistência contra Francisco.
Francisco, jesuíta, comparou os esforços para inculturar o Evangelho entre os indígenas na Amazônia aos esforços fracassados do jesuíta Matteo Ricci, no século XVI, que tentou forjar um cristianismo na China que se baseasse na cultura local, para posteriormente ser rejeitado pela Igreja.
O tratamento dado a Ricci foi um erro, disse o papa, algo que ele não queria repetir nas deliberações do Sínodo da Amazônia.
A resistência ao Sínodo da Amazônia não se concentrou na possibilidade de clérigos casados ou de diáconas, mas na sua intensa consulta àquelas que alguns europeus e norte-americanos consideram como culturas pagãs com pouco a oferecer à Igreja em geral.
Dois anos de consulta aos católicos da Amazônia, disse Ivereigh, indicaram que os católicos da região buscam “uma Igreja próxima de nós, 24 horas por dia, sete dias por semana, e não apenas de passagem”.
Mas a resistência a Francisco não quer nada disso, disse ele. “O povo de Deus falou, e eles disseram que são hereges.”
Francisco gerou resistência desde o início do seu papado, disse Ivereigh, particularmente por meio de ações simbólicas que irritaram os seus críticos. Tudo começou com o lava-pés de uma jovem muçulmana no rito da Quinta-Feira Santa; a sua aproximação aos muçulmanos e a sua abertura à comunidade LGBT, incluindo o seu recente encontro com o padre jesuíta James Martin, alvo frequente daqueles que se opõem à inclusão das pessoas LGBT na Igreja.
Os críticos de Francisco, disse ele, duvidam da misericórdia da Encarnação e preferem se focar em regras e regulamentos.
As raízes da abordagem de Francisco ao papado estão no papel que ele desempenhou como líder na Igreja latino-americana, a região do mundo onde o Vaticano II foi levado mais a sério, segundo Ivereigh.
O então cardeal Jorge Bergoglio, de Buenos Aires, foi um líder no encontro dos bispos latino-americanos em Aparecida, em 2007. Uma das mensagens daquela reunião, disse Ivereigh, foi que “a Igreja precisa mudar a fim de evangelizar a modernidade”.
Citando o Papa Bento XVI, Francisco observa regularmente que a experiência cristã é com a pessoa de Jesus, e não uma série de ensinamentos filosóficos. “É uma experiência, não uma ideia”, disse Ivereigh, observando que os críticos do papa são propensos ao que ele descreveu como “uma consciência isolada”, marcada por “um espírito de autossuficiência, por uma atração pelo poder”.
Ivereigh se descreveu como um admirador de Francisco, mas alguns dizem que ele foi longe demais, e que as suas biografias de Francisco se inclinam mais para uma hagiografia do que para uma história objetiva.
“Eu fui aonde a história me levou”, disse ele sobre a cobertura desse papado repleto de evento e do combate espiritual que ele gerou ao longo dos últimos seis anos. “Meu papel é explicar como ele pensa e o que ele está fazendo”.
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Pontificado de Francisco é um “lugar de combate espiritual”, afirma Austen Ivereigh, biógrafo papal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU