25 Junho 2018
“Cabe a Macron convencer o papa de que é arriscado olhar para episcopados inteiros escorregando para o nacional-populismo, a xenofobia, o antissemitismo, tornando a Igreja vítima e cúmplice de um desastre anunciado. Cabe ao papa explicar que a Igreja é portadora de uma expectativa que não pede privilégios nem aceita tutelas.”
A opinião é do historiador italiano Alberto Melloni, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha.
O artigo foi publicado por La Repubblica, 24-06-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A visita de Emmanuel Macron ao papa, marcada para esta terça-feira, 26, vai além da rotina diplomática vaticana. De fato, seu enquadramento evoca memórias antigas: a renovação teológica do Concílio, a laicidade, a revolução e até os antigos privilégios reais graças aos quais o inquilino do Elysée receberá a insígnia de canônico honorário da Basílica de São João de Latrão (vive la laïcité!).
Nesses temas, Macron não é um neófito.
Assistente na juventude de Paul Ricoeur (aquele do Plaidoyer pour l’utopie ecclésiale, que poderia ser um belo presente para Francisco), o presidente não entrará no escritório papal apenas para apagar as duas bofetadas dadas pela diplomacia pontifícia na França, que, se queriam ser uma reação à lei sobre o casamento gay, foram equivocados e inúteis. A de 2014, quando o papa visitou o Parlamento Europeu de Estrasburgo e não visitou a França. E a de 2015, quando, a Laurent Stefanini, grande e reservado diplomata nomeado por Hollande como embaixador junto à Santa Sé, foi recusado o credenciamento porque se considerou que a vociferada homossexualidade era uma provocação.
Macron pedirá e obterá a visita a Paris, Marselha e Lourdes, e aceitará convergir para a ecologia, a paz ou as grandes nervuras diplomáticas desenhadas pelo cardeal Parolin. Mas sabe que, sobre a conversa, incumbe a crise da utopia europeia, ferida por um veneno empastado de religiosidade perversa, que precisa de decifração hermenêutica (Macron deve decidir se a França votará na infraestrutura europeia das ciências religiosas sobre as quais o Esfri [Fórum Estratégico Europeu para as Infraestruturas de Investigação] decide nesta próxima quarta-feira) e de coragem teológica: o presidente francês faz bem em pedir do papa um compromisso contra o sufocante “catolicismo negro”, que desceu da Polônia e chegou a Roma, usando Bannon como “caixa eletrônico” e os terços como um blasfemo amuleto soberanista.
O europeísmo papal serviu para uma época estável inteira: Pacelli sonhava com uma Europa carolíngia, e Roncalli, com a paz; Montini lia francês; Wojtyla sonhava com a utopia eslavo-latina de Soloviov; Ratzinger, que via na Europa um obstáculo para o “magistério sobre a homossexualidade”, foi uma exceção. E Bergoglio, depois de uma primeira fase, tomou posição, libertando-se do tema das “raízes cristãs” com o discurso do Prêmio Carlo e se tornando protagonista de um europeísmo ecumênico, em que o centenário luterano e a fraternidade com o Patriarca Ecumênico Bartolomeu serviram de premissa para o grande discurso sobre a unidade dos cristãos como “perda” evangélica, proferido na quinta-feira, 21, no Conselho Mundial de Igrejas de Genebra e para a oração dos patriarcas convocados para Bari no dia 7 de julho para registrar a ausência de Moscou.
Cabe a Macron convencer o papa de que é arriscado olhar para episcopados inteiros escorregando para o nacional-populismo, a xenofobia, o antissemitismo, tornando a Igreja vítima e cúmplice de um desastre anunciado. Cabe ao papa – que concede ao presidente o palco vaticano para ignorar Itália eurocética em transmissão mundial (Macron em Roma não terá contato com os homens do governo, exceto com alguns ex-ministros de Monti e de Renzi de “marca” Santo Egídio) – explicar que a Igreja pode ser usada como uma prateleira de produtos éticos onde cada um escolhe o seu, mas também é portadora de uma expectativa que não pede privilégios nem aceita tutelas.
Como Ricoeur dizia sobre si mesmo, um “estilo de mediação incompleta entre mediações rivais”. Eles poderiam se entender.