29 Janeiro 2019
Tissa Balasuriya dedicou a vida à luta pela justiça social, desafiando a convenção da Igreja a servir os menos favorecidos.
Inspirados pelos esforços de um padre católico contundente que foi excomungado durante o pontificado de João Paulo II, ativistas sociais no Sri Lanka continuam sua missão de proteger os oprimidos.
A informação é publicada por La Croix International, 26-01-2019. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Mary Beryl Patricia diz ter decidido participar do Center for Society and Religion (Centro de Sociedade e Religião) em março de 1978. O Center for Society and Religion (CSR) foi fundado pelo padre oblato Tissa Balasuriya para combater a injustiça social.
(Foto: ucanews.com)
Ela conta como em janeiro deste ano, que o centro de recursos inaugurado em homenagem ao padre, que faleceu aos 89 anos em março de 2013, representa o legado de sua obra e nos lembra da importância do que ele defendia.
Tissa Balasuriya ficou conhecido como um teólogo da libertação e anti-imperialista que lutou contra a exploração da Ásia pelas potências coloniais do Ocidente.
Ele também criticava o ex-cardeal Joseph Ratzinger, que depois se tornou Papa Bento XVI, e em 1997 foi punido por suas opiniões heterodoxas — radical, para alguns — sobre a Virgem Maria, o pecado original, o batismo e o direito das mulheres ao sacerdócio.
Apesar da representação da Igreja de Maria como meiga e obediente, ele chocou ao retratá-la mais como um revolucionário determinado.
Depois de sua excomunhão, ele se dedicou ao trabalho com os menos favorecidos, mulheres ativistas, mulheres vulneráveis, órfãos, ativistas pelos direitos humanos e até mesmo denunciantes da Igreja.
Chegou a afirmar que Ratzinger, que foi fundamental nos processos do Vaticano contra Tissa Balasuriya, que ele precisava “ter uma visão menos eurocêntrica do mundo. Ele precisa aceitar que Deus pode falar com a humanidade por outros meios além da Igreja Católica."
Mary Beryl Patricia, que hoje tem 68 anos, trabalhou com ele durante 27 anos. Ela lembra que passava noites digitando artigos pedindo um mundo melhor ditados por Tissa Balasuriya, a quem ela chama de padre Bala.
"O padre Bala fez um grande esforço pela justiça social para os oprimidos e marginalizados, e seu amor aos mais pobres não vinha da teoria, mas do coração", diz.
"Quem estava no poder, seja na sociedade civil ou na Igreja, via isso como uma afronta”, acrescenta.
Ela descreve o padre como um grande pensador, que tentou incessantemente provocar o diálogo sobre questões teológicas e sociais prementes.
Para ela, ele era um homem gentil que se misturava com moradores das favelas de Colombo, mulheres trabalhadoras em zonas francas, vítimas de conflitos étnicos, agricultores, pescadores, jovens e vítimas de grandes projetos de desenvolvimento.
Mas não de forma ingênua: ele condenava severamente os males do capitalismo e do neoliberalismo em seus textos para a mídia nacional e internacional.
Num período em que a Igreja Católica era dominada por homens, ele se destacou por defender a dignidade e os direitos das mulheres, posicionando-se a favor do sacerdócio feminino.
"Apesar de ter lutado mesmo quando foi excomungado, ele nunca perdeu seu amor pela Igreja", relatou Mary. "Ele tentou negociar com a hierarquia dialogando de forma positiva com sacerdotes e leigos tanto no Sri Lanka como no exterior."
O padre, que escreveu 35 livros sobre teologia, direitos humanos, exploração dos trabalhadores e os méritos de outras religiões, passou a ter problemas com o Vaticano depois da publicação do livro Mary and Human Liberation (Maria e a Libertação Humana), em 1990.
O Vaticano avisou que o texto continha conteúdo herético porque deturpava a doutrina do pecado original e duvidava da divindade de Cristo.
Sua excomunhão aconteceu em 1997, mas foi removida um ano depois, devido à pressão de vários grupos de sacerdotes e leigos.
Tissa nunca aceitou quaisquer privilégios de líderes políticos, e dizem que tinha uma vida muito casta. Ele também lançou uma revista controversa em busca de justiça social para instruir as pessoas a respeito de importantes questões.
Versado em economia, foi ordenado sacerdote em 1953 e tornou-se o primeiro capelão da região Ásia-Pacífico a participar do International Movement of Catholic Students (Movimento Internacional de Estudantes Católicos).
Em 1971, o partido marxista-leninista Janatha Vimukthi Peramuna (JVP), conhecido como Frente Popular de Libertação, empreendeu uma revolta armada contra o governo, sem sucesso.
Com isso, Tissa Balasuriya saiu da Aquinas University College e criou o CSR, que trabalha com moradores de favelas, mulheres vulneráveis, ativistas pelos direitos humanos, universitários, pesquisadores e vítimas da guerra civil de 25 anos do Sri Lanka.
Com o tempo, ele diversificou seus textos e tentou extrapolar a teologia contextual, chegando a abordar temas como "teologia planetária" em 1984.
Além disso, foi membro fundador da Associação Ecumênica de Teólogos e Teólogas do Terceiro Mundo.
Para o professor da Universidade de Kelaniya Shirley Lal Wijesinghe, nos arredores de Colombo, a vida acadêmica era secundária para o sacerdote. Sua preocupação principal era ajudar os pobres.
Ele gostava de desafiar as teologias que justificavam as estruturas que criavam ou aumentavam a pobreza, afirma.
"Existe uma máquina que gera pobreza, alimentada pelas relações econômicas e padrões de pensamento que incluem a teologia cristã. Esse era o núcleo do pensamento de Tissa Balasuriya", afirmou, em uma palestra em sua homenagem para sacerdotes, freiras e ativistas, na capital do país, no dia 17 de janeiro.
"Para começar, é importante observar que o trabalho a que Bala dedicou sua vida não era feito para o consumo acadêmico. Era fazer teologia no contexto de um esforço conjunto. Seu objetivo era ação, contemplação sobre a ação para a ação. Isso fica claro nas conferências que ele organizou.
"O CSR foi um significativo gesto profético 'de sociedade e religião' ou 'de uma sociedade justa' e de uma filosofia religiosa relevante ou uma teologia cristã para uma sociedade justa' e foi seguido por outros grupos com diversas especializações. Um deles é o centro de observação eleitoral PAFFREL (People's Action for Free and Fair Elections).”
Tissa Balasuriya foi membro fundador do PAFFREL, criado em 1987 para ajudar a promover a democracia no Sri Lanka, promovendo eleições justas e livres.
Desde então, o padre Ashok Stephen, diretor do CSR, reuniu livros de sua autoria, inclusive sobre teologia da libertação, teologia feminista, direitos humanos e o meio ambiente.
No dia 17 de janeiro, em comemoração à luta incansável do sacerdote pela justiça social, foi aberta uma seção especial com essas obras em Colombo, para o uso de ativistas, professores, estudantes universitários.
"Em alguns meses, vamos abrir uma biblioteca para mais pessoas poderem ler suas obras", disse padre Stephen, que também é advogado.
Mary relatou que Tissa Balasuriya trabalhou com budistas, hindus e muçulmanos sem discriminação, colaborando com vários grupos étnicos e religiosos e criando pontes entre as religiões. "Ele trabalhou incansavelmente pela justiça", disse.
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Sri Lanka homenageia o padre Balasuriya que lutou pelos direitos da mulher - Instituto Humanitas Unisinos - IHU