17 Janeiro 2019
O general da reserva Franklimberg Ribeiro de Freitas, que atuou como presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) entre maio de 2017 e abril de 2018, retornará ao cargo no governo Bolsonaro (PSL). Escolhido por Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), ele volta a comandar a instituição e acende um sinal de alerta entre os movimentos indígenas e indigenistas.
A reportagem é de Lu Sudré, publicada por Brasil de Fato, 16-01-2019.
Durante o segundo semestre do ano passado, poucos meses depois de pedir demissão da Funai, Freitas atuou como conselheiro consultivo para assuntos indígenas, comunitários e ambientais da mineradora canadense Belo Sun Mining. Após o jornal O Globo noticiar sua contratação em junho, a Comissão de Ética Pública da Presidência da República determinou que ele deveria cumprir uma quarentena, período de 6 meses em que os que ocuparam altos cargos públicos são impedidos por lei de iniciar determinadas atividades privadas. No entanto, a orientação não foi cumprida.
A Belo Sun Mining encabeça um dos maiores projetos de mineração do país que pretende, ao longo de um período de 12 anos, extrair 60 toneladas de ouro da região da Volta Grande do Xingu, no Pará. O empreendimento afetaria diretamente as tribos indígenas Juruna e Arara, assim como outras comunidades tradicionais já impactadas negativamente pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte. E depende do aval da Funai para ser colocado em prática.
Em setembro do ano passado, a Justiça Federal suspendeu as atividades da mineradora e designou ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) a regularização do licenciamento ambiental para início da exploração do minério. Agora, o retorno de Franklimberg à presidência da Funai com uma importante passagem pela Belo Sun pesando em seu currículo, suscita questionamentos em torno de conflitos de interesse e influência em prol de um licenciamento favorável a empresa.
O novo presidente da Funai informou ao jornal O Estado de S. Paulo que "o projeto é factível, é viável e benéfico aos indígenas". O posicionamento anterior da instituição, no entanto, era contrário ao projeto da Belo Sun, em fevereiro de 2017.
Franklimberg Ribeiro de Freitas é doutor em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado Maior do Exército. O presidente da Funai também foi general de brigada e assessor de relações institucionais do Comando Militar da Amazônia.
Integrante do Movimento dos Atingidos pela Mineração (MAM) no Pará, Charles Trocate afirma que, além das comunidades indígenas prejudicadas diretamente, pequenas vilas que sobrevivem do trabalho manual dos garimpeiros desde 1935 seriam expulsas da região, mais precisamente do território dos municípios de Senador José Porfírio e Volta Grande do Xingu. Assentamentos da Reforma Agrária também seriam prejudicados pela ação da empresa.
Segundo Trocate, Dirceu Biancardi, prefeito de Senador José Porfírio, e outros políticos da região também protagonizam articulações políticas em prol da mineradora.
"O prefeito é definitivamente a favor do empreendimento e tem feito lutas para desterritorializar os garimpeiros e para enfraquecer os indígenas. Não espanta que, de novo, o indicado para a presidência da Funai tenha ido fazer assessoria para a Belo Sun. Não me espanta que os inimigos do empreendimento Belo Sun sejam os indígenas”, diz o integrante do MAM. Trocate acrescenta que a assessoria de Franklimberg à mineradora é estratégica para que a empresa “quebre a resistência indígena local”.
A submissão do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ao Ministério da Agricultura – decisão tomada por Jair Bolsonaro – também é criticada por atender interesses ruralistas e enfraquecer processos de demarcação de terras, o que atinge diretamente sem-terras, indígenas e quilombolas.
Na percepção de Trocate, diante desse contexto, não haverá empecilho jurídico nenhum para que se efetive o empreendimento da Belo Sun.
“Não há conjuntura mais eficaz para que esses projetos (que foram retardados seja por problemas jurídicos do próprio Estado, ações do ministério Público, seja pelo poder de crítica dos movimentos organizados da região), aconteçam. Enfraquecido tudo isso, esses projetos ganharam uma conjuntura perfeita e se associam ao que há de mais temível no momento atual, que é esse governo.”
Em entrevista ao Brasil de Fato, um trabalhador da Funai que preferiu não se identificar critica a Medida Provisória (MP) nº 870, que mudou a vinculação administrativa do órgão do Ministério da Justiça para o MMFDH.
“O básico para proteger os povos indígenas é a questão territorial. Tudo parte do território. É muito grave o que estão fazendo de tirar as atribuições da Funai e passar para outros órgãos que não têm a expertise técnica do trabalho indigenista, que estarão pautados única e exclusivamente por interesses políticos. Se os indígenas estão com a questão territorial ameaçada, prejudica qualquer trabalho que poderíamos fazer”, lamenta o servidor da Funai.
A fonte ainda avalia que a anexação da Funai ao ministério chefiado por Damares Alves beneficia exclusivamente as forças interessadas em explorar territórios indígenas. “Ele [Franklimberg] está vindo alinhado com o governo. Não está vindo para trabalhar pela demarcação, pelo contrário. Irá manter esse status quo que o governo quer estabelecer de tirar as atribuições da Funai e, na verdade, paralisar as demarcações”.
Ele relembra que a passagem do general de reserva pela fundação foi alvo de duras críticas feitas pelos ruralistas, que chegaram a enviar uma carta a Temer pedindo sua demissão. Segundo o servidor, possivelmente, algumas demarcações de territórios que aconteceram devido a força de decisão judicial em áreas estratégicas para os ruralistas podem ter desgastado ainda mais a figura do então presidente com o setor.
A terra indígena localizada entre os municípios de Guaíra e Terra Roxa, no oeste do Paraná, que teve seu relatórios de identificação, um dos primeiros passos no processo de demarcação, publicado pela Funai, pode ter influenciado na questão. “Esses municípios são o coração dos ruralistas: a região oeste do Paraná, na divisa com Mato Grosso do Sul. Isso foi algo que o desgastou muito”, diz o funcionário da Funai. Ou seja, já na gestão Temer, a orientação do governo era claramente atender aos interesses desse setor, política que aparenta ser ainda mais intensificada sob o governo Bolsonaro.
Em nota pública, a organização Indigenistas Associados, reitera seu posicionamento contra a separação da Funai do Ministério da Justiça e defende a manutenção da integralidade das funções da instituição. “Os atos do novo governo, ao fragmentarem a Funai e alterarem arbitrariamente sua estrutura, sem a participação dos indígenas e dos indigenistas que acumulam anos de experiência e conhecimento técnico, desqualificam a política indigenista e impedem que o órgão indigenista cumpra sua missão institucional de promover e proteger os direitos indígenas em todas as suas dimensões”, frisa o texto.
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General que assume Funai era contratado de mineradora em conflito com indígenas no PA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU