21 Fevereiro 2019
"É preciso tomar algumas medidas concretas para a Igreja encontrar seu caminho para a cura e a credibilidade e um dia restabelecer a confiança entre a hierarquia e o resto da comunidade. Essas medidas precisam incluir uma definição firme, clara e global da tolerância zero e do que acontece caso algum membro do clero seja acusado", afirma editorial do National Catholic Reporter, 20-02-2019. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Por razões imediatas e remotas, houve a necessidade de uma reunião sem precedentes como esta: o encontro dos líderes das Conferências dos Bispos do mundo todo, em Roma, em fevereiro, para discutir os escândalos globais de abuso sexual clerical.
John Carr, diretor da Iniciativa para o Pensamento Social Católico e a Vida Pública da Universidade de Georgetown, dedicou grande parte da sua vida trabalhando para os bispos e caracterizou com brilhantismo o evento dos dias 21 a 24 de fevereiro: deveria ter acontecido há muito tempo, e é um milagre que vá acontecer.
Realmente, não é de hoje que os casos de abuso estão presentes e, olhando para trás, talvez seja possível perceber uma progressão da hierarquia desde a etapa da negação até a aceitação e à responsabilização.
Nos últimos seis meses, ficou claro que duas situações fizeram com que o escândalo ganhasse novos contornos na imaginação das pessoas. A primeira foi a revelação do caso de má conduta do ex-cardeal altamente respeitado Theodore McCarrick com seminaristas e provável abuso sexual infantil. A segunda foram relatos vívidos de abusos no relatório da Suprema Corte da Pensilvânia, incluindo detalhes de acobertamento episcopal.
Foram fatos antigos recentemente revelados, mas serviram para finalmente conscientizar que não foi um problema isolado em um canto escuro da Igreja nem um problema de "algumas laranjas podres" ou até mesmo causados por erros e mal-entendidos.
Na verdade, foi - e continua sendo - uma doença sistêmica com raízes profundas em uma cultura clerical que coloca o sigilo, o privilégio e o poder acima do bem-estar das crianças que foram vítimas e de suas famílias.
Definitivamente, houve mudanças desde então. A teóloga e advogada Cathleen Kaveny, do Boston College, disse, numa conferência em novembro do ano passado, que "esta iteração da crise marcou um ponto de virada no modo como os católicos, principalmente os estadunidenses, percebem a Igreja. …Agora muitas pessoas não veem a crise de abuso sexual como uma aberração dentro do sistema, mas como algo que o percorre. E é possível graças a esse sistema."
A pergunta perturbadora que se segue é: "O que teria de ser verdade na Igreja e em sua cultura para a crise de abuso sexual não ser vista como uma aberração dentro do sistema, mas como algo que o percorre?”
Ela foi ainda mais longe, dizendo que precisamos usar uma "linguagem teológica" para discutir o escândalo e fazer uma "releitura da nossa vida em comum" de alguma forma.
Essas etapas ficam para mais adiante. No momento, basta que a Igreja global sustente a verdade.
Nenhuma reunião de quatro dias conseguiria resolver décadas de crime e acobertamento, grande parte ainda a se revelar no mundo todo.
No entanto, é preciso tomar algumas medidas concretas para a Igreja encontrar seu caminho para a cura e a credibilidade e um dia restabelecer a confiança entre a hierarquia e o resto da comunidade. Essas medidas precisam incluir uma definição firme, clara e global da tolerância zero e do que acontece caso algum membro do clero seja acusado. Os líderes devem definir com clareza, para a Igreja do mundo todo, o que acontece caso haja uma acusação plausível e criar um mecanismo para avaliar os bispos continuamente e responsabilizar quando as acusações não forem resolvidas de forma apropriada.
A delegação dos EUA leva muita experiência para a conferência de Roma. E também deve levar outra mensagem de John Carr, que poderia ser afirmada por muitos católicos: "A paciência do povo de Deus com a cultura clerical e episcopal que se coloca em primeiro lugar está esgotada".
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Abusos. "Doença sistêmica tem raízes profundas na cultura clerical", afirma editorial - Instituto Humanitas Unisinos - IHU