03 Abril 2019
"Thomaz nunca foi um missionário teórico, mas prático e decidido. Punha em ação o que achava correto, seja dentro das linhas apontadas pela Ordem jesuítica, seja pelas linhas da Igreja, mesmo que para isso tivesse que enfrentar e escandalizar a rotina institucional em que estas instituições se arrastavam".
A declaração é de Egydio Schwade, graduado em Filosofia e Teologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos, um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário - Cimi e primeiro secretário executivo da entidade, em 1972, em artigo enviado à IHU On-Line, em memória a Thomaz Lisboa, falecido em 22-03-2019.
Embora substituísse Thomaz Lisboa em 1963 no campo de trabalho, onde passou todo o ano anterior, não pude me encontrar com ele antes de assumir o seu trabalho, na Prelazia de Diamantino, onde como estudantes jesuítas fizemos a nossa primeira experiência indigenista; só vim a conhecê-lo alguns meses depois. Vivemos os dois anos que se seguiram naquela missão, completamente isolados, sem juntos podermos avaliar as nossas experiências. O isolamento era uma das características em que viviam principalmente os estudantes jesuítas naquele tipo de missão, embora a decisão que nos levou até ali era geralmente a mesma. Surgira na vivência da família e no discernimento dos Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola, e, naquele momento histórico, foi encorajada pelas orientações do Concílio Vaticano II, que nos dizia ser preciso mudar a estrutura da Igreja Missionária, para que os povos indígenas pudessem sobreviver e participar com seus valores na construção de um mundo mais humano.
Thomaz chegou à Prelazia de Diamantino em 1962. As estruturas dos educandários para indígenas, Utiariti e Lar do Menor, na Prelazia de Diamantino, onde passamos totalmente separados a nossa primeira experiência missionária indigenista, longe das aldeias não contribuíam para cultivarmos “as sementes do Verbo ocultas nos povos” como o Concílio nos orientava (Ad Gentes, 11). Uma convicção já nos unia, embora longe um do outro: Não seriam os educandários da Ordem que nos levariam à realidade. Só a vivência nas aldeias, na convivência com o povo, ouvindo os seus sábios. Era preciso ir lá e encarnar-se na sua situação, fora das velhas estruturas do poder, do dinheiro...
A Missão indígena estagnada sobre seus internatos, para onde levava a juventude logo após o primeiro contato. (Vimos em Utiariti chegarem jovens Rikbaktsa, à tardinha com seus lindos enfeites sobre o corpo nu e no dia seguinte ajoelhados, “europeizados”, de roupas “civilizadas”, nos bancos da igreja. A Igreja missionária parada sobre as suas construções não entendia a aflição desses povos. Doutrinar, europeizar e integrar objetivavam os Estados, tanto o Vaticano como o Brasileiro.
O Lar do Menor, em Diamantino, onde atuamos, depois de Utiariti, prosseguia o trabalho de integração ou marginalização. Ali eram acolhidos não só indígenas, mas também meninos pobres do interior, filhos de agricultores e garimpeiros. Nestes três anos vivenciamos momentos de alegria, mas também os absurdos, contradições e incoerências próprios das missões da época pré-conciliar, sem saber como tomar alguma atitude para superá-las.
A Igreja Católica, para ser ‘católica’ teria que crescer horizontalmente e não para o alto. Encarnar-se na realidade dos povos e populações brasileiras e não viver em um mundo de prédios, de Colégios e Universidades, alienados da realidade desses povos e populações que deixavam as suas aldeias para irem esconder os seus valores, a sua identidade, nas periferias urbanas.
Foi em São Leopoldo/RS, em 1966, quando fui continuar os meus estudos que nos conhecemos mesmo. E foi lá que pudemos trocar as nossas experiências recentes, vividas na Missão e unir os nossos sonhos. Thomaz já estava ali há um ano. Pouco depois de minha chegada elaboramos a primeira carta conjunta com um plano de mudança da missão e que enviamos no dia 18 de março a todos os agentes de pastoral da Prelazia de Diamantino. O plano tinha como pontos centrais: 1) Parar os trabalhos da Prelazia e nos dedicarmos prioritariamente à atração dos índios isolados e ao reconhecimento do território da Prelazia que na época tinha 354.000 km2. 2) Levantamento sócio-econômico-religioso total. As poucas respostas que recebemos foram uma decepção total.
Vendo o nosso plano rejeitado pelos companheiros em campo e vendo que seria difícil mudar algo com o quadro missionário religioso da Prelazia, partimos em outro rumo. Pensamos na entrada de leigos, não como tapa-buracos, mas como companheiros que pudessem pensar e realizar conosco a desejada mudança. Organizamos então uma ‘foto-novela’, sobre o trabalho indigenista e nos fins de semana nos dirigimos a grupos jovens das comunidades católicas e evangélicas (dentro dos princípios do ecumenismo desejado pelo Vat. II) no Vale do Rio dos Sinos, discutindo o nosso plano de ação. Obtivemos adesões entusiastas, mas não conseguimos concretizar uma organização, durante os três anos que estudamos juntos em São Leopoldo.
Eu era muito tímido, ao contrário do Thomaz, cujo forte era empurrar logo para ação os planos e sonhos que nos vinham na cabeça. A Semana Santa de 1967 passamos junto aos índios do Rio Grande do Sul. Sem que tivéssemos tido algum contato anterior e sem conhecer uma só aldeia. Viajamos a sua procura, iniciando por Nonoai. Naquela semana visitamos cinco toldos, como são conhecidas as áreas indígenas no Rio Grande do Sul. Voltamos tristes com a lamentável situação que encontramos. E escrevemos 9 artigos, publicados pelo jornal “Correio do Povo” de Porto Alegre, sob o título: “Drama de 1080 Famílias Indígenas Riograndenses”/maio/1967. O quadro apresentado chocou a opinião pública e a Assembleia Legislativa criou uma Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI para apurar as denúncias dos ‘estudantes jesuítas’. Fomos chamados a depor. O Rio Grande do Sul era então o único Estado que ainda tinha serviço estadual de proteção aos índios. Quatro reservas, reminiscência da estadualização da política indigenista pela primeira Carta Magna republicana e que “integrou” ou acabou com quase todos os povos indígenas dos estados da costa brasileira. Mas possuía também quatro reservas federais sob a proteção do Serviço de Proteção dos Índios - SPI. O fato dessa dualidade de serviços provocou, durante os trabalhos da CPI estadual, uma polêmica que resultou na CPI na Câmara federal e que terminou na extinção do SPI e criação da Funai, em dezembro daquele ano de 1967. Esperávamos uma real mudança na política indigenista oficial. E por isso, Thomaz e eu investimos forte na perspectiva desta mudança.
Levamos o líder indígena Juvêncio de Paula, cacique do toldo de Votouro, para que relatasse a situação do seu povo. O depoimento teve muita repercussão. Em 1967 o Governo criou a Operação Rondon, que levava estudantes para a Amazônia. Já no ano seguinte, Thomaz e eu sugerimos, através da Secretaria de Educação do RS, a criação de uma Operação Rondon Regional, que no caso se dirigisse aos Toldos Indígenas do Rio Grande do Sul. A proposta foi aceita e durante um mês coordenamos um trabalho de estudantes universitários gaúchos junto às comunidades indígenas do Estado, com o apoio logístico do Exército. E enquanto estudantes em São Leopoldo, continuamos visitando os postos indígenas e animávamos outros estudantes jesuítas a fazerem o mesmo. Como o Noviciado jesuíta funcionava então em Florianópolis, começaram a sair dali estudantes para conhecerem também a realidade indígena de Santa Catarina. Tomamos ainda contato com diversas Escolas normais do RS e conseguimos animar jovens professoras para quase todos os postos da Funai no Estado. Com o apoio da Secretaria de Educação do Estado, todas participaram de um curso especializado, dentro da própria Secretaria em Porto Alegre e com a nossa assessoria.
Da parte da Igreja, Thomaz e eu sempre tivemos reações controversas frente às nossas iniciativas. Muitas vezes contraditórias. Assim com os levantamentos feitos pela CPI da Assembleia Legislativa, foi descoberto que o Arcebispo de Porto Alegre e o Bispo de Passo Fundo foram favorecidos, por funcionários do SPI, com madeira, para a construção de seus seminários, madeira retirada ilegalmente das áreas indígenas do Estado. O que foi publicamente denunciado. Em consequência os dois bispos pediram providências em assembleia do Regional da CNBB, ao provincial dos jesuítas para nos reprimir. O que este de fato fez. Entretanto, da parte do Secretário da CNBB-Sul III, D. Ivo, recebemos logo após esta reunião da CNBB, pedido para organização de um encontro dos religiosos que trabalhavam em paróquias onde havia toldos indígenas. Apresentamos a dificuldade que teríamos para organizar o encontro diante da atitude hostil de alguns bispos e da reprimenda que havíamos recebido do nosso superior religioso. Mas D. Ivo com sua tranquila determinação nos respondeu: “Eu ouvi a queixa dos dois bispos, mas vocês ficam os encarregados dessa reunião e vão realizar o encontro no seminário do bispo de Passo Fundo.”
Quando no início de 1969 fiz o levantamento da situação indígena no Paraná e a CNBB paranaense publicou o meu relatório, começou o primeiro conflito com os dirigentes da Funai. O Delegado Regional considerou o relatório uma crítica ao trabalho do órgão. Tentei convencê-lo do contrário. Ele então nos convidou a participar do Primeiro Encontro Funai-Missões que estava sendo programado pelo Presidente do órgão, Queiroz Campos, em Brasília. Participamos, Thomaz e eu, e discutimos com força. Apresentamos uma proposta de estratégia concreta para mudanças na política do órgão. Propusemos que ao invés de querer mudar logo a calamitosa situação indígena no país inteiro, se começasse pelas áreas de maior premência. E concretamente, sugeríamos que iniciasse em Nonoai. A repercussão da solução encorajaria os índios e desestimularia os invasores a prosseguirem em sua ação nefasta. Nossa proposta foi aceita e para concretizá-la se criou uma equipe conjunta que iniciaria os trabalhos in loco. Fomos incluídos no grupo que seria dirigido por Ney Land e mais um advogado da Funai. Entretanto, no dia marcado, apenas Thomaz e eu estávamos em Nonoai. Ninguém da Funai compareceu.
Em 1969 Thomaz Lisboa, com a Teologia completada, voltou à Missão Anchieta ansioso por realizar os nossos sonhos de mudanças. Nomeado superior de Utiariti, fechou o internato, incentivando índios e religiosos(as) a se integrarem às aldeias. A decisão de Thomaz de fechar Utiariti foi um chamado a toda a Igreja Cristã do Brasil e desencadeou um modelo de vivência cristã há muitos séculos abandonada, mas profundamente atual e transformadora. Quase simultaneamente no Sul onde ainda concluía meus estudos de Teologia, tive sucesso em outro rumo de nossos sonhos. Durante um encontro de jovens, congregados marianos catarinenses, reunidos no convento dos franciscanos em Rio Negro/PR, foi criada a Opan - Operação Anchieta, hoje Operação Amazônia Nativa. Com estas duas novas frentes, desencadeou-se nas missões religiosas um processo de mudança irreversível que adiante levou à criação do Cimi e da CPT, entidades que até hoje conduzem o processo de mudança e presença da Igreja missionária, junto aos índios e pequenos agricultores.
Mas os nossos sonhos iniciais de mudança concreta da rotina da Missão Anchieta - MIA, priorizando a atração dos índios ainda isolados, também não ficou esquecida por Thomaz.
Nas férias de 1968 fui à Missão Anchieta com outro colega jesuíta, João Born, para fazer um levantamento da população da paróquia de Porto dos Gaúchos. Na descida do Rio Arinos, território dos índios Tapaiuna, também conhecidos como Beiços-de-pau, a certa altura, os índios lançaram flechas contra nossa embarcação. Uma caiu a um metro de mim. Um mês depois, ao voltar, em outro local do rio, outro grupo dos mesmos índios arredios se apresentou pacificamente chamando-nos para a margem do rio. Alguns tripulantes jogavam roupas, enquanto os índios ofereciam cestas e colares e com gestos pediam que o barco encostasse. Mas o dono do barco, receoso, apenas passou rente, evitando encostar.
Preocupado pelos índios, temendo que algum irresponsável se aproveitasse dessa situação e fosse contatar o grupo levando-lhes doenças, procurei em Diamantino/MT os responsáveis pela Missão Anchieta e tentei convencê-los a enviar imediatamente algum missionário para que contatasse o grupo e ficasse com ele, animando-o a permanecer na sua aldeia, afastado do rio. Os superiores, porém, alegaram que não tinham ninguém disponível. Prontifiquei-me, então, a interromper a Teologia, para ir. Mas não me permitiram. Deixei ainda uma carta manuscrita, bastante dura, manifestando a minha preocupação e alertando sobre o perigo que os índios corriam, expostos a contatos indiscriminados de aventureiros que não faltavam na região ou então funcionários despreparados da Funai.
Antes de voltar para o Sul, recebi ainda convite do Secretário Nacional do SNAM da CNBB, Pe. Lourenço Soonsbeck, para participar de um encontro de Missionários indigenistas de diversas Prelazias, que se realizaria naquele mesmo fevereiro em Morumbi/SP. Foi o primeiro dos encontros que desembocaram em 1972 na criação do Cimi. No encontro ficou claro que um dos entraves principais à mudança que se fazia necessária nas missões eram os próprios superiores das províncias e missões religiosas. Todos sentiam que se deveria enfrentar essa situação com nova visão da obediência. Presenciei ali e me atingiu profundamente, diante do que havia sentido em Diamantino com meus superiores, uma discussão acalorada entre o salesiano, Pe. Ângelo Venturelli, professor na Universidade Salesiana D. Bosco de Campo Grande/MS e o Frei dominicano, Gil Gomes Leitão, missionário entre os índios Suruí do Sul do Pará, ambiente da futura Guerrilha do Araguaia. Preocupado com a perspectiva que se estava desenhando naquele encontro, Pe. Ângelo reboou com um vozeirão poderoso: “E onde fica, então, a nossa obediência religiosa?” Em resposta Frei Gil, com sua vozinha gentil deu a inesquecível lição: “Obediência, sim, mas obediência criativa!” . E ilustrou o sobredito. “Certa vez os meus superiores me chamaram da Missão para atender uma comunidade de freiras em Uberlândia/MG. Obedeci, mas logo percebi que aquela comunidade não necessitava de mim. Todas eram santas e tinham tudo o que necessitavam. Arrumei, então, as malas e voltei aos Suruí, que realmente precisavam de minha presença.”
De Morumbi/SP voltei a São Leopoldo/RS, onde cursava Teologia. Expus ao então já padre Thomaz Lisboa o meu drama de consciência sobre os Beiços-de-Pau. Thomaz escreveu no mesmo dia aos superiores da Missão Anchieta, dispondo-se a interromper a Teologia, para ir aos Tapaiuna. Argumentava que já era padre (os jesuítas se ordenam no 3º. ano de Teologia) estando em condições para levar o trabalho avante, sem grandes prejuízos aos seus estudos. Também não lhe permitiram. Poucos meses depois, dois aventureiros, que souberam da atitude pacífica dos Tapaiuna, convidaram um grupo de jornalistas das revistas Fatos e Fotos e Cruzeiro, com os quais foram fazer a “pacificação” dos Beiços-de-Pau. Um dos jornalistas estava gripado e levou a doença aos índios. Ele mesmo relata em sua reportagem, entre gracinhas, com detalhes, como tudo aconteceu. Resultado: em poucos meses aquele povo, estimado em mil pessoas, foi reduzido a 41. O acontecimento feriu a nossa consciência e daí por diante não mais nos orientamos atrás das ‘necessidades’ de instituições insensíveis, procurando obedecer com criatividade, “antes a Deus do que aos homens”. (At. 5,29)
Após o desastre dos índios os dois aventureiros, discretamente, se retiraram da área e o Presidente da Funai, Queiroz Campos, pediu aos superiores jesuítas ajuda para uma presença efetiva com este povo. O pedido foi atendido. O Pe. Antonio Iasi foi enviado, tendo em mãos o primeiro pedido de autorização expedido pelo órgão. (O segundo foi para o P. João Calleri, para realizar a atração dos Waimiri-Atroari). Quando o Pe. Iasi adoeceu, Thomaz e o Ir. Vicente Cañas se ofereceram para substituí-lo. No mês passado, em palestra ao meu lado, no painel de abertura dos festejos de 50 anos da Opan declarou a este respeito: “Foi o meu batismo de fogo!” Em meio à sua presença junto com o Ir. Vicente Cañas, foi-lhe comunicado que os índios seriam transferidos de seu território milenar para o Parque do Xingu. O que de fato ocorreu, sem prévia consulta, nem aos índios e nem a Thomaz e Vicente. E o seu precioso território passou ao latifúndio. Hoje uma iniciativa do MPF, à frente o procurador Júlio Araújo, está tentando rever este ato criminoso.
Thomaz junto com o companheiro nosso, Ir. Vicente Cañas, foram também os artífices de um novo modelo de primeiros contatos com povos indígenas isolados. Talvez tenha sido o primeiro e único modelo conscientemente adotado que não traumatizou esses povos e os fez crescer em número e saúde após o primeiro contato. Com o auxílio de indígenas dos povos vizinhos e depois com acompanhamento da Opan o método foi aplicado por Thomaz e Vicente junto aos Myky e junto aos Enauenê Nauê em Mato Grosso e por Gunter Kroemer nos Suruwaha do Amazonas.
Na segunda metade de 1971 chegou à Missão Anchieta convite para mais um encontro em Brasília de missionários das diferentes áreas de missões indígenas, para dar continuidade às decisões anteriores iniciadas em Morumbi/68. Mas a insatisfação tomou conta de nós jesuítas da Prelazia de Diamantino que havíamos participado dos encontros anteriores. A pauta indicava para uma estagnação da almejada mudança prevista nos encontros anteriores. O coordenador do encontro foi entregue a um padre recém-chegado de Roma, por fora das decisões já tomadas, em especial, de se partir para a criação de um órgão que coordenasse novos rumos para as missões indígenas. Mudança já em prática na Missão Anchieta, principalmente, com a entrada da Opan. Diante disso, Thomaz e eu nos reunimos com o Bispo, D. Henrique, expondo a nossa preocupação. Este nos pediu para acompanhá-lo ao encontro dos Bispos do Regional/MT em Campo Grande. Ali recebemos a incumbência de redigir uma proposta de alteração da agenda da reunião de missionários prevista para abril/1972. A nossa proposta foi assumida pelos bispos do Regional/MT e, inclusive, publicada no Observatório Romano e na revista Sedoc/abril/1972. No seu primeiro item se propõe: “Que se efetive uma coordenação nacional corajosa, com conhecimento da situação real do índio e representativa de uma visão com abertura nacional e até internacional da problemática.” Seguem os detalhes sobre o seu funcionamento. Mas a proposta não foi aceita pelo coordenador do encontro, o que levou a uma árdua discussão durante dois dias para, finalmente, se partir para a discussão sobre a criação do novo órgão missionário. O coordenador, amargurado, abandonou o encontro, deixando aberta a discussão que levou à criação do Cimi, no qual Thomaz foi eleito como um dos primeiros conselheiros.
O primeiro ano do Cimi foi praticamente sem ação, porque os conselheiros, quase todos experts em indigenismo, mas presos aos seus trabalhos já estruturados, não queriam abandoná-los para se dedicar ao novo instrumento indigenista da Igreja. A insatisfação continuou caindo sobre a CNBB-Nacional cujo Secretário Executivo, D. Ivo, pediu uma reunião do Cimi e sugeriu a criação de um secretariado, a exemplo da CNBB. Em junho de 1973 foi criado o Secretariado executivo do Cimi, que assumi a pedido do Conselho e que conduzi por sete anos. Depois de algumas percorridas pelas prelazias da Amazônia, em dezembro daquele ano, Thomaz e eu fomos chamados para o nosso último estágio jesuítico, a então chamada “Terceira Provação”, que se realizou com vários outros companheiros jesuítas na Gávea/RJ, sob a orientação do Pe. Luciano Mendes de Almeida. Thomaz e eu vivemos bastante alheios ao encontro propriamente dito, totalmente envolvidos no planejamento da proposta de programação da ação do Secretariado do Cimi. O nosso programa continha duas metas: Assembleias Indígenas e Encontros de Agentes indigenistas por regiões, sempre com a participação de lideranças indígenas da mesma região. Já próximo ao final da experiência jesuítica, D. Tomás me chamou a São Paulo. Queria conhecer a proposta para melhor poder apoiá-la no encontro do Cimi previsto para janeiro. É que havia divergências entre os conselheiros e poderia haver fortes contestações ao nosso programa.
Em maio de 1975 convocamos a 2ª. assembleia indígena para o alto Tapajós, aldeia Munduruku do Rio Cururu. Reuniu em torno de 800 indígenas do Pará, Amapá, Tocantins e Mato Grosso. Estes últimos vieram acompanhados pelo P. Thomaz. Estiveram presentes além de nós dois, o Pe. Iasi, D. Tomás, D. Pedro, Nelo Rufaldi, coordenador do Cimi-Norte II (que também faleceu esta semana) e alguns freis franciscanos. Enquanto os indígenas discutiam os seus assuntos, nós aproveitamos a ocasião para dar os primeiros passos para a criação da Comissão Pastoral da Terra - CPT, que teve no mês seguinte sua aprovação por um grupo de bispos e sua primeira programação e equipe, na oportunidade da 1ª. Assembleia Nacional do Cimi, em Goiânia, em julho de 65.
Por volta de 1982, quando Doroti, minha esposa, e eu estivemos empenhados na busca de contatos clandestinos com o povo Waimiri-Atroari (porque eu estava proibido de entrar em todas as áreas indígenas do país pela Ditadura Militar, devido aos meus duros posicionamentos, quando Secretário do Cimi, contra a política indigenista do Governo), Thomaz veio nos apoiar em um dos primeiros contatos clandestinos que tivemos com aldeias desse povo.
Thomaz nunca foi um missionário teórico, mas prático e decidido. Punha em ação o que achava correto, seja dentro das linhas apontadas pela Ordem jesuítica, seja pelas linhas da Igreja, mesmo que para isso tivesse que enfrentar e escandalizar a rotina institucional em que estas instituições se arrastavam. E ambos, devido às nossas atitudes pessoais e ações sem respeito a vários cânones do Direito Canônico e regras da Companhia de Jesus, não cabíamos mais nestas instituições. E nos conformamos com isto. Entretanto, sempre nos sentimos muito aceitos por todos os companheiros jesuítas missionários junto aos índios e também pelos agentes de pastoral, padres, irmãs, leigos que com o Concílio Vaticano II creem que a Igreja é o Povo de Deus.
Casa da Cultura do Urubuí, dia 30 de março de 2019,
Egydio Schwade
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Thomaz, meu companheiro de caminhada missionária - Instituto Humanitas Unisinos - IHU