01 Outubro 2019
"Durante o dia durmo e à noite fico deitado em frente à porta de ‘casa’ para proteger a minha família". Yama é afegão, escapou dos talibãs. Ele mora com sua família em uma das milhares de tendas montadas fora do campo de Moria. Na área chamada "olive grove" ou melhor "the jungle". Ele não dorme porque tem medo de que alguém entre em sua barraca e machuque a sua família. Yama, é um dos cerca de 3 mil refugiados obrigados a viver acampados na colina, entre as oliveiras. O campo oficial de refugiados de Moria está superlotado. Deveria acomodar 3.000 pessoas, mas há quatro vezes mais, colocadas em contêineres que acabam acomodando até 4 famílias cada.
A reportagem é de Cristina Mastrandrea, publicada por il manifesto, 27-09-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Todos aqueles que não encontram um lugar no acampamento estão do lado de fora, na "forest", sem nenhum tipo de tutela e proteção. As condições sanitárias são dramáticas. Os serviços são inadequados para o número de pessoas que aumentam dia a dia. “Fazemos fila para tudo - diz uma mulher - para ir ao banheiro ou tomar banho e buscar a ração de comida. Você se coloca na fila a uma hora e, talvez, pelas 4 h, consegue voltar para casa com arroz, tomates e se tiver sorte um frango para toda a família. Às vezes acontece que depois de uma hora na fila, eles dizem que tudo acabou”. A maioria dos refugiados vem do Afeganistão, escapou da perseguição dos talibãs, da Síria da violência do Daesh, ou do Iraque, Irã, alguns da Somália e Congo. As pessoas aguardam até 3 anos para obter uma resposta ao pedido de asilo que enviam quando chegam a Moria.
Os refugiados estão "trancados" na ilha. O acordo entre a UE e a Turquia de março de 2016 prevê a obrigação de repatriar todos os migrantes "irregulares" que entraram na Grécia a partir da Turquia, mesmo quando o pedido de asilo é recusado ou no caso de não ser apresentado e, portanto, são considerados migrantes econômicos; e o compromisso da Turquia, com o bloqueio terrestre e naval, é de interromper os fluxos diretos de migração para a Europa. O recém-estabelecido governo conservador grego, Nova Democracia, declarou sua intenção de simplificar a lei atual sobre o direito de asilo. Provavelmente, isso significaria a abolição do procedimento de apelação ao qual um requerente de asilo rejeitado pode ser submetido e que é obrigatório pelo direito humanitário europeu e internacional. Quem chega às ilhas está substancialmente em estado de detenção em decorrência da proibição governamental de afastamento.
Alguns relatam que a única maneira de chegar a Atenas é embarcar ilegalmente, escondendo-se nas balsas que partem de Lesbos. Para depois continuar em direção à Alemanha pela rota dos Balcãs, pagando cerca de 4 mil euros cada aos traficantes.
Os sujeitos mais vulneráveis são aqueles que mais sofrem com as condições desumanas em que vivem no campo e são as primeiras vítimas nessa condição de insegurança. Na "selva", o abuso de álcool e de drogas acaba gerando brigas e violência diárias. Um menor foi morto há algumas semanas. Alguns falam de verdadeiras "gangues" que roubam e entram nas tendas à noite. Também houve casos de violências sexuais que afetaram principalmente mulheres sozinhas e foram registrados casos de abusos contra menores. Em Moria, existem cerca de mil menores não acompanhados. "No campo, foi criada uma ‘zona segura’ onde, porém os adultos podem entrar e os menores podem sair", comenta Marco Sandrone, líder do projeto do MSF em Lesbos. "Cada vez mais crianças param de brincar, têm pesadelos, têm medo de sair das tendas e começam a se retrair da vida", diz Katryn Brubakk, responsável pelas atividades de saúde mental da MSF em Lesbos. "Alguns deles param de falar completamente. Com a crescente superlotação, violência e falta de segurança no campo, a situação das crianças se deteriora dia após dia. Para evitar danos permanentes, essas crianças devem ser retiradas imediatamente”.
Em julho e agosto, 73 crianças foram transferidas para a equipe de saúde mental da clínica pediátrica da MSF fora do campo: três tentaram suicídio e 17 faziam autolesões. Dez tinham menos de seis anos, os mais novos, apenas dois. Para as 12.000 pessoas presentes em Moria, o governo grego decidiu enviar apenas 2 médicos para lidar com essa situação.
O diretor do campo de Moria Giannis Balpakakis renunciou recentemente também devido à dramática condições de superlotação e higiênico-sanitárias nas quais os migrantes estão hospedados e disse: "Estou saindo com a cabeça erguida. Fiz o que precisava ser feito em circunstâncias difíceis".
Existem cerca de 24.000 refugiados, homens, mulheres e crianças trancados nas ilhas gregas. O governo grego transferiu recentemente quase 1.500 pessoas vulneráveis de Lesbos, mas outras 2.500 permanecem. "Esta não é uma emergência nova: a severa superlotação dos centros é uma crise causada por políticas que afetam milhares de homens, mulheres e crianças todos os dias há anos. Vimos isso no passado e continuamos vendo hoje", diz Tommaso Santo, chefe da missão da MSF em Lesbos. Enquanto isso, os desembarques continuam. Chegam principalmente no norte, onde a Grécia está mais próxima da Turquia, na área de Skala Sykamneas. Cerca de 40.000 refugiados chegaram à ilha desde o início do ano. A organização Refugee Rescue que opera o resgate no mar, na semana passada resgatou 500 pessoas que chegaram com 7 embarcações. "O mês de setembro foi um dos mais complicados que a nossa organização já teve" - diz o porta-voz Roman Kutzovitz. Desde o início do ano, cerca de 15 mil pessoas chegaram à ilha e mais de 3 mil em setembro, de acordo com o Aegean Board Report, uma ONG norueguesa que fornece relatórios sobre a crise dos refugiados no Mar Egeu. O aumento das saídas da Turquia e a consequente situação explosiva para Lesbos e as ilhas gregas, é o resultado da "chantagem", agora explícita, com a qual Recep Tayyip Erdogan desde sempre mantem em xeque a Grécia e a Europa, com o objetivo de renegociar os acordos de 2016, aumentando o apoio financeiro. "Caso contrário, como ele declarou em setembro, teremos que abrir os portões."
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Os condenados de Lesbos, em fila durante horas até para ir ao banheiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU