06 Dezembro 2018
Mais pessoas ficaram pobres e desassistidas no Brasil entre 2016 e 2017. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou nesta quarta-feira uma série de indicadores sociais sobre pobreza, detalhando renda, moradia e educação dessa população. Quase todos os números pioraram.
A reportagem é de Matheus Magenta e Juliana Gragnani, publicada por BBC Brasil, 05-12-2018.
Em 2016, o Brasil tinha 52,8 milhões de pessoas pobres (25,7% da população). Em 2017, esse número cresceu para 54,8 milhões (26,5%).
A economia brasileira viveu altos e baixos desde o último levantamento, em 2014. Passou por baixo crescimento, desaceleração, recessão até atingir uma lenta recuperação em 2017. Por consequência, o mercado de trabalho registrou cortes de vagas, aumento da informalidade e queda do rendimento de assalariados e autônomos.
Para Manuel Thedim, economista e pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), o principal desafio do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) para alavancar a economia do país a partir de 2019 é a insegurança jurídica.
"A economia não consegue em hipótese alguma se divorciar da política. Então, é preciso saber se o presidente eleito vai de fato abraçar e fortalecer a segurança jurídica do país, fazer com que acordos e contratos passem a ser respeitados no médio e no longo prazo. Como alguém já falou, no Brasil hoje até a história é incerta", afirmou à BBC News Brasil.
Investidores temem, por exemplo, que regras e políticas públicas acertadas no presente com uma autoridade sejam desfeitas pelos sucessores. É preciso também, diz Thedim, aguardar o entendimento que a Justiça terá da reforma trabalhista aprovada durante o governo Michel Temer (MDB), com a criação, por exemplo, de jornadas de trabalho intermitentes.
O levantamento aponta também as desigualdades socioeconômicas entre pessoas de diferentes cores ou raças. Pretos e pardos enfrentam muito mais dificuldade para encontrar empregos, vagas em creches e moradias em condições adequadas.
"Ter ensino superior é um fator que contribui para o acesso ao mercado de trabalho com mais intensidade para as pessoas pretas ou pardas, mas não o suficiente para colocá-las em igualdade com as pessoas brancas", afirmou o IBGE sobre os resultados.
Em 2017, trabalhadores brancos ganhavam, em média, R$ 2.615. Ou seja, 72,5% mais que os pretos ou pardos (R$ 1.516). Na diferença de gênero, a diferença entre homens e mulheres era de 29,7%, ou R$ 2.261 e R$ 1.743 respectivamente.
Desde a pesquisa de 2014 até a atual, apurada em 2017, o mercado de trabalho do país registrou um grande corte de vagas, subutilização da força de trabalho (menos de 40 horas semanais), aumento da informalidade (característica de parte das retomadas econômicas) e aumento da desigualdade de renda.
A taxa de desocupação, que era de 6,9% em 2014, aumentou continuamente até atingir 12,5% em 2017. No período, 6,2 milhões de pessoas ficaram desempregadas e outras 5,2 milhões passaram a procurar emprego (a exemplo daqueles que só estudavam ou viviam da renda do cônjuge). Os jovens sofreram mais. Entre pessoas com 14 a 29 anos de idade, a taxa de desocupação passou de 13% para 22,6% em 2017.
Com as idas e vindas da economia, inicialmente, houve uma queda na diferença salarial, que, segundo o IBGE, se deu por causa de ganhos reais concedidos a quem recebia esse valor ou tinha seu rendimento influenciado por ele.
A partir de 2016, o cenário se inverteu, com o aumento do desemprego e da informalidade. Dois em cada cinco trabalhadores não tinham carteira assinada em 2017, um aumento de 1,2 milhão de informais desde 2014.
Para Thiago Xavier, economista e responsável pela área de monitoramento da atividade econômica na Tendências Consultoria, a recuperação consistente do mercado de trabalho depende principalmente da retomada do crescimento do país e da melhora nas expectativas econômicas.
O primeiro ponto passa em essência pela reforma da Previdência. Sem ela, a fatia de recursos destinados a essa área paralisaria o governo, tendo em vista o teto de gastos públicos e seus gatilhos punitivos em caso de descumprimento dos limites fiscais adotados durante o governo Michel Temer (MDB).
Uma eventual melhora do quadro fiscal teria efeito positivo, segundo Xavier, sobre as perspectivas de gastos e investimentos dos principais agentes econômicos: famílias, empresários e Estado. Com a crise de 2014, o endividamento generalizado reduziu a velocidade e mesmo a capacidade de retomada - em crises anteriores, o governo federal conseguiu investir em infraestrutura e expansão do crédito sem perspectiva de descontrole inflacionário, por exemplo.
O IBGE identificou um aumento da pobreza entre 2016 e 2017, tendo como referência a linha de pobreza proposta pelo Banco Mundial (rendimento de até US$ 5,5 por dia, ou R$ 406 por mês). Por exemplo, 54,1% da população do Maranhão (taxa mais alta) e 8,5% de Santa Catarina (a mais baixa) estão nessa faixa de renda.
No período, o número de pessoas pobres passou de 52,8 milhões (25,7% da população) para 54,8 milhões (ou 26,5%). A parcela mais vulnerável é composta por domicílios comandados por mulheres pretas ou pardas sem cônjuge e com filhos de até 14 anos - 64,4% desse grupo vivem nessa situação. A fatia de crianças e adolescentes na faixa da pobreza passou de 42,9% para 43,4%.
Nesse mesmo período, outras 2 milhões de pessoas adentraram a faixa daqueles que vivem em situação de extrema pobreza, com renda em torno de R$ 140 por mês. A situação piorou em todas regiões do país, exceto no Norte. Essa proporção passou de 6,6% para 7,4%, ou, em números absolutos, de 13,5 milhões de pessoas para 15,2 milhões de pessoas. A meta global de erradicação da pobreza extrema é 2030.
Em 2017, o rendimento médio mensal per capita domiciliar no país foi de R$ 1.511, mas quase metade da população das regiões Norte e Nordeste ganhava até meio salário mínimo per capita (cerca de R$ 470); no Sul, essa parcela representa 15,6% do total. Esse cenário tende a acentuar a desigualdade social.
Segundo os dados mais recentes, a renda somada dos 10% com maiores rendimentos do país era 3,5 vezes maior que o total recebido pelos 40% com menores rendimentos. O tamanho do abismo varia a depender da região.
O Distrito Federal era líder nesse quesito. Os 10% do topo concentravam 46,5%, e os 40% com menores rendimentos, 8,4%.
A pesquisa do IBGE examinou a situação da moradia no país a partir de quatro tipos de inadequações em domicílios. O resultado: 27 milhões de pessoas, ou 13% da população, vivem em casas com ao menos uma dessas quatro inadequações. São elas:
- adensamento excessivo: casas com mais de três moradores por dormitório, a campeã das inadequações, atingindo 12,2 milhões de pessoas (5,9% da população)
- ônus excessivo com aluguel: quando o aluguel supera 30% do rendimento domiciliar, algo que afeta 10,1 milhões de pessoas (4,9% da pessoas); a inadequação foi mais presente no Distrito Federal e em São Paulo
- ausência de banheiro de uso exclusivo do domicílio: um total de 5,4 milhões de pessoas (2,6% da população) vivem nessa condição
- paredes externas construídas com materiais não duráveis: 1,3% da população vivem em residências assim
A pesquisa também analisou a ausência de serviços de saneamento. Mais de um terço da população não tem ao menos um dos três serviços de saneamento básico analisado (esgoto sanitário, abastecimento de água ou coleta direta ou indireta de lixo).
Todos os indicadores de inadequação na moradia e ausência de serviços de saneamento crescem em relação a pretos ou pardos em comparação com brancos. 43,4% das pessoas pretas ou pardas, por exemplo, não têm esgoto sanitário ou rede coletora ou pluvial. O número cai para 26,6% quando a análise foca pessoas brancas.
Houve uma "evolução mais rápida", segundo o texto do relatório, "no acesso domiciliar à internet". Em 2016, 67,9% da população residia em casas com acesso à internet. O número passou para 74.8% em 2017.
Para Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, "parece bastante claro" que o governo federal precisa agir nos municípios onde as pessoas enfrentam essa escassez de serviços básicos. A solução, diz, é trabalhar junto com municípios para fornecer saneamento e aumentar a ação de programas sociais ali.
"O Bolsa Família e outros programas sociais precisam chegar nessas pessoas", afirma. Segundo o estudo, quase metade das mulheres pretas ou pardas sem cônjuge e com filhos de até 14 anos, por exemplo, tem restrição de acesso à proteção social.
Uma das definições de falta de proteção social, segundo a pesquisa, é quando um domicílio tem rendimento per capita inferior a meio salário mínimo e não recebe rendimentos de outras fontes, como programas sociais.
"Nenhuma das grandes regiões ou unidades da federação atingiu a meta da universalização do acesso à pré-escola", mostra o estudo, citando objetivo estabelecido pelo Plano Nacional de Educação, criado por lei aprovada em 2014, que prevê a meta de que 100% das crianças de 4 e 5 anos têm de estar matriculadas.
