20 Agosto 2019
Com resultados muito diferentes a partir de outros estudos, especialistas questionam recente pesquisa sobre a “presença real” de Jesus na eucaristia.
A reportagem é de Heidi Schlumpf, publicada por National Catholic Reporter, 14-08-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Uma pesquisa que pretendia mostrar que a maioria dos católicos dos EUA não acredita no ensinamento da Igreja sobre a presença real de Jesus na Eucaristia recebeu comentários que culpabilizavam a Comunhão na mão, os ministros leigos da Eucaristia e até mesmo o Concílio Vaticano II. A escritora católica Flannery O’Connor, que uma vez escreveu sobre a Eucaristia: “Bem, se é um símbolo, que vá para o inferno”, foi citada mais do que algumas vezes.
Mas os teólogos sacramentais, os liturgistas e os pesquisadores dizem que a redação da pergunta da pesquisa provavelmente distorceu os dados, uma vez que os resultados variam significativamente de pesquisas com redações diferentes sobre o mesmo tema na última década.
Especialistas concordaram que a Igreja poderia fazer mais para educar os católicos adultos sobre esse ensinamento importante, mas complexo, mas também sugeriram que, embora nem todos os católicos possam entender a história e as nuances do ensinamento sobre a Presença Real e a transubstanciação, muitos deles “captam” o seu sentido em um nível mais geral.
“É muito difícil determinar a partir dessa pesquisa até que ponto os resultados decepcionantes se devem à redação da pergunta e até que ponto se devem ao fato do que as pessoas realmente entendem ou não sobre a transubstanciação e a Presença Real”, disse Timothy Brunk, professor associado de teologia na Villanova University, na Pensilvânia.
Divulgados na semana passada pelo Centro de Pesquisas Pew, os resultados de duas pesquisas afirmaram que “apenas um terço dos católicos dos EUA concordam com a sua Igreja que a Eucaristia é o corpo e o sangue de Cristo”. As perguntas faziam parte de um estudo mais amplo sobre o conhecimento dos norte-americanos sobre religião, que constatou uma ignorância generalizada (em geral, o adulto estadunidense médio respondeu corretamente a apenas menos da metade das 32 perguntas de múltipla escolha baseadas em fatos sobre temas relacionados à religião).
As perguntas do Pew sobre “transubstanciação” questionavam tanto o que a Igreja ensina e em que os autodenominados católicos acreditavam, oferecendo três opções de múltipla escolha para descrever o que acontece com o pão e o vinho usados na Comunhão.
- Tornam-se de fato o corpo e o sangue de Jesus Cristo.
- São símbolos do corpo e sangue de Jesus Cristo.
- Não tenho certeza.
Ao descrever suas próprias crenças, 69% do total escolheram “são símbolos”, enquanto 31% escolheram “tornam-se de fato o corpo e o sangue de Jesus Cristo”. Fiéis regulares eram mais propensos a escolher “tornam-se de fato” (63%), assim como os católicos mais velhos, enquanto a maioria em todas as faixas etárias escolheram “são símbolos”.
Essas estatísticas – que indicariam um declínio significativo apenas na última década – fizeram com que comentaristas criticassem o que consideraram uma falta de concordância alarmante com uma crença católica crucial.
“Isso representa um fracasso por parte dos educadores, catequistas, evangelistas e professores católicos”, disse o bispo auxiliar de Los Angeles Robert Barron em uma resposta em vídeo, ecoando seu persistente argumento de que a apologética é a chave para reverter o declínio da filiação religiosa entre os jovens.
Escrevendo no site conservador Catholic Herald, o Pe. Dwight Longenecker opinou que os resultados provavam que “a grande divisão hoje não é mais entre protestantes e católicos, mas entre aqueles que acreditam em uma religião revelada e aqueles que acreditam que tudo nela é símbolo”.
Da mesma forma, Barron usou a frase “apenas um bom símbolo” para descrever a escolha da maioria dos entrevistados. Que, no entanto, não era a redação da pesquisa do Pew, que dizia simplesmente “símbolos”.
De fato, o texto de Barron se assemelha mais à redação usada por três sociólogos da religião em um estudo de 2011: “O pão e o vinho são apenas símbolos do corpo e do sangue de Jesus Cristo”. Redigido dessa forma, apenas 37% escolheram “apenas símbolo” – quase a metade em comparação com o estudo do Pew.
Essa discrepância chamou a atenção de Mark Gray, pesquisador associado sênior do Centro de Pesquisa Aplicada ao Apostolado (CARA, na sigla em inglês). Ele chamou a pergunta do Pew de “mal formulada” por não captar as “nuances e complexidades” do ensino da Igreja – reconhecidamente difícil de se fazer em uma breve pergunta de pesquisa.
Gray também observou que um estudo de 2008 encontrou resultados semelhantes aos de 2011, com 74% dos católicos (e até a maioria de outros cristãos) expressando a crença na Presença Real quando questionados em uma pergunta “sim ou não”: “Você acredita que, quando as pessoas tomam a Sagrada Comunhão, o pão e o vinho se tornam o corpo e o sangue de Jesus Cristo, ou você acredita que isso não ocorre?”.
Ele também especulou que a expressão “de fato” na opção de resposta do Pew (“tornam-se de fato...”) pode ter confundido os entrevistados e sugeriu que o uso do “realmente” (como fez o estudo de 2008) poderia produzir um resultado diferente.
Uma redação mais clara ainda, sugeriu ele, seria: “Jesus Cristo está realmente presente no pão e no vinho da Eucaristia” versus “O pão e o vinho são símbolos de Jesus, mas Jesus não está realmente presente”. O CARA testará essa hipótese no outono com novas pesquisas que usam várias formulações, disse ele.
Assuntos complicados compõem a história daquilo que palavras como “símbolo” e “real” significaram e o que elas implicam hoje, dizem os teólogos. “Nós realmente não temos uma maior clareza, pelo menos na cultura dos EUA, sobre o que essas palavras significam ou como as estamos usando”, disse Stephen Okey, professor assistente de filosofia, teologia e religião na St. Leo University, na Flórida.
Brunk disse que a redação do estudo Pew assume que “real” e “símbolo” são categorias dicotômicas, quando não são. “Se a pessoa da pesquisa do Pew me ligasse e perguntasse: ‘Você acha que a Eucaristia é real ou um símbolo?’, eu diria: ‘Sim’”, afirmou.
A Igreja ensina que a Eucaristia é um sinal ou símbolo. Todos os sacramentos são “sinais exteriores instituídos por Cristo para dar graça”, como lembram aqueles que memorizaram o Catecismo de Baltimore.
Embora o uso comum atual da palavra “símbolo” implique algo “menos real”, a teologia católica distinguiu entre tais símbolos “figurativos” (que apenas se referem a algo) e aqueles que realmente geram ou criam aquilo que representam – aquilo que o teólogo Karl Rahner chamou de “símbolos reais” ou de “atualização”.
Os teólogos costumam usar o exemplo de um beijo, que não é apenas um símbolo de amor, mas algo que atualiza ou aprofunda o amor. “Da mesma forma, mas em uma escala maior, as celebrações sacramentais da Igreja expressam e aprofundam aquilo que significa ser Igreja”, disse Brunk.
À parte as diferenças sutis de redação, a maioria dos católicos provavelmente “aceitam a palavra de Jesus” quando ele disse que o pão e o vinho eram seu corpo e sangue na Última Ceia, disse Xavier Montecel, doutorando em teologia sacramental e ética cristã no Boston College.
É isso o que se entende pelo ensinamento sobre a Presença Real – que não deve ser confundido com a transubstanciação, que é uma explicação sobre como o pão e o vinho se tornam o corpo e o sangue de Jesus.
“Eles não são equivalentes”, disse Anne McGowan, professora assistente do Catholic Theological Union, em Chicago. “Você não precisa da transubstanciação para acreditar na Presença Real.”
Por exemplo, os cristãos orientais acreditam na Presença Real, mas não têm a doutrina da transubstanciação para explicá-la, observou.
Na Igreja ocidental, a doutrina da transubstanciação veio muito depois. Em 1215, o Quarto Concílio de Latrão usou a palavra “transubstanciado”, mas foi somente no século XIII que São Tomás de Aquino elaborou o ensinamento, adotando conceitos metafísicos aristotélicos de “substância” e “acidente” para explicar a mudança.
Tomás de Aquino explicou que a “substância” da Eucaristia – a essência da sua realidade mais profunda – mudou de pão e vinho para corpo e sangue, mas não o “acidente” – ou as propriedades físicas externas. Assim, as hóstias e o vinhos consagrados ainda se parecem a pão e vinho, mesmo em um microscópio, e os participantes da Eucaristia não são canibais.
O Concílio de Trento – respondendo à Reforma Protestante – confirmou esse ensinamento, que agora está contido no Catecismo da Igreja Católica, que diz que, na Eucaristia, “estão contidos, verdadeira, real e substancialmente, o corpo e o sangue, conjuntamente com a alma e a divindade de nosso Senhor Jesus Cristo e, por conseguinte, Cristo completo” (n. 1.374).
Essa palavra “realmente” refere-se a um realismo metafísico, não a uma realidade física, embora a mentalidade pós-iluminista de hoje, que prefere o que pode ser observado ou estudado, possa erroneamente levar alguns a crer que a transubstanciação significa que Cristo está fisicamente presente na Eucaristia, disse Montecel.
A expressão “de fato” – como usada no estudo do Pew – pode ser interpretada mais provavelmente como uma referência a uma mudança física e pode explicar por que poucos católicos escolheram essa resposta, disse Montecel. Se assim for, eles estavam corretos, pois a Igreja não ensina que há uma mudança física.
Em outras palavras, os comungantes não estão “comendo a coxa de Jesus”, como disse um teólogo.
As crianças que se preparam para a Primeira Comunhão podem não ter o pensamento abstrato para entender a transubstanciação (e “não é necessário um conhecimento completo e perfeito da doutrina cristã”, segundo uma encíclica do Papa Pio X).
Mas as crianças – e presumivelmente os adultos – são obrigadas, de acordo com suas capacidades, a continuar aprendendo o ensinamento da Igreja, desafiando os pregadores, professores e outros no ministério a explicarem melhor esses conceitos e a ajudarem os católicos a aplicá-los em suas vidas.
Brunk concorda com Barron sobre a necessidade de melhorar a catequese, mas não tem certeza de que a transubstanciação deva ser o eixo principal. “A religião não é apenas o domingo de manhã”, disse Brunk, observando que “a oferta da graça de Deus é constante”.
Se os católicos deixam a missa “carregados de caridade, compaixão e justiça”, disse, “eles estão entendendo a mensagem, mesmo que não façam as distinções entre substância e acidente aristotélicos”.
O fato de alguns católicos acreditarem erroneamente em uma mudança física durante a transubstanciação pode indicar a necessidade de explicações mais aprofundadas e sutis sobre o ensinamento, disse Montecel. “Há uma necessidade do tipo de ensinamento que vai ao encontro das pessoas onde elas estão e as trata como adultos na fé”, disse.
O tema é popular entre aqueles que passam pelo Rito da Iniciação Cristã de Adultos (RICA), que muitas vezes querem entender como o ensino da Igreja Católica difere de outras denominações cristãs, disse Okey, que entrou na Igreja através do RICA e liderou grupos em sua paróquia.
“Eu não sei o quanto alguém precisa entender o âmago da teologia sacramental para ser um católico espiritual e orante”, disse, mas ele acredita que uma catequese melhor poderia levar a uma “postura mais fiel em relação à Eucaristia”, especialmente já que a Igreja ensina que a Eucaristia é o caminho central pelo qual os católicos encontram Cristo.
Embora o Vaticano II chamasse a Eucaristia de “fonte e ápice” da vida cristã (Lumen gentium), ele também afirmava a presença de Cristo em outras partes da liturgia: na Palavra proclamada e pregada, no presidente e na assembleia (Sacrosanctum concilium).
“Em última análise, você está explicando um mistério”, disse McGowan, que sugere uma “humildade apropriada” ao tentar entender “como Cristo se torna presente não apenas na Eucaristia, mas em outras áreas de nossas vidas”.
Por mais importante que seja entender a transubstanciação, os católicos devem lembrar que a Eucaristia está a serviço de uma mudança mais ampla nas pessoas, disse McGowan. “Nós devemos nos tornar o corpo e o sangue de Cristo, partido e derramado pela vida do mundo”, disse ela. “Essa é a mudança real que, em última análise, importa”.
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Os católicos ''realmente'' acreditam na Presença Real? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU