15 Mai 2019
Gesto evangélico ou gesto subversivo? Uma manobra ditada pela nobre intenção de trazer alívio a pessoas que sofrem (ainda que em um contexto de total ilegalidade), ou uma nova linha operacional que está se abrindo na Igreja do Papa Francisco? Um passo em frente orientado a intervir onde está em ato uma crise humanitária não resolvida, contornando as estruturas institucionais existentes, ignorando as consequências políticas, os limites normativos e até mesmo as oportunidades ligadas aos papéis.
A reportagem é de Franca Giansoldati, publicada por Il Messaggero, 14-05-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
O dilema pairou, em vários níveis, nos palácios do Oltretevere, depois da clamorosa blitz do cardeal Krajewski que devolveu a energia elétrica a um prédio ocupado ilegalmente, onde estavam no escuro há vários dias diferentes realidades e até famílias com crianças. Na segunda-feira pela manhã, o Papa participou do encontro periódico dos chefes dos dicastérios da Cúria e quis que Krajewski participasse pela primeira vez, pois em breve o promoverá a chefe do novo dicastério da caridade. Na reunião, no entanto, o grave incidente diplomático (que poderia ter pesadas consequências nas relações com a Itália) não foi mencionado. Aliás, durante o encontro, Krajewski também fez algumas brincadeiras a respeito. "Agora eu também sou eletricista."
Ninguém levantou objecções, mas, aliás, isso não é do estilo da cúria. Somente no final de uma longa intervenção na qual Krajewski afirmou que no Vaticano há áreas que escapam aos controles e que poderiam esconder em seus meandros epicentros de corrupção, o Cardeal Bertello tomou a palavra para censurá-lo por uma leitura precipitada. O clima de repente ficou um pouco tenso. "Você está falando um monte de bobagens". O Papa ficou em silêncio, tomando notas, ouvindo, como é seu hábito nessas circunstâncias, sem deixar escapar nada. Afinal, é difícil iniciar uma discussão sobre o problema aberto por Krajewski e sobre o dilema ético e jurídico que colocou sobre a mesa o jovem cardeal polonês, figura que desfruta da total confiança do pontífice, a quem deu carta branca sobre o tema da caridade Roma. Suporte total.
Como de fato ele explicou no Laterano, apenas poucos dias atrás, o Papa diante dos párocos da capital, justamente na defesa e no apoio ao trabalho humanitário da Esmolaria, uma estrutura que de marginal como era antes, tornou-se fundamental. Na basílica, apesar de ter definido Krajewski como "diabinho" por seu caráter um tanto anárquico, Francisco o elogiou por sua sensibilidade com os pobres, a categoria que o Papa quer que se torne central na nova evangelização da Capital.
Um pouco o que ele deu a entender dois meses atrás, quando foi para o Campidoglio (Prefeitura), aceitando o convite de Virginia Raggi, dando-lhe uma assistência inédita justamente quando sua junta oscilava perigosamente por causa da renúncia de De Vito. Além disso, uma prefeita enfraquecida só pode se favorecer dos projetos do Vaticano em relação à capital. E naquela ocasião o Papa mostrou que enxergava um horizonte para a capital semelhante àquele da prefeita, pelo menos no que diz respeito à atenção para as periferias, os pobres, os migrantes e contra os despejos nos campos nômades. E não é realmente uma coincidência que, logo após a expulsão da prefeita Raggi entre os insultos de Casal Bruciato por ter visitado a família cigana que recebeu uma casa contestada, o Papa então convidou a mesma família ao Vaticano para uma audiência, alertando os romanos contra a deriva xenofóbica e racista que já pode ser vislumbrada. Ele aconselhou os párocos de manter os olhos bem abertos.
Neste amplo quadro se insere perfeitamente a ação humanitária e política de Krajewski, que com seu raid deu um impulso às instituições para uma solução rápida para o problema habitacional. Agora será aberta uma mesa de negociação. Apesar das consequências diplomáticas ainda a serem estabelecidas em nível bilateral, o braço direito do Papa ainda continuará em nome de Francisco a circular por toda parte com seu pequeno carro para fazer caridade aos pobres. Resta agora a entender se realmente a Esmolaria assinará o o cheque para pagar os 300 mil euros de atrasos devidos à Acea.
É curioso que um artigo foi publicado há algum tempo em Avvenire, em que os bispos reclamavam a piada da conta, dado que os encargos do sistema não pagos acabam nas contas dos consumidores em dia após uma série de sentenças que mudaram o quadro normativo. As contas pendentes até agora somam cerca de 200 milhões de euros em toda a Itália. É difícil que o Papa, no entanto, queira se arriscar a pagar os atrasados para todos os italianos pobres e inadimplentes.
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Na Cúria há irritação, mas o Papa irá promovê-lo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU