19 Abril 2018
Projeto claro, gestos concretos, novo modo de governar... Para o historiador Austen Ivereigh, autor de uma biografia autorizada, Francisco inaugura um novo papado.
O Dr. Austen Ivereigh é um dos palestrantes do XVIII Simpósio Internacional IHU. A virada profética de Francisco. Possibilidades e limites para o futuro da Igreja no mundo contemporâneo: Sua conferência será: 24 de maio – quinta-feira | 9h às 10h – Conferência – A opção de Francisco: como evangelizar um mundo em mudança?
A entrevista é de Marie-Lucile Kubacki, publicada por La Vie, 08-03-2018. A tradução é de André Langer.
Há quatro anos, você escreveu um livro sobre o Papa Francisco. Passado esse tempo, você ainda diria que Francisco é um reformador?
É uma boa pergunta. Para mim, o título dessa biografia se justificou ao longo desses cinco anos... A determinação do Papa para renovar fundamentos da Igreja é óbvia e se manifesta de muitas maneiras. Seu projeto é muito claro. A ambição, imensa. Para ele, o núcleo central da reforma está naquilo que o documento da famosa Conferência de Aparecida (Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, em 2007) chama de “conversão pastoral” e que também é discutida na sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (2013). Uma mudança de cultura e de mentalidade no catolicismo. Esse é o seu grande projeto, com o qual ele chegou ao Conclave de 2013. Ele alcançou isso?
No momento, estou escrevendo a sequência de Francisco, o grande reformador, e aí desenvolvo a ideia de que o perigo é focar no Papa, como fazemos naturalmente, porque é a figura de proa. Nem seu pensamento, nem seu projeto são realmente originais: eles foram forjados pela Igreja latino-americana em 2007 e são o resultado de um longo discernimento realizado por essa mesma Igreja. Quando eu discuto com os bispos e cardeais americanos, eles me dizem: “Ele universaliza Aparecida”. O êxito de sua reforma deve, em primeiro lugar, ser avaliado pelo prisma da conversão pastoral. As reformas institucionais e as mudanças no governo são apenas meios lançados para este fim.
Julgar uma conversão pastoral, não é uma missão impossível em cinco anos?
Com certeza. Será preciso uma geração para poder fazer um julgamento. As mudanças na Igreja Católica são lentas. Ao contrário de como muitas pessoas veem as coisas, a Igreja não é uma multinacional, com um executivo na cúpula e que obtém a aplicação imediata de suas ordens. Como pudemos constatar com a acolhida que foi reservada à Exortação Apostólica Amoris Laetitia (2016), as resistências ao que vem de Roma são, muitas vezes, grandes. Eu estou convencido de que esse Pontificado é o primeiro de uma nova era na Igreja. Nós estamos passando daquilo que, em 2013, ainda era um modelo de governo da Igreja de tipo europeu (monárquico ou imperial) para um modelo de serviço universal. Um modelo inventado pelo Vaticano II, mas cuja implementação levou tempo. O Papa Francisco é o protagonista de uma mudança duradoura que molda um novo papado. Ele inicia um processo.
Mas esse processo colocado em prática está suficientemente seguro para ser irreversível?
O que podemos dizer, por enquanto, é que ele foi extremamente bem sucedido em seu lançamento. Todos compreenderam para onde ele queria que a Igreja fosse. E ele goza, apesar de fortes resistências, de um amplo apoio por parte dos bispos e dos cardeais. Se eles fazem muito barulho, o ranger de dentes é mais um sinal de que as coisas estão andando do que um fracasso. O Papa gosta muito da seguinte frase do livro Dom Quixote, de Miguel de Cervantes: “Se os cães ladram, Sancho, é sinal de que estamos avançando”.
Concretamente, o que ele fez para garantir sua reforma?
Vamos partir da ideia da conversão pastoral: trata-se de deixar para trás uma Igreja segura de si mesma na proclamação da fé e da doutrina, mas não pastoralmente comprometida na sociedade através da sua ação pastoral. Francisco tornou essa atitude impossível. Suas grandes metáforas sobre a Igreja como hospital de campanha, a Amoris Laetitia, os Sínodos dos Bispos, seu próprio comportamento, tudo converge para uma Igreja que vai ao encontro das pessoas e se volta para as periferias, sem esperar que as pessoas venham por si mesmas e sem depender das estruturas. Ele apresentou um projeto com atitudes claras: o acompanhamento, o discernimento, a integração e a perspectiva missionária. Ele apresentou gestos concretos através dos bispos que ele nomeou, dos cardeais que ele criou e das novas normas para a formação do clero. Como Papa, ele se dirige a todos, mas ele exerce um efeito direto sobre quatro tipos de pessoas: os cardeais, os núncios, os bispos e os padres.
Ele está operando mudanças significativas no Colégio dos Cardeias, que estará encarregado de escolher o seu sucessor?
Num primeiro nível, Francisco universaliza o Colégio, cria cardeais nos países que nunca tiveram um. Isso, antes dele, João Paulo II começou a fazer, porque ele queria refletir que a população católica, que estava diminuindo no Ocidente, estava crescendo nos países do Sul. Mas o que torna a escolha de Francisco singular é que ele vai buscá-los também nos ambientes em que não há crescimento da população católica: Birmânia, Tonga... Em El Salvador ele escolheu um bispo auxiliar. Chegou a nomear um núncio. Muitos deles não vieram de grandes cidades, mas de lugares obscuros, esquecidos, marcados pela pobreza e, às vezes, por um número pequeno de católicos. O Papa está convencido de que a Igreja universal deve se colocar à escuta dessas vozes, porque a periferia molda o centro – como Jesus, vindo de Belém... Isso parte também de uma convicção teológica. Francisco está convencido de que Cristo é mais visível nas periferias, onde há pobreza, sofrimento e marginalidade, do que no centro.
Mas uma grande parte dos padres na Europa mostram-se muito críticos com a perspectiva pastoral de Francisco, a quem eles percebem como um Papa que relativisa o ensinamento da Igreja e provoca confusão... Como alguém pode esperar reformar a Igreja com essa divisão?
O que você diz vale também para os Estados Unidos, mas isso não existe, por exemplo, na América Latina... Além disso, se o sucesso da reforma repousar sobre a aquiescência universal do clero, então é evidente que é um fracasso. Mas eu vejo as coisas de maneira diferente: compreendo essas resistências como um sinal do efeito de suas reformas. É preciso também buscar compreender as razões da ira desses padres. Nos Estados Unidos, Francisco é julgado em relação à divisão progressistas/conservadores do pós-Vaticano II, e considerado como aquele que enfraquece a doutrina, o que é falso. A outra causa de rejeição, mais profunda, é que esses padres se sentem desafiados no plano existencial, na visão que eles têm da Igreja e de si mesmos. Ser excelente no nível litúrgico e ortodoxo no plano da fé não é mais suficiente. E, para alguns, é angustiante...
Mas pedir aos sacerdotes para que sejam acompanhantes espirituais quando alguns deles já estão à beira da [síndrome de] burnout, não é querer demais?
Se a Igreja leva a Evangelli Gaudium a sério, isso não é um problema, porque há também leigos engajados. Como Francisco repete sem cessar: o maior obstáculo à conversão pastoral é o clericalismo. Na futura Igreja, os leigos, homens e mulheres, são chamados a serem os principais evangelizadores. Em relação à falta de padres, se a Igreja responder a este apelo missionário indo ao encontro das pessoas, das periferias, ela experimentará um renascimento. Talvez não imediatamente, mas no futuro, a tempo de colocar o trem novamente nos trilhos.
De certa forma, seu maior sucesso e sua maior fragilidade é ser percebido como um Papa “cool”...
Sim! O problema, como ele coloca o acento na misericórdia, é que os conservadores pensam que ele é menos rigoroso em matéria de doutrina. Mas sua concepção de misericórdia é profundamente espiritual: ela se assenta em sua própria experiência de como Deus age nas vidas. Essa é a chave. Na sua própria vida, ele provou que a misericórdia divina precedeu o reconhecimento de seus próprios pecados e sua necessidade de conversão. Portanto, ele quer colocar a misericórdia em primeiro lugar, porque ele pensa que sem ela não há espaço necessário para a conversão.
Mas muitas vezes a Igreja funciona pensando na ordem inversa: uma vez que você tomou consciência de seu pecado, vem e Deus o perdoará. Mas não é assim que funciona com todas as pessoas. Veja a dinâmica de Jesus e da mulher adúltera... Ela é uma pecadora, e Jesus não se concentra sobre essa questão, mas cria um espaço para que ela possa experimentar o amor de Deus, com vistas a poder tomar consciência de seu pecado e se converter. Isso não é nem “cool”, nem “não-cool”; é evangélico.
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"O Pontificado de Francisco inicia uma nova era na Igreja". Entrevista com Austen Ivereigh - Instituto Humanitas Unisinos - IHU