11 Outubro 2019
“A contribuição da teologia para a elaboração de uma ‘autoridade ministerial da mulher’ é uma passagem decisiva, com a qual é possível se comprometer com audácia e paciência”.
A opinião é de Andrea Grillo, teólogo italiano, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Justina, em Pádua, publicado por Come Se Non, 08-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mesmo os confrontos críticos, quando se busca conduzi-los com cavalheirismo, são passagens úteis, que podem ser de ajuda para as discussões sinodais dos próximos dias.
Em um texto longo e argumentado, Mattia Lusetti, alguns meses atrás, havia assumido a tarefa de reconstruir um fragmento do debate sobre o “ministério feminino” que me envolvia diretamente. O título também parecia claramente orientado a entrar em discussão com o que eu escrevi nos últimos dois anos: “Tradição Católica e sacerdócio feminino. Contra Andrea Grillo” [disponível aqui, em italiano].
Ao contrário do que parece a partir do subtítulo, no entanto, tratava-se de um texto que não era particularmente polêmico e realmente interessado no debate sobre o ministério feminino. De fato, o autor reconstrói amplamente o sentido do debate e o situa, corretamente, no amplo horizonte da “evolução da tradição”. Eu diria que ele se apaixona pela “tradução da tradição” e, por isso, merece uma resposta pelo menos igualmente argumentada e certamente reconhecida.
Segue-se, por isso, não um confronto, mas sim um encontro com a sua eficácia esclarecedora e reconciliadora. Portanto, gostaria de resumir brevemente a abordagem de Lusetti (1), focar o centro da sua argumentação (2), responder a essa sua sistematização (3) e, enfim, concluir no plano geral, também em vista do debate sinodal sobre o ministério feminino, que nos espera nos próximos dias.
A reconstrução da discussão, como aparece na detalhada resenha que Lusetti oferece, concentra-se justamente no “ponto-chave” da minha argumentação: ou seja, uma concepção da autoridade eclesial capaz de assumir os sinais dos tempos, de traduzir a tradição, levando em consideração aqueles critérios que o Concílio de Trento já havia considerado relevantes na “dispensatio sacramenti”, de acordo com a mudança dos tempos e dos lugares.
Existe, portanto, um desenvolvimento na compreensão da revelação e um progresso da tradição. Em uma passagem subsequente, ainda no plano da reconstrução, Lusetti organiza o debate sobre o ministério feminino como a interação entre três “focos” da argumentação:
- a revelação como fundamento da práxis e da compreensão;
- a revelação como desenvolvimento da práxis e da compreensão;
- o sinais dos tempos como princípios de reconsideração da tradição.
A relação entre esses três focos permite ao autor esclarecer melhor a sua perplexidade. Permanecendo ainda no plano de um esclarecimento, ele especifica dois pontos, que são importantes para entender bem a sua contestação contra a minha perspectiva:
- a “transformação” do papel da mulher na cultura a partir do século XIX e a sua emancipação da “minoridade”, que é abertamente reconhecida, não podem exigir que se responda “de maneira única e inequívoca com o acesso ao ministério ordenado”: isso seria um fechamento não tanto em relação à tradição como repetição, mas sim “fechamento do agir de Deus em uma intervenção jurídico-sacramental de institucionalização”;
- por outro lado, a “obediência ao passado”, da qual emerge a ausência de ordenação sacerdotal da mulher, poderia, por sua vez, ser considerada um fechamento não apenas aos “erros do mundo e de outras Igrejas”, mas também “fechamento em relação ao que se pretende conservar como objeto de fé”.
A dialética posta em campo por Mattia Lusetti parece muito articulada e bem construída. Parece-me que se pode reconhecer em grande parte a relevância dessa abordagem. Que, no entanto, chega a um “beco sem saída”, no qual creio que é possível reconhecer um ponto cego e uma confusão. Exponho imediatamente essa passagem central da sua objeção.
Após a sua cuidadosa reconstrução, o autor resume o centro da sua objeção em uma passagem que eu quero reportar por inteiro, porque a discussão dela me parece decisiva para fazer progredir o diálogo e esclarecer alguns elementos da minha posição que acho que não estão representados de modo adequado.
Eis a passagem central que contém a objeção de fundo (...):
“Parece-me que é possível mostrar como a reflexão do nosso teólogo envolve alguns achatamentos. O discernimento e a práxis que a liberdade é chamada a assumir responsavelmente são achatados em uma modalidade reivindicativa compartilhada por alguns movimentos dentro da Igreja e na absoluta e inderrogável necessidade de uma afirmação dogmático-jurídico-institucional bem precisa: o sacerdócio/diaconato feminino. O problema é que aqui, do sinal dos tempos da emancipação feminina, elimina-se um real discernimento e uma invenção criativa. De fato, o sinal se tornou unívoco, a forma única e a única possível: o acesso das mulheres ao sacerdócio. Se é o agir criativo e fiel de Deus a que se deve responder aqui, parece-me que há um fechamento, mesmo que, paradoxalmente, sob a forma de uma abertura, isto é, de um acesso a um ministério. De fato, o teólogo – a menos que deva assumir a única tarefa de “dar razão do existente” – tem a possibilidade, em certos aspectos o dever, de investigar todas aquelas possibilidades de participação a munera e funções que permanecem abertas. Se, por outro lado, o teólogo encerra o trabalho de discernimento e de relançamento dos sinais dos tempos em um ponto apenas, o sacerdócio feminino corre o risco de se esclerosar, inaugurando uma espécie de choque de pressões.”
Esse texto, que retoma de modo crítico a detalhada análise anterior, introduz uma série de imprecisões e de achatamentos dos quais eu não me sinto responsável, mas que me parece que eu sofro na reconstrução. É evidente que todo teólogo que queira evitar apenas “dar razão do existente” sempre se aventura em um terreno “minado”. Mas, para julgar a sua obra, é preciso dizer exatamente o que ele defende, e não outra coisa. Por isso, quero responder a essa reconstrução com uma série de esclarecimentos necessários.
a) O cerne da objeção estaria na “univocidade” e na “unicidade” da resposta que eu pediria à “liberdade da autoridade eclesial”, que seria o “sacerdócio feminino”. Mas, a partir dos textos que Lusetti estudou tão cuidadosamente, nunca se pode derivar essa opção. Eu sempre falo de “acesso da mulher ao ministério ordenado” e especifico esse acesso na forma da “ordenação diaconal”. O campo de exercício possível da autoridade eclesial, no qual certamente é necessária uma “tradução da tradição”, não é unívoco, mas discerne no campo do ministério ordenado e se orienta no terceiro grau, o do diaconato, sobre o qual a tradição oferece alguns testemunhos e um grande silêncio. Isso é inevitável, dado que esse “terceiro grau” é uma “reinstituição” e uma “restituição” que inicia, oficialmente, somente em 1966.
b) A qualificação de “reivindicativa” que é atribuída a essa minha posição me parece totalmente injustificada. Por que deveria ser reivindicativo propor a abertura do diaconato permanente também para as mulheres e, ao contrário, não seria reivindicativo pretender reservar o diaconato apenas aos homens? Uma estrutura de exercício da autoridade, por mais atestada que seja por uma tradição, não pode considerar simplesmente como uma “reivindicação” uma ampliação subjetiva e objetiva do exercício da mesma autoridade. Poderia ser considerada como uma “reivindicação” pagã a extensão do batismo aos incircuncisos? Poderia ser considerada como uma “reivindicação pauperista” o apelo de São Francisco a uma Igreja pobre? Poderia ser considerada como uma “reivindicação” a demanda de escuta dos cinco continentes em relação à Europa nas dinâmicas pós-conciliares dos últimos 50 anos? Ou é “reivindicação” celebrar a liturgia na língua do povo?
c) Portanto, a minha posição não é reivindicativa nem unívoca. Ela distingue entre reivindicação de sujeitos e riqueza da qual a Igreja não pode se privar; e entre “univocidade do sacerdócio” e “articulação do ministério ordenado em três graus”. E é o “combinado disposto” dessas duas novidades – a mulher no espaço público e uma compreensão nova do ministério ordenado, não mais apenas sacerdotal – que descerra um campo de interesse teológico e pastoral novo, que, por outro lado, Lusetti reconhece abertamente.
e) Existe, depois, uma terceira dialética, mais insidiosa, sobre a qual Lusetti chama a atenção: é o possível fechamento do qual uma efetiva abertura institucional continuaria sendo vítima, enquanto apenas um fechamento institucional pareceria garantir uma abertura eficaz. O que é problemático para Lusetti é que a resposta deve assumir absolutamente a forma institucional de uma “admissão à ordem sagrada”. Embora seria desejável – e, na sua opinião, realmente aberto – uma orientação do debate e da atenção para outros “munera e funções”, que deixem intacta a tradição exclusivamente masculina do ministério ordenado.
Por outro lado, deve-se reconhecer abertamente que Lusetti, com rigor, aplica a mesma dialética de “abertura/fechamento” não apenas ao teólogo, mas também ao Magistério, que poderia encontrar a própria profecia justamente na elaboração de tal possibilidade e encontrar, em vez disso, no fechamento a via mais “cômoda”. No entanto, no fim dessas dialéticas refinadas, parece-me que uma certa “suspeita” em relação à “institucionalização” parece ser uma espécie de “preferência”, que justificaria o “contra” do título, caso contrário quase injustificável.
f) Neste ponto, parece-me que se deve ampliar muito o discurso e raciocinar em um plano mais vasto. De fato, os “sinais dos tempos” anunciados pela Pacem in terris em 1963 – não só o da mulher que se emancipa, mas também o dos trabalhadores que se emancipam e dos povos que se libertam – inevitavelmente tiveram repercussões de tipo institucional. Para permanecer no “sinal” mulher, gostaria de dar um exemplo diferente, mas igualmente forte: como passamos da “pátria potestade” para a “potestade genitorial”? Atribuindo formaliter não só ao pai, mas também à mãe, a autoridade na educação dos filhos. Esse foi um processo longo, lento, que a Igreja soube reconhecer gradualmente e o fez entrando diretamente na gestão de uma autoridade mais complexa.
Se tivéssemos dito: que necessidade há de dar forma institucional a essa nova compreensão da autoridade feminina, o que teria decorrido? Creio que o mesmo raciocínio, mutatis mutandis, deve ser feito para a “autoridade eclesial”, entendida não simplesmente como “exercício da autoridade”, mas como “testemunho eclesial e custódia da fé apostólica encarnada e tornada experimentável na pessoa de uma mulher”. Por meio daquilo que, com bela lucidez, Serena Noceti chamou de “o nós eclesial”, que o ministério diaconal, estendido também às mulheres, seria capaz de atestar:
“Na minha opinião, as mulheres poderiam servir nessa específica figura ministerial, o nós eclesial, que, indubitavelmente, sairia transformado. A presença de mulheres diáconas ordenadas, com base naquilo que já ocorria nos primeiros séculos (aliás, em um contexto patriarcal e androcêntrico, por si só não favorável), permitiria uma palavra pública de proclamação do Evangelho, a contribuição da homilia, a moderação de celebrações da Palavra e do batismo com ministros ordinários por parte das mulheres: a apostolicidade da fé seria custodiada de modo novo, e o rosto da Igreja mostraria mais claramente a sua natureza inclusiva, de povo de homens e mulheres” (S. Noceti, Il tempo del noi. Donne e ministero diaconale [O tempo do nós. Mulheres e ministério diaconal], “Il Regno-Attualità”, 19(2019), 305-314, aqui 314).
Como fica evidente, a correlação entre diversos níveis da tradição envolve a Igreja em um discernimento complexo e exigente. Nada seria mais prejudicial do que uma solução pouco meditada. Por isso, considero que a contribuição da teologia para a elaboração de uma “autoridade ministerial da mulher” é uma passagem decisiva, com a qual é possível se comprometer com audácia e paciência.
Em tudo isso, e levando em conta todos os três níveis trazidos à tona pelo meu interlocutor, podemos reconhecer, sem muita dificuldade, aquilo que K. Rahner via lucidamente há muitas décadas, quando dizia: “A mulher, vista como única e sempre igual... no fundo não existe” (K. Rahner, “La donna nella nuova situazione della Chiesa” [A mulher na nova situação da Igreja], em Id., Nuovi Saggi II, Roma, 1968, 445-465, aqui 463). Se reunirmos dois eventos que se manifestaram nos anos 1960, embora tendo uma história muito mais antiga, podemos compreender facilmente como é possível iniciar um processo de “nova recepção” tanto do ministério quanto da autoridade feminina:
a) Uma profunda e nova compreensão do ministério ordenado, trazida pelo Concílio Vaticano II, com a descoberta da sacramentalidade e da autonomia do “episcopado” e do “diaconato” em relação ao presbiterado (que tradicionalmente havia concentrado toda a atenção no sacerdócio);
b) Uma nova compreensão igualmente profunda da “mulher”, não mais reduzida ao “sexo feminino” como impedimento, e considerada e descoberta no “espaço público” como recurso capaz de autoridade e portadora de “presença eclesial de autoridade e oficial”.
A composição dessa dupla novidade deveria impedir de encerrar o discurso simplesmente com a “negação” à “mulher” da “reivindicação” do “poder sacerdotal”. Formulada assim, a resposta seria comandada por uma pergunta mal formulada. Em vez disso, trata-se de um enriquecimento do ministério eclesial, que não só reinstituiu e compreender novamente o diaconato com funções antigas e novas, mas que, graças à evolução da própria tradição ministerial, também descobriu em si mesmo a liberdade de reconhecer à mulher a autoridade para poder exercer plenamente esse grau do ministério ordenado. Em relação a uma compreensão que corre o risco de “bloquear” o catolicismo no seu passado próximo, seguindo, ao invés disso, os passos do Concílio Vaticano II, parece-me que essa abertura descerraria uma perspectiva mais inclusiva, mais universal, eu diria até “mais católica”.
E também poderia ocorrer que a Igreja se descubra “mais católica” precisamente na Amazônia.
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Sínodo Amazônico: um ministério “mais católico”, aberto a “omnis utriusque sexus fidelis”. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU