10 Abril 2019
No início de março, a Fundação Nacional do Índio promoveu a Expedição para Proteção e Monitoramento da Situação de Indígenas Isolados Korubo do rio Coari, no Amazonas. Uma ação interagências, que contou com a participação direta da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde – SESAI e a cooperação do Exército Brasileiro, da Polícia Federal e da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, através da Polícia Militar, além do acompanhamento do Ministério Público.
A reportagem é de Cleuber Amaro, publicada por Funai, 05-04-2019.
O principal objetivo da expedição era o de proteger a integridade física dos indígenas isolados Korubo do rio Coari e do povo Matis. Primeiro, promovendo a dissolução de uma tensão entre os dois grupos. Os Korubo isolados do Coari, após o conflito de 2014 com o Matis, voltaram a se deslocar pelas proximidades das aldeias Matis no rio Branco, local que habitam desde 2012, trazendo preocupação pela possibilidade de mais um contato conflituoso. A relação complexa entre esses dois povos pode ser conferida nas matérias que a Funai publicou em setembro de 2014, novembro de 2015 e em março de 2019.
Mapa do Vale do Javari, no Amazonas. Fonte: Chakaruna Blogspot
Todos os objetivos da ação foram alcançados, estando a saúde e a segurança dos indígenas preservada.
Indígenas Korubo do Coari e Coordenador de Índios Isolados e de Recente Contato (Foto: Bruno Jorge/Funai)
A expedição partiu no dia 3 de março da Base de Proteção da Funai no rio Ituí em direção ao rio Coari, um dos seus principais afluentes, após mais de três anos de discussões, meses de planejamento, diálogo com indígenas na região e articulação com instituições governamentais, concretizando assim esse desdobramento do contato de 2015. Ao todo, a equipe contava com 30 pessoas, entre elas seis indígenas Korubo, quatro Mayoruna, três Marubo e quatro Kanamari. Todos passaram por um período de quarentena, de 3 a 12 de março, antes de iniciarem as atividades mata adentro, a fim de garantir que não fossem transmitidas doenças de fora para qualquer um dos indígenas.
Vale ressaltar que o início das discussões indigenistas para essa missão e a posterior preparação das atividades no local foi garantido pela Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari, unidade da Funai responsável pela atuação junto aos povos isolados e de recente contato no Vale do Javari, a qual tem como uma de suas funções a proteção territorial e o monitoramento permanente da região por meio de suas Bases de Proteção.
Foi construído um acampamento no rio Coari, próximo ao Igarapé Coarizinho, de onde partiu a equipe à procura dos Korubo. Ainda em outubro de 2018, a Funai abriu uma roça nas proximidades da foz do Coari, onde foi plantado macaxeira, milho, pupunha e banana, entre outros vegetais da região, para garantir que as demandas nutricionais fossem atendidas numa situação de emergência.
O plano principal consistiu em realizar parte da expedição pela mata, detectando vestígios da presença dos Korubo isolados do Coari. A avaliação das evidências pela equipe, que contava com indígenas e indigenistas com até 30 anos de experiência, permitiria estimar a distância que os indígenas podiam estar da equipe (a partir de uma árvore derrubada recentemente ou de frutos recentemente colhidos, cascas, pegadas, cestos, restos de alimentos, por exemplo). Quando fosse considerada uma proximidade maior, apenas os Korubo contatados seguiriam para comunicar-se com seus familiares e explicar o motivo da presença de pessoas estranhas em seu território e iniciar um diálogo sobre a situação de proximidade com outros povos.
No final do dia 13 de março a equipe confirmou que os Korubo não estavam em suas habitações contemporâneas e passou a tentar localizá-los em seus roçados antigos e área de coleta de importantes insumos da floresta.
Isolados do Coari (Foto: Bruno Jorge/Funai)
A equipe continuou percorrendo um emaranhado de caminhos na mata, avaliando os vestígios com os quais se deparavam. Eles evidenciavam 35, 30 e 25 dias de passagem dos Korubo no sentido do rio Ituí. Na manhã do dia 19 de março a equipe encontrou com dois indígenas isolados que caçavam. “Foi um encontro bastante emocionante, pois logo descobrimos que os dois Korubo que vieram em nossa direção eram irmãos consanguíneos de um Korubo que compunha a expedição. Eles não se viam desde 2015. Foi uma situação de bastante emoção e choro entre eles, que acreditavam que seu parente estava morto” afirma Bruno Pereira, Coordenador de Índios Isolados e de Recente Contato – CGIIRC e chefe da expedição.
Iniciou-se um diálogo entre os Korubo contatados e isolados e no dia seguinte chegaram outros 22 indígenas que estavam nas proximidades. Outras duas famílias, compostas por 10 indígenas, se aproximaram nos três dias seguintes. Ao todo foram contabilizados 34 Korubos. Quatorze deles com idade aproximada entre 20 e 48 anos, sendo oito homens e seis mulheres, duas delas grávidas. O grupo conta, ainda, com 21 crianças e jovens de até 16 anos, sendo nove meninos e 12 meninas. Dessas, três bebês de menos de um ano de idade.
Atendimento à saúde dos Isolados do Coari (Foto: Bruno Jorge/Funai)
A partir de então, a equipe da expedição concentrou esforços para viabilizar o serviço de saúde da Sesai. A equipe da Saúde Indígena era composta por um médico, uma enfermeira, um microscopista e um técnico de enfermagem. Todos os indígenas passaram por uma análise clínica e gozavam de plena saúde, com exceção de um homem adulto diagnosticado com malária, que aceitou com tranquilidade o tratamento durante sete dias. A Sesai ofereceu os primeiros atendimentos e vacinou todo grupo, cumprindo o Programa Nacional de Imunização para Indígenas. Assim, a primeira fase da expedição, que se encerra na próxima semana, não registra contaminação dos indígenas ou qualquer complicação de saúde decorrente do contato.
Também consistiu em estratégia ligada à saúde não introduzir alimentação alheia aos costumes e tradições dos Korubo. Constatado que não havia qualquer indício de que a integridade dos indígenas dependia de reforço nutricional promovido pela equipe da expedição, as refeições dos indígenas foram realizadas de acordo com o modelo, método de obtenção e preparo dos Korubo.
Isolados do Coari (Foto: Bruno Jorge/Funai)
A Expedição de Proteção e Monitoramento da Situação dos Korubo Isolados do Rio Coari acaba na próxima semana, quando a equipe atual de 28 pessoas sai e entra outra equipe de 21 integrantes. O trabalho com esses Korubo agora continua com uma equipe de servidores da Funai, da Sesai e de indígenas. “A ação indigenista tem de ser perene”, afirmou Bruno Pereira. A proposta é de que a nova equipe substitua a primeira no próximo dia 7 de abril por igual período, isto é, por 45 dias, que inclui a quarentena epidemiológica para evitar a exposição dos indígenas a doenças externas.
O presidente da Funai, Franklinberg de Freitas, afirmou que a expedição é um marco para o indigenismo moderno, orientada pelo respeito aos direitos dos povos indígenas, especialmente o de proteção da sua integridade física e garantia de reprodução física e cultural. “Traçou-se um planejamento detalhado, com um corpo técnico extremamente qualificado, dialogando com povos indígenas da região e em articulação com várias instituições do Estado, cada uma assumindo o seu papel na execução de atividades para garantir que a missão indigenista da Funai e Sesai fosse cumprida”, ressaltou.
Acampamento da Funai no rio Coari (Foto: Bruno Jorge/Funai)
Dando sequência às ações planejadas para a garantia dos direitos dos Korubo, será assinado nos próximos dias a portaria que institui o Programa Korubo, que “consiste no conjunto de iniciativas articuladas com o objetivo de proteção e promoção dos direitos do Povo Korubo de recente contato, por meio da implementação de ações que considerem suas especificidades sociais, físicas e culturais”.
O programa está estruturado em dois eixos. O eixo 1, Promoção dos Direitos Sociais e Cidadania, traça diretrizes para ações de prevenção e promoção da cidadania, sustentabilidade e segurança alimentar, processos educativos e valorização das formas próprias de governança. Já o eixo 2, Proteção territorial e gestão ambiental, subdivide-se em diretrizes para as ações de vigilância, fiscalização e de gestão ambiental. Está estruturado pela perspectiva dos dispositivos que estabelecem e garantem os direitos dos povos indígenas e ancorado no princípio do diálogo com os indígenas que serão atendidos por tal política pública, contando, ainda, com um comitê de acompanhamento e monitoramento.
O programa Korubo faz parte da meta 418 do Plano Plurianual da União para o período de 2016-2019, de “Criar e implementar sete programas específicos de promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas considerados de recente contato”. Sua elaboração reflete a preocupação da Funai em manter-se presente e atuante na política de proteção de indígenas de recente contato de maneira planejada e qualificada. Essa iniciativa também contribui para a consolidação de uma memória indigenista na Funai que estabelece princípios e procedimentos que sirvam de referência para seus servidores e para instituições parceiras, além de promover a maior transparência nas atividades realizadas pela instituição responsável por promover e proteger os direitos dos povos indígenas no Brasil, como principal executora da política indigenista do Governo Federal.
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Funai realiza Expedição para proteção de indígenas Korubo no Vale do Javari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU