27 Junho 2018
O presidente francês escolheu um livro para a troca de presentes. Uma rara edição de 1949 da obra-prima de Georges Bernanos, que Francisco gosta de citar em público.
A reportagem é de Michele Farina, publicada em Corriere della Sera, 26-06-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Capa de couro verde, ano de publicação, 1949: de acordo com a tradição das visitas ao Vaticano, Emmanuel Macron levou ao papa um pequeno presente. E, para a ocasião, escolheu pessoalmente um livro que, evidentemente, traz em seu coração: “Diário de um pároco de aldeia”, de Georges Bernanos, em uma velha edição em italiano publicada 13 anos depois da primeira, em francês, em 1936.
Um livro (de várias maneiras) que deve ser caro para ambos. O papa citou a obra de Bernanos mais de uma vez, também em seu pontificado. Durante o Ângelus da sexta-feira, 8 de dezembro de 2017, Francisco recorreu ao “Diário” para introduzir os fiéis na saudação do Anjo a Maria e para explicar a expressão “cheia de graça”: “Até mesmo os maiores santos eram pecadores, e todas as realidades, até mesmo as mais belas, são afetadas pelo mal: mas a cheia da graça é vazia de pecado”. E então – concluiu Bergoglio citando Bernanos – Maria “é a mais jovem do gênero humano porque o pecado nos torna velhos, inertes, desbotados”.
Em junho de 2016, na segunda meditação proposta por ocasião do Jubileu dos Sacerdotes na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, o papa citou o livro de Georges Bernanos (que deu origem a um célebre filme dirigido por Robert Bresson): “No livro, há duas passagens muito bonitas, que narram os pensamentos íntimos do pároco nos últimos momentos da sua doença repentina”.
Aqui estão elas: “Nas últimas semanas que Deus me conceder continuar apoiando a responsabilidade da paróquia (...) tentarei agir menos preocupado com o futuro, trabalharei somente pelo presente. Esse tipo de trabalho parece feito sob medida para mim (...). E, além disso, não tenho sucesso senão nas pequenas coisas. E, se tenho sido provado frequentemente pela inquietação, devo reconhecer que eu triunfo nas minúsculas alegrias”. Todo padre, explicou Francisco, deveria ser “um pequeno recipiente da misericórdia, ligado às minúsculas alegrias da vida pastoral, lá onde podemos receber e exercitar a misericórdia infinita do Pai em pequenos gestos. Os pequenos gestos dos padres”.
A outra passagem citada por Francisco diz: “Tudo já acabou. Esse tipo de desconfiança que tinha de mim, da minha pessoa, acaba de se dissolver, acredito para sempre. A luta acabou. Eu já não vejo a razão dela. Reconciliei-me comigo mesmo, com esses despojos que eu sou. Odiar-se é mais fácil do que se pensa. A graça consiste em se esquecer. Mas, se todo orgulho morresse em nós, a graça das graças seria apenas amar a si mesmos humildemente, como qualquer um dos membros sofredores de Jesus Cristo”. Eis a imagem do recipiente: “Amar humildemente a si mesmos, como qualquer um dos membros sofredores de Jesus Cristo”. Como “um velho jarro que podemos pedir emprestado dos mais pobres”.
“Os pequenos gestos dos padres” citados pelo papa e os pequenos presentes de um presidente que se vê grande. Macron, que estudou com os jesuítas e agora se considera “agnóstico”, citou Bernanos por ocasião de um momento crucial de sua carreira, em 30 de agosto de 2016, quando justificou a renúncia como ministro da Economia no governo socialista, uma saída de cena estratégica que, em um ano, o faria voltar pela porta principal da presidência da República.
Em uma entrevista à TV francesa, Macron parafraseou uma máxima do escritor católico, dizendo que “a esperança é o risco dos riscos”. A sentença, proferida por Bernanos em 1945, soava assim: “A esperança é um risco que é preciso correr ou, melhor, é o risco dos riscos: a maior e mais difícil vitória que um homem pode obter sobre a própria alma”.
A esperança como risco por excelência quase se tornou uma “frase de biscoito da sorte” de uma espécie de breviário secular, uma expressão reproposta por outros líderes, principalmente franceses (incluindo Marine Le Pen).
Menos popular e mais complexa é a parábola do pároco de aldeia, o jovem padre protagonista do “Diário”, que é enviado como pároco para Ambricourt, um pequeno vilarejo no norte da França, onde ele se encontra diante do ostracismo e da desconfiança militante dos poderosos e dos bem-pensantes.
Como relatam as sinopses que podem ser encontradas na internet, o pároco morreria na casa de um ex-colega de seminário, padre expulso do ministério, tuberculoso, que abandonou o sacerdócio por causa de uma mulher. Pediu a ele a absolvição final dos seus pecados. O amigo aquiesceu, mesmo não escondendo sua perturbação pelo fato de o pároco de Ambricourt vir a morrer justamente na sua casa de pecado. A réplica do sacerdote moribundo fecha o círculo: “O que importa? Tudo é graça”.
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Macron presenteia o papa com o livro ''Diário de um pároco de aldeia'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU