23 Novembro 2018
Há alguns meses, o professor Richard Brown participou de um painel de discussão sobre "Fake News” na biblioteca pública de New Haven. (Publiquei resenhas de seu livro Self-Evident Truths: Contesting Equal Rights From the Revolution to the Civil War aqui e aqui.) Ele citou um trecho do que James Madison escreveu em 1822:
"...um governo popular, sem informação popular, ou sem os meios de adquiri-la, é apenas um prólogo para uma farsa ou uma tragédia, ou talvez ambas. O conhecimento sempre regerá a ignorância: um povo que pretende governar a si mesmo deverá se armar com o poder que só o conhecimento oferece".
A reportagem é de Michael Sean Winters, publicada por National Catholic Reporter, 21-11-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Ele ainda destacou o fato de que nunca houve uma mídia imparcial e objetiva na nossa vida cívica, mas que a dinâmica parece diferente agora. Para Brown,
“Ainda na década de 1830, quando a "Penny Press" surgiu em algumas grandes cidades, às vezes "notícias" fabricadas - ou fabricated news - chamavam a atenção do público e davam lucro. Por volta de 1890, a imprensa marrom publicava relatos falsos — como o notório caso do afundamento do encouraçado norte-americano "Maine" no porto de Havana — que justificavam o fato de o governo McKinley ter declarado guerra à Espanha. E nos anos 30, depois que o Presidente Franklin Roosevelt teve grande sucesso com o rádio, novo meio de comunicação, em pronunciamentos chamados “Fireside Chats”, um de seus adversários, o padre Charles Coughlin, radialista da rádio de Detroit, tornou-se uma voz demagógica, chegando a atingir 30 milhões de ouvintes por semana num total de 127 milhões de habitantes. Portanto, nem os demagogos do rádio como Rush Limbaugh são novos". ...
"Fake" não significa apenas falso ou equivocado, mas deliberadamente falso ou equivocado. Seu propósito, sua intenção, é decepcionar. Apesar de as "fake news”, como mencionei, certamente não serem novas, acredito que as várias formas e mecanismos das mídias digitais, combinado com sua influência sobre as expectativas do público, ampliou e está ampliando a influência das falsas notícias — rompendo a distinção entre informações reais e verificáveis e informações falsas e deliberadamente enganosas.
Essas frases referem-se à nossa vida cívica. Os Estados Unidos têm um presidente para quem mentir é mais fácil que respirar - talvez muito mais fácil. Mas elas também apontam para uma realidade na vida atual da Igreja.
Na semana passada, a Catholic News Agency publicou uma reportagem de Ed Condon alegando que os cardeais Donald Wuerl e Blase Cupich "colaboraram extensivamente" numa proposta que definia como os bispos dos Estados Unidos poderiam lidar com os casos de abuso sexual do clero. Citaram fontes anônimas, e uma delas parece ser "um funcionário da Congregação para os Bispos" do Vaticano. Em um relatório publicado pelo Crux na segunda-feira, Cupich negou que houvesse colaborado com a reunião da Conferência dos Bispos dos EUA anteriormente. Na reunião, ele disse que mostrou sua proposta para vários bispos, incluindo o arcebispo de San Francisco, Salvatore Cordileone e o arcebispo da Filadélfia, Charles Chaput, que também sugeriu que o Conselho de Revisão dos metropolitanos investigasse acusações contra um bispo. Quando se descobriu a ironia de que Chaput e Cupich tinham a mesma proposta, alguém brincou: "e então Pilatos e Herodes ficaram amigos".
Não há nada de estranho no fato de dois cardeais, ambos membros da Congregação dos Bispos, trocarem ideias. Parece que a insinuação é que Cupich e Wuerl estavam trabalhando em propostas cruzadas com os líderes eleitos da da conferência. Alguém precisa explicar a Condon que às vezes os funcionários do Vaticano, principalmente os que podem ter tido conflitos com Wuerl ou Cupich, são conhecidos por mentir para repórteres e outras pessoas, às vezes até para si mesmos.
Deus sabe que os líderes da Conferência dos Bispos dos EUA poderiam aceitar a ajuda, porque rapidamente ficou claro, na discussão das propostas pelos bispos, que faltava muita coisa nas propostas. E, em vez de procurar explicações sinistras, talvez os escritores e editores da CNA poderiam procurar uma explicação mais óbvia: no próprio texto. Alguém se admira que o Papa Francisco tenha rejeitado propostas que não tinham estrutura pastoral alguma? Porque os bispos não conseguiram encontrar a linguagem teológica que explica sua própria má conduta? Porque eles continuam, não surpreendentemente mas deliberadamente, afirmando que a crise se trata de questões sexuais e não do acobertamento?
O artigo de Condon não era tão ruim quanto o de Philip Lawler na First Things. A primeira frase — "Ao anular o pedido de investigação independente dos bispos norte-americanos dos crescentes escândalos de abuso sexual, o Vaticano deixou a hierarquia dos Estados Unidos em uma posição impossível..." — ignora o que os bispos estavam propondo e o que o Vaticano impediu. Em primeiro lugar, não se sabe se a crise está aumentando; e se estiver não é por qualquer investigação votada pelos bispos: Foi a investigação do procurador geral da Pensilvânia, que apontou quase exclusivamente a forma inadequada de lidar com casos de abuso sexual durante o reinado do Papa João Paulo II, que causaram seu crescimento. Em segundo lugar, a questão era um código de conduta e um mecanismo de comunicação de violações do código pelos bispos no futuro. Não sei do que Lawler está falando.
A única discussão sobre qualquer investigação foi sobre o caso do ex-cardeal Theodore McCarrick, e o Vaticano já está investigando. Lawler está correto em dizer que o chefe do Conselho de Revisão para a Proteção das Crianças e dos Jovens, Francesco Cesareo, pediu uma investigação sobre as acusações feitas pelo ex-núncio Carlo Maria Viganò, mais especificamente, segundo Lawler, a acusação de que "funcionários do Vaticano (incluindo o Papa Francisco) tinham promovido McCarrick, apesar da evidência clara de má conduta". Desconsiderando o fato que McCarrick estava aposentado há sete anos quando Francisco se tornou Papa, não sei como Bergoglio "promoveu a carreira de McCarrick". O único bispo que mencionou Viganò foi Michael Olson, bispo de Fort Worth, Texas, que pediu repúdio à sugestão de o Papa renunciar.
Mas na verdade eu gostaria que o Vaticano tivesse explicado suas razões para impedir que as propostas entrem em vigor publicamente e com mais clareza. Se tivessem explicado, esse jogo de adivinhação de fins ideológicos seria menos provável. Ou não? O artigo de Lawler parece indicar que nada impedirá os inimigos de Francisco de fabricar detalhes significativos para pintar um quadro feio da forma como o Papa aborda os casos de abuso sexual no clero, apesar de nunca levantarem questão alguma sobre os antecessores. Hummm. No entanto, na próxima semana, poderei considerar a culpabilidade de Roma na percepção generalizada de que a hierarquia não consegue se organizar direito.
As fake news católicas não existem apenas na direita. O que dizer do artigo na Vanity Fair escrito por John Cornwell? Ele afirma que Francisco e o Papa Emérito Bento XVI são principais facções rivais dentro das paredes do Vaticano. E baseia esta fábula no testemunho de um "membro de médio escalão da burocracia do Vaticano" com quem conversou bebendo vinho. Talvez pudéssemos dizer que Daniel Ellsberg era um burocrata de médio escalão, só que ele produziu os documentos. Cornwell? Nem tanto. E alguém precisa avisar que não é incomum — no governo, no Vaticano, até mesmo na mídia — que a insatisfação acompanhe uma mudança de liderança, e que deve-se ter muito cuidado com alegações absurdas e sem fundamentação e com o vinho. O quão absurdas? Cornwell parece ser a única pessoa que não sabe que Viganò testou a paciência de Bento XVI, sete anos antes de atacar Francisco. Na verdade, da maneira como fala de Viganò, é como se ele estivesse armando uma vingança inspirada em Bento XVI contra o novo papa. No entanto, o artigo é amplamente distribuído, e milhões de pessoas acham que um jornalista da Vanity Fair com certeza deve ter verificado os fatos. Patético.
Claro, se você está procurando bons relatórios sobre a Igreja Católica na revista, talvez não deva esperar muito. E também não há nenhuma equivalência moral ou de perigo entre um artigo tendencioso da esquerda da Igreja Católica em comparação com os esforços sistemáticos da direita de controlar a mídia católica. No La Croix International, Robert Mickens detalha esses esforços nos Estados Unidos remontando a décadas atrás. Seu artigo é leitura obrigatória.
Todos nós cometemos erros. Mas será que é isso que está acontecendo na CNA ou na First Things? Temo que, na verdade, uma parte significativa da mídia católica esteja tentando espalhar falsidades intencionalmente conforme os interesses de objetivos partidários eclesiais. E também que esteja alcançando o que disse Jonathan Swift em 1710, que mesmo se acredite em uma mentira por um período muito breve, seu efeito já está consolidado e já não se pode voltar atrás: enquanto a mentira voa, a verdade arrasta-se para alcançá-la.
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'Fake news' não é novidade, mas a mídia católica precisa evitar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU