13 Janeiro 2015
No fim desta semana, as manchetes sobre a viagem do Papa Francisco à Ásia, entre os dias 12 e 10, a segunda desde sua eleição, provavelmente irão se focar mais nas Filipinas, muito por causa das multidões de adoradores que ele irá atrair numa das culturas mais intensamente católicas no mundo.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 12-01-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
No entanto, a viagem na verdade começa no Sri Lanka, onde Francisco chega no começo da manhã de terça-feira, horário local, e é bem possível que dos dois países que ele estará visitando este seja o lugar onde ele tem a chance de fazer o maior bem.
O resultado surpreendente na eleição presidencial, na qual um desafiante de longa data destronou um candidato aparentemente invencível, deixou os cidadãos do Sri Lanka como se estivessem numa encruzilhada, com a possibilidade de ou fazerem um significativo progresso em direção à conciliação ou caírem de volta no caos social.
Dado o seu histórico impressionante de ator político e diplomático, Francisco tem, pois, a oportunidade de ajudar o país na direção da paz continuada.
Ainda que o Sri Lanka não seja maior do que a Sicília, ele desempenha um papel importante na Ásia. O país está localizado na costa da Índia, mas mantém laços econômicos e políticos estreitos com a China e é, em geral, visto como um termômetro para as tendências estrangeiras no continente.
A sua população de 20 milhões divide-se entre uma maioria budista cingalesa e uma minoria tâmil composta de hindus e muçulmanos. Os católicos formam só 7%, porém ocupam um nicho singular já que é a única religião com seguidores entre os cingaleses e tâmeis.
O Sri Lanka viveu uma guerra civil terrível que durou 30 anos, iniciada em 1983 com a insurgência liderada pelos “Tigres Tâmeis”, grupo que originalmente era uma força militar de base que refletia aquilo que muitos viam como queixas legítimas da minoria tâmil, concentrada no norte do país, mas que, ao longo do tempo, se transformou numa organização terrorista um tanto brutal.
A guerra terminou em 2009 após o governo do ex-presidente Mahinda Rajapaksa ter abandonado os esforços de resolução via diálogo e, em vez disso, lançou uma ofensiva militar generalizada.
Na quarta-feira, Francisco vai viajar para o norte do Sri Lanka para visitar um famoso santuário mariano localizado numa antiga região de batalha, onde acredita-se que uma estátua de 450 anos da Virgem possui poderes milagrosos, incluindo a capacidade de proteger as pessoas de cobras venenosas da selva local.
O santuário foi atingido por um grupo de artilharia durante os combates, onde morreram 38 pessoas que haviam se refugiado em seu interior, incluindo 13 crianças, e por um breve período em 2008 a estátua precisou ser retirada para que se mantivesse a salvo.
Embora Rajapaksa tenha vencido a guerra, os críticos nunca dizem que ele ganhou a paz. Acusam-no de não conseguir promover o desenvolvimento dos tâmeis nas regiões do norte, e também de se tornar, cada vez mais, autoritário e isolado.
Dado este histórico, o fato de que Francisco não irá permanecer na capital Colombo, mas irá viajar para o norte, apesar de ficar no país apenas 48 horas, é visto por muitos cidadãos como um apelo ao governo para estabelecer iniciativas para ajudar a região.
Na última quinta-feira, a população do Sri Lanka pareceu surpreender até eles próprios ao rejeitar a tentativa de Rajapaksa de se eleger para um terceiro mandato, abraçando o desafiante Maithripala Sirisena.
(Curiosamente, esta é a terceira vez que um papa visita o Sri Lanka, depois de Paulo VI em 1970 e João Paulo II em 1995, e a terceira vez que a chegada de um papa coincide com uma mudança de governo. A moral da história parece ser que se você for um candidato à presidência do país, melhor será manter o papa tão longe quanto possível.)
Sirisena, quem até recentemente era ministro no governo de Rajapaksa, é também um budista cingalês, mas fez da minoria tâmil uma pedra angular de sua base eleitoral. Ele também pediu pelo fim do crescente culto à personalidade ao redor da presidência.
“O que o nosso país precisa não é um rei, mas um ser humano verdadeiro”, disse.
Durante a semana, o novo governo anunciou que o acesso aos sites de imprensa que foram bloqueados pelo governo de Rajapaksa serão restaurados, e também anunciou o fim da vigilância a dissidentes políticos.
O povo do Sri Lanka parece feliz por dar a si esta oportunidade, mas também se mostra nervoso sobre como tudo irá se desenrolar.
“Precisamos de mudança”, disse Palitha Rodrigo, católico cingalês e engenheiro civil, que se deslocou para o santuário mariano em Madhu para a visita do papa. “Não queremos ter embates no Sri Lanka”.
A sensação de que a situação atual pode representar uma ameaça foi alimentada por rumores de que Rajapaksa teria tentado enviar forças do exército e de polícia para frustrar os resultados da eleição, algo que o exército negou.
De maneira geral, há o medo de que a coalização eleitoral de Sirisena – que vai desde nacionalistas budistas linha-duras que negam que milhares de civis tâmeis morreram nos bombardeios finais da guerra até o ex-presidente que, certa vez, se desculpou pelo tratamento histórico impróprio dado aos tâmeis – possa provar-se instável e mergulhar o país de volta no caos.
Neste contexto, uma visita papal bem-sucedida – especialmente uma visita em que Francisco use a sua popularidade e plataforma midiática para cumprimentar o Sri Lanka por abraçar a democracia e a tolerância – pode representar um momento ímpar para o país, assegurando-lhe que esta sua nova experiência poderá funcionar.
Francisco pode também encorajar os católicos do país a virem a público, desempenharem o papel de “construtores de pontes”, coisa que sua composição étnica singular lhes dá.
Num país muitas vezes definido por sua divisão étnica, o catolicismo apresenta um contraexemplo interessante. Exige-se que os seminaristas sejam fluentes tanto em cingalês quanto em tâmil. O país tem 13 seminários menores, mas apenas um seminário maior. Assim, os futuros padres cingaleses e tâmeis podem ser, em parte, formados juntos e desenvolver amizades.
A maioria das paróquias realizam missas nos dois idiomas. Os analistas dizem que as congregações são compostas, em geral, por pessoas de ambos os grupos.
Também ajuda o fato de que o Cardeal Malcolm Ranjith, da Arquidiocese de Colombo, é uma figura nacional respeitada. Ele é uma fonte de orgulho por ser o primeiro do país a servir como núncio papal, ou embaixador, e então como um importante assessor para o Papa Bento XVI.
Os católicos no Sri Lanka também têm uma longa história de se disporem a fazer sacrifícios, ponto que Francisco irá ressaltar na terça-feira pela manhã quando vai canonizar o Beato Joseph Vaz, padre missionário dos séculos XVII e XVIII de Goa, Índia, que ajudou a reconstruir a presença católica no Sri Lanka numa época de perseguição intensa pelos colonizadores holandeses calvinistas.
Entre outras coisas, Vaz incentivou um papel ativo dos leigos numa região onde era difícil os padres trabalharem livremente. Francisco também é um apaixonado pelo trabalho dos leigos, e isto pode ser essencialmente importante neste momento em termos de contribuições que os leigos católicos podem dar à nova aposta política e social do Sri Lanka.
(Vale dizer, Vaz é mais um caso onde Francisco dispensou a exigência de um segundo milagre antes de declará-lo santo, o que é conhecido como uma canonização “equipolente”.)
Diante de tudo isso, o Sri Lanka não é, de forma alguma, uma simples visita. As multidões podem ser maiores nas Filipinas, mas em termos de importância da missão pontifícia, o Sri Lanka é, de longe, o evento principal.
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Papa Francisco tem a chance de fazer algo de bom no Sri Lanka - Instituto Humanitas Unisinos - IHU