O percentual de crianças de 4 e 5 anos que frequentam a escola ou creche passou de 90,2%, em 2016, para 91,7%, em 2017. A frequência a escola ou creche nessa idade é obrigatória desde 2016.
Os Estados que chegaram mais perto de atingir a universalização foram o Ceará e o Piauí, com 97,8% e 97,6%, respectivamente. As taxas do Amapá, Amazonas e Acre ficaram abaixo de 80%.
"A pré-escola é uma etapa super importante porque é ali que a criança vai começar a desenvolver as bases para ser alfabetizada, vai ter desenvolvimento emocional e cognitivo", diz Thaiane Pereira, coordenadora de projetos da organização sem fins lucrativos Todos Pela Educação. Para ela, colocar o restante das crianças na escola é "urgente" para a próxima gestão.
O acesso à escola ou creche é menor nas áreas rurais, segundo o estudo do IBGE. Crianças que vivem em zonas rurais têm frequência escolar de 43,4%; esse número sobe para 54,7% quando o estudo leva em conta as crianças que vivem em domicílios urbanos. O acesso de pretos ou pardos a escolas ou creches também é menor que o acesso de crianças brancas.
Nas zonas rurais, 43,9% das crianças de 0 a 5 anos não frequentavam a escola ou creche por ausência de vaga. Nos domicílios urbanos, a proporção é de 23,3%.
Pereira, do Todos Pela Educação, cita duas medidas que o próximo governo deve adotar para chegar à meta de 50% de crianças de 0 a 3 anos em creches, objetivo estabelecido no Plano Nacional de Educação para 2024. Hoje, um terço das crianças nessa faixa etária estão em creches, uma etapa que não é obrigatória.
A primeira delas: dar acesso a creche com equidade, combatendo o desequilíbrio evidenciado pela pesquisa, que mostra que crianças negras têm menos acesso a creches do que crianças brancas, por exemplo.
A segunda medida: reinterpretar a meta de 50% de acesso a creches por municípios. Ela explica: "Muitos dos municípios replicaram a meta federal. Mas não necessariamente esses municípios precisam atingir os 50%. E há outros para os quais a meta de 50% não é suficiente. Em São Paulo, por exemplo, há muitas famílias com apenas um dos pais e famílias economicamente ativas que precisam mais de creches".
Ou seja, "antes de atender toda a demanda, é preciso atender as famílias que mais necessitam, que só tem um responsável ou que tem um responsável que precise trabalhar", diz ela. É preciso construir creches e abrir vagas, mas não sem planejamento.
O estudo mostrou profunda desigualdade no acesso ao ensino superior. Das pessoas que concluíram o ensino médio na rede pública, 35,9% ingressaram no ensino superior, ante 79,2% dos que cursaram a rede privada.
Ou seja, a taxa de acesso ao ensino superior dos alunos da rede privada foi mais que o dobro dos alunos que cursaram a rede pública.
Cor ou raça também desempenham um papel na desigualdade evidenciada pela pesquisa. No ano passado, pouco mais da metade das pessoas brancas (51,5%) com ensino médio completo seguiram para cursar o ensino superior. Esse número cai para 33,4% quando a análise foca pretos ou pardos nas mesmas condições.
No total, em 2017, 43,2% da população com ensino médio completo entraram no ensino superior.
A pesquisa também analisou a proporção de matrículas por cotas no ensino superior público. De 2009 a 2016, esse número cresceu 3,5 vezes, passando de 1,5% para 5,2%. A proporção de matrículas com PROUNI (Programa Universidade para Todos, do governo federal, que concede bolsas de estudo parciais ou integrais) nas instituições privadas - de 5,7% para 7,3%.
"É importante dizer que, apesar de termos muito o que melhorar ainda, houve um avanço muito grande nos últimos 20 anos em relação à educação", diz Naercio Menezes, do Insper.
O problema do acesso ao ensino superior está no Ensino Médio - ele destaca que é preciso melhorar a qualidade e taxa de evasão.
Para ele, há problemas de priorização e gestão. Ele defende, por exemplo, a descentralização da gestão do Ensino Médio, administrada pelos Estados. "É impossível gerir a partir de uma secretaria só. Deveria haver consórcios de municípios, com autonomia administrativa. As redes são muito grandes", afirma.
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Governo Bolsonaro: 54 milhões de pobres e mais cinco desafios que o presidente eleito enfrentará em 2019 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU