28 Junho 2018
“Se os temas da conversa entre Macron e o papa foram a Europa, as migrações, a ecologia, o Oriente cristão, importa sobretudo a relação entre os dois, diferentes em idade e história, mas ambos convencidos de que a globalização não deve ser sofrida passivamente ou impedida com os muros, mas deve ser governada com uma visão.”
A opinião é do historiador italiano Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio e ex-ministro italiano, em artigo publicado em Corriere della Sera, 27-06-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O presidente Macron se comunica de modo sóbrio em comparação com os líderes dos nossos dias: não com entrevistas ou mensagens sociais, mas com discursos ponderados e gestos. A visita ao papa é um desses gestos.
Algumas análises italianas enfatizaram a exclusividade da visita presidencial ao Vaticano, quase em polêmica com a Itália. Em vez disso, trata-se de um costume dos presidentes da França, a Fille ainée de l’Eglise, a filha mais velha entre as “nações católicas”.
Macron vê a visita dentro da sua visão, ilustrada em abril passado aos Bernardins, o “colégio” desejado pelo cardeal Lustiger, em um edifício gótico em Paris, para o encontro entre fé e cultura. Lá, ele disse aos bispos: “É do compromisso do qual vocês são portadores que eu preciso para o nosso país, que eu preciso para a nossa Europa. Porque o nosso principal risco hoje é a atonia...”.
Uma virada na laicidade francesa, da qual o presidente é o maior fiador? Não é isso. Dei-me conta disso na conversa com o presidente, junto com a delegação da Comunidade de Santo Egídio, antes de ele ir ao Vaticano.
Um dos temas principais foi a África, mas se impôs a questão da relação entre política e mundos religiosos. Macron está ciente de que Estado e política não podem fazer tudo e de que há a necessidade de reunir os recursos profundos da sociedade e não de humilhá-los. No fundo, a limitada integração francesa em tantas banlieues também vem da carência de redes comunitárias e de recursos educativos, porque os jovens radicais crescem nas solidões das periferias, assim como via internet.
Para abrir caminho entre os medos, uma política de esperança – como a de Macron quer ser – precisa de recursos morais. O cristianismo oferece – disse o presidente – não só solidariedade, mas também sentido e espiritualidade. Sociedades “atônicas”, esvaziadas de sentido e individualistas multiplicam o medo, e a política o usa para criar consenso.
Por que os europeus têm medo? Macron parece um homem que não teme responsabilidades e decisões, mas, acima de tudo, tem o problema de entender. É a imagem da troca de ideias com Santo Egídio, nessa terça-feira, 26, de manhã, no Palácio Farnese, junto com os ministros do Interior, Collomb, e das Relações Exteriores, Le Drian. Foi uma conversa com um homem culto, preocupado, que interroga e escuta.
Há muito a se entender na África, onde a emigração é sintoma de uma vasta crise. É um tema caro à Santo Egídio que não só abriu os “corredores humanitários”, mas também está enraizada entre os jovens em mais de 20 países africanos.
Como não reiterar ao presidente que a raiz das migrações (apenas uma emergência para os europeus) está na questão juvenil africana? A educação é vital em uma África que investe cada vez menos em escolas e universidades, enquanto os poucos privilegiados estudam em instituições exclusivas.
Os países europeus, com medidas e tempos diversos, reduziram a presença na África. Aqui está o desafio de relançar a Europa nas sociedades africanas. A França, com sua longa história africana, deseja menos ficar sozinha nesses cenários complicados. Diante da complexidade dos problemas, se quiser fazer uma política de fôlego, não se pode ficar sozinho.
É o tema das alianças, que Francisco chamou de “coalizões”: “Não mais apenas militares ou econômicas, mas também culturais, educativas, filosóficas, religiosas”.
Se os temas da conversa entre Macron e o papa foram a Europa, as migrações, a ecologia, o Oriente cristão, importa sobretudo a relação entre os dois, diferentes em idade e história, mas ambos convencidos de que a globalização não deve ser sofrida passivamente ou impedida com os muros, mas deve ser governada com uma visão.
Macron sabe que a Igreja é europeísta e pan-europeia, embora atravessada – especialmente no Oriente – por antipatias em relação à União [Europeia]. Ele tem clareza de que o papa (Prêmio Carlos Magno como ele) apoia a União, da qual estima a função no mundo.
Bergoglio, mesmo sendo argentino, é um grande líder europeu, tanto que Merkel o visitou nada menos do que quatro vezes. O encontro dessa terça-feira no Vaticano foi longo, construtivo e terminou com um abraço.
O presidente, no discurso em Latrão para a tradicional tomada de posse do canonicato, declarou a vontade de “aprofundar as relações de amizade, compreensão e confiança” com a Santa Sé, não só como fruto da história, mas como exigência do presente.
O Vaticano, desconfortável com as políticas do medo e das emoções, não teme o isolamento (não seria a primeira vez na história) nem a diversidade de pontos de vista, mas busca interlocutores para uma política humanista.
É o convite repetido várias vezes por Francisco, preocupado com uma Europa cansada e irritada. O velho papa não renuncia a sonhar a Europa “como um filho que reencontra na mãe Europa – disse ele em Estrasburgo em 2014 – as suas raízes de vida e de fé. Sonho com um novo humanismo europeu”.
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O líder da laicidade invoca espiritualidade. Artigo de Andrea Riccardi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU