18 Setembro 2018
Nova York, Nova Jersey, Nebraska, Novo México, Flórida, Missouri, Illinois, Kentucky... é cada vez maior o número de estados norte-americanos que anunciou sua intenção de investigar a Igreja católica pelos abusos sexuais. Mas... e se o Departamento de Justiça investigasse a Igreja em nível nacional ou internacional? E não “só” pelos abusos ou acobertamentos pontuais, mas como se fosse o caso de uma organização delineada para delinquir... inclusive até na Santa Sé? Já há quem especule com esta possibilidade, mas há dificuldades. Sobretudo, as que seriam apresentadas por Jeffrey Lena, o advogado do Vaticano nos Estados Unidos.
A reportagem é de Cameron Doody, publicada por Religión Digital, 15-09-2018. A tradução é do Cepat.
Neste último escândalo de abusos que emanou do relatório de horrores da Pensilvânia, o promotor geral deste estado, Josh Shapiro, deu as primeiras pistas de que uma investigação em nível nacional da Igreja poderia se materializar, em breve. “Falei com um representante do Departamento de Justiça”, reconheceu Shapiro em uma entrevista ao New York Times. Embora o letrado não quis oferecer mais detalhes naquele momento, é de supor que compartilhou com o representante do ministério a mesma convicção que dividiu com os meios de comunicação, assim que se publicou o relatório do grande júri. Que para acobertar os abusos cometidos pelos sacerdotes, os bispos “mentiam aos fiéis, mentiam às forças da lei, mentiam ao público, mas depois documentavam tudo em arquivos secretos que compartilhavam, frequentemente, com o Vaticano”.
Supondo que fosse assim, que os bispos mentiam e que as autoridades vaticanas estavam a par de semelhantes mentiras, conforme alega Shapiro..., esta forma de agir pode ser considerada crime organizado, segundo a lei estadunidense? Dificilmente, segundo recorda o jornal York Daily Record, principalmente porque a lei contém uma definição específica do que constitui uma “organização”, exatamente a que os juízes interpretaram como não pertinente à Igreja, além de uma cláusula que especifica os crimes típicos das máfias, entre os quais não figura o de abuso sexual contra menores.
Há outras questões também em relação a uma possível investigação federal da Igreja por atividade mafiosa, e as mais importantes são as que foram apresentadas pelo advogado do Vaticano nos Estados Unidos, Jeffrey Lena, todas as vezes que vítimas de abusos tentaram sustentar nos tribunais que a Santa Sé é a última responsável pelo que sofreram. Como quando um homem tentou responsabilizar o Vaticano por ter transferido um padre que abusou dele da Irlanda para Oregon, e Lena conseguiu frear a ação utilizando táticas como a defesa da soberania da Santa Sé e a necessidade de traduzir todos os documentos legais ao latim, o idioma oficial da Igreja.
Mas, quem é este homem que recorre a qualquer artimanha legal, pelo que parece, para evitar que a cúpula eclesiástica reconheça sua parte da culpa pelos abusos sexuais? Apesar de Lena – californiano de nascimento, que agora está perto dos 60 anos de idade – ter conseguido enfadar muitas vítimas por suas astúcias nos tribunais, aqueles que o conhecem melhor afirmam que não é uma pessoa tão ruim.
Em uma entrevista a AP, em 2010, declarou que só começou a trabalhar para a Santa Sé – em um caso no qual o ‘banco do Vaticano’ foi acusado de ter guardado tesouros confiscados por nazistas – quando outros advogados se negaram a aceitar o trabalho, citando temores de que a publicidade de um caso relacionado ao Holocausto afetasse a sua reputação. Nessa mesma entrevista, Lena também explicou a razão de sua defesa da imunidade das autoridades vaticanas de ser processados em outras jurisdições. Porque “o Papa não é um general de cinco estrelas que manda em suas tropas”. Porque “os bispos diocesanos não são agentes, nem vigários do Papa, em nada. A autoridade de um bispo deriva de seu ofício. É o bispo que controla a sua diocese e ao que acontece”.
Em outra entrevista ao Washington Post, também em 2010, Lena explicou como havia conseguido o trabalho com Roma, dizendo que era em razão de suas “associações acadêmicas e profissionais” na Itália, país – concretamente, em Milão – onde estudou nos anos 1990. Ainda que o advogado tenha se negado a revelar quem exatamente lhe contratou, há indícios de que foi o advogado do já falecido presidente da Fiat, Gianni Agnelli – Franzo Grande Stevens –, que conseguiu sua contratação ao Vaticano.
Independente de como foi sua chegada às rédeas da defesa legal da Santa Sé na América do Norte – e apesar de todo o poder do qual desfrutou, chegando a atuar em certas ocasiões como um porta-voz de Roma nos Estados Unidos –, Lena possui uma simplicidade que recorda a do papa Francisco, homem com quem se hospeda todas as vezes que viaja ao Vaticano, na Casa Santa Marta.
Dizem que não é o típico advogado agressivo e prepotente, assim como podem existir nos escritórios de advocacia mais exclusivos e poderosos. De fato, trabalha em um pequeno escritório com dois ou três companheiros no máximo. E isso em um local que prefere não revelar, já que chegou a receber ameaças por seu trabalho defendendo uma organização que, nos últimos anos, caiu para graus históricos mínimos de credibilidade. Contudo, esta humildade talvez seja um trunfo na hora de tentar chegar à verdade do que aconteceu na Igreja para que se permitisse tantos abusos e acobertamentos. Ainda que esta verdade não agrade a nenhum de nós.
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Estados Unidos. As acusações que estão por vir contra a Igreja... e o homem que defenderia o Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU