07 Julho 2018
A publicação do sociólogo italiano Marco Marzano – La Chiesa immobile. Francesco e la rivoluzione mancata [A Igreja imóvel. Francisco e a revolução perdida] – não passou despercebida, ao contrário. As resenhas de Andrea Grillo, Fabrizio Carletti e Brunetto Salvarani, publicadas em Settimana News, foram notadas pelo autor, que as examinou e responde com este artigo.
O artigo foi publicado em Settimana News, 05-07-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Acho que chegou o momento, a quase quatro meses de sua publicação, de fazer um balanço do amplo debate levantado pelas teses do meu livro La Chiesa immobile. Francesco e la rivoluzione mancata (Laterza, 2018).
Obviamente, deixo de lado nesta nota o apreço e o reconhecimento que os resenhistas dirigiram ao meu trabalho e, em vez disso, concentro-me principalmente nos destaques críticos, que vieram principalmente da parte católica, de alguns defensores convictos do caráter fortemente inovador do papado de Francisco (todas as resenhas estão disponíveis aqui, em italiano).
Prossigo por pontos.
1. Constato com prazer que nenhum dos meus críticos contesta no mérito a reconstrução que apresentei no livro das reivindicações reformadoras e a resposta (muito decepcionante) que lhes foi dada pela ação de Francisco.
Alguns (especialmente Jacopo Scaramuzzi, em Askanews, e Brunetto Salvarani, em Settimana News) me repreenderam por ter ignorado algumas relevantes novidades que vieram do papado argentino (as mudanças de linguagem, a substituição de alguns dirigentes, as nomeações “desnorteadoras” de alguns bispos, a “catequese itinerante” nos passos de Milani, Mazzolari e Tonino Bello etc.), mas sinto que devo reiterar que as reformas que, de acordo com eles, eu teria subestimado não são, em caso algum, “reformas estruturais”, ou seja, mudanças que redefinem as relações de poder entre o centro romano e as periferias eclesiais, os homens e as mulheres, o clero e os leigos.
Sobre os pontos essenciais da estrutura centralizada, hierárquica e machista do catolicismo, Francisco não introduziu sequer uma mínima novidade. Desse ponto de vista, as mudanças foram todas não essenciais e marginais, já que nem sequer tocaram nos equilíbrios de poder subjacentes aos meandros da grande instituição.
2. Alguns críticos (os teólogos Andrea Grillo e Brunetto Salvarani) me acusam de não ter levado em consideração a relação de Francisco com o Evangelho e com a teologia. É uma crítica que eu custo a compreender e que inevitavelmente remete a uma irredutível diferença ideológica entre a minha perspectiva analítica e o olhar sobre o papado de muitos teólogos católicos.
Eu não especifico isso no livro, mas aqui quero afirmar com clareza e de uma vez por todas: para mim, a Igreja não é uma instituição santa, sagrada, desejada por Deus etc. Para mim, a Igreja Católica é uma organização totalmente humana, assim como qualquer outra.
Desse ponto de vista, ela pode se tornar objeto de uma análise sociológica nos mesmos termos – para citar Andrea Grillo – da Amazon, de um partido político ou do Terceiro Reich.
O Evangelho e a história de Jesus, para mim, estão para a Igreja Católica como qualquer mito fundador ou lenda original está para a instituição que, sobre o destino daquele mito, foi construída.
No caso do catolicismo, além disso, a fidelidade da instituição (Igreja) ao mito (Evangelho) é radicalmente contestada por outras organizações religiosas (protestantes e ortodoxas), que, da história de Jesus narrada nos Evangelhos, tiram conclusões em boa medida diferentes, não só no nível teológico, mas também no eclesiológico e institucional.
Em outras palavras, alguém pode muito bem se declarar seguidor de Jesus sem, por isso, ter que acreditar que – como escreve Grillo na sua resenha – “[...] Essa Esposa do Senhor, se quiser seguir a sua Cabeça e Mestre – que não é o papa – deve estar disposta a se mover, deve saber voltar a tomar a iniciativa. Sempre foi assim. Às vezes, na forma do movimento de uma geleira, às vezes, na liberdade de uma ‘pena ao vento’. Quando o Espírito sopra, a Igreja não permanece, mas vai, não para, mas se move. Essa mobilidade lhe garantiu que ela possa caminhar, por tantos séculos, no meio da história”.
O ponto é que tal vínculo entre a Igreja e o Evangelho não é nada aproblemático e evidente, e necessariamente implica uma assunção de fé (não tanto em Jesus, mas sim na Igreja-instituição e na sua adesão aos ideais originais) que os meus críticos teólogos assumem como óbvio e real, e que, para mim, simplesmente não existe, exceto em termos puramente ideológicos e culturais, sendo algo semelhante ao comunismo primitivo para os marxistas, ou à Roma imperial para os fascistas e às tábuas da lei para os judeus.
Para Grillo, que não me parece contemplar a hipótese do fracasso histórico do empreendimento católico, esse vínculo explica o dado ontológico de uma Igreja sempre necessariamente em movimento, por ser “estruturalmente não para si, mas para outro”; para Salvarani, justifica um olhar otimista sobre o futuro da Igreja depois de Francisco; para mim, não nos permite entender justamente nada e se configura como um dado historicamente determinado, mutável, ambíguo, manipulável e impossível de operacionalizar para submetê-lo à verificação empírica.
3. Grillo também me indica como o autor de um raciocínio intrinsecamente contraditório. Em primeiro lugar (a partir da esquerda, de acordo com ele) eu imputaria ao papa as reformas inexistentes, mas, depois, defenderia (a partir da direita) que elas não são nada necessárias, que a Igreja Católica não precisa delas, que não se beneficiaria com elas.
É justamente isso, mas a contradição não existe. Revelar o fato de que o papa não faz as reformas é o resultado de uma simples descrição da realidade, é um dado empírico que deveria tornar impossível o fato de continuar defendendo que o papado de Bergoglio tem um caráter revolucionário ou mesmo apenas reformador. Afirmar que as reformas não são necessárias, em vez disso, significa oferecer uma interpretação do comportamento de Bergoglio e da hierarquia inteira. De acordo com tal interpretação, eles não fazem as reformas porque consideram que elas não seriam vantajosas, nem para a instituição, nem para si mesmos, como seus anciãos.
Eu acho (mas é apenas uma hipótese) que Francisco chegou a essa conclusão no meio do caminho, mas que também soube continuar a se beneficiar daquela falsa identidade de papa revolucionário que a mídia teimosamente teceu sobre ele em benefício de uma opinião pública ocidental muito secularizada, mas em constante busca de superestrelas político-espirituais.
Em suma, Francisco tornou-se cada vez mais conservador nos fatos e cada vez mais revolucionário na representação. Essa é a verdadeira contradição sobre a qual Grillo e Salvarani deveriam começar a refletir seriamente.
4. Tenho a impressão de que muitos intelectuais católicos, incluindo os meus críticos, sem saber, se tornaram vítimas, assim como grande parte da opinião público, da grande transformação que afetou a figura do papa e a sua relação com a Igreja. Tal transformação segue-se ao advento da sociedade da comunicação e ao fato de que, nela, o papa é cada vez mais uma estrela midiática, capaz de se comunicar diretamente com as massas sem precisar mais da mediação eclesial.
Nesse cenário, o papa tornou-se um guru, um pregador solitário, um profeta, um componente do star system, e a organização que ele ainda dirige com plenos poderes acabou no pano de fundo, quase esquecida e removida, um resquício do passado sobre o qual não vale mais a pena sequer falar, substituída pela transbordante presença midiática do sucessor de Pedro.
As palavras do papa, os seus gestos (incluindo os mocassins desgastados e a velha maleta levada consigo como indícios de pobreza), a sua linguagem, a sua relação com o Evangelho e com a pregação, o seu estilo (tão semelhante ao de Jesus, para citar Salvarani) parecem ser alimento espiritual suficiente também para muitos católicos. Francisco, nesse nível, certamente inovou mais do que no estrutural, e, para muitos católicos, isso é mais do que suficiente para declarar que a revolução ocorreu e que a Igreja foi posta em movimento novamente.
5. Encerro com a citação de uma frase de Salvarani que escreve que, “depois de Francisco, não será mais possível ser papa como antes de Francisco”. É muito verdade, e eu também me pergunto como a Igreja Católica fará para encontrar ainda aquela composição de conservadorismo substancial e movimentismo de imagem em que consistiu o extraordinário pontificado do homem que veio quase do fim do mundo.
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Francisco: a revolução perdida? Artigo de Marco Marzano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU