09 Outubro 2017
Giuliana Ingegneri está preocupada com seu pai, Adriano. Desde dezembro, ele alia o emprego como motorista do Uber a períodos de trabalho na empresa da família. Mas, na sexta-feira 22, um anúncio-bomba da Transportes para Londres, de que a licença da gigante tecnológica não será renovada na capital britânica, causou tremores na casa dos Ingegneri, em Tooting, no sul da cidade.
A reportagem é de Jamie Doward, Rachel Obordo e Sabrina Siddiqui, publicada por The Observer e reproduzida por CartaCapital, 09-10-2017.
“Meu pai ajuda na firma de limpeza de carpetes da família, por isso o horário flexível funciona bem para ele”, disse Giuliana, 16 anos. “Ele também tem diabetes, por isso é importante poder trabalhar quando quiser, para ir às consultas médicas. Às vezes, ele trabalha 20 horas em um dia e ganha cerca de 300 libras, mas em outros consegue ganhar só 8.”
Como muitas famílias de motoristas que hoje enfrentam dificuldades financeiras em consequência da decisão, Giuliana preocupa-se com o futuro. “Nós também dependemos de seu trabalho no Uber para comprar suprimentos para o serviço de limpeza e, se faltar, não sei o que faremos.
Isso vai causar uma enorme pressão na economia e na Transportes para Londres, assim como nas famílias dos demais motoristas. Agora vai ser uma corrida para encontrar emprego para os milhares que ficarão sem trabalho.”
A reação à decisão e contra o prefeito de Londres, Sadiq Khan, que a apoiou, está crescendo. No sábado 23, mais de 500 mil pessoas tinham assinado um pedido para que ela seja anulada. “Eu apoiei Sadiq Khan totalmente desde o início, mas neste caso ele avaliou muito mal o clima e as necessidades dos londrinos”, explicou Rhianne, do sudeste de Londres. “Combinado com o transporte público de Londres, que é caro, inconfiável, sem ar condicionado e cronicamente lotado, isso mais parece um chute na boca para as pessoas normais. Tenho certeza de que é o que sentem 40 mil motoristas do Uber que tentam ganhar a vida em uma das cidades mais caras do mundo.”
O ministro do Comércio, Greg Hands, e vários grupos de pensadores de direita saíram em defesa da polêmica companhia, que é considerada o último “disruptor” – nome dado à nova onda de empresas tecnológicas que ameaçam demolir os setores estabelecidos.
Na cabeça de muito apoiadores do Uber, a decisão da Transportes para Londres (TfL, em inglês), alguns dias antes da participação de Khan na conferência do Partido Trabalhista, revelou uma organização fiel aos interesses trabalhistas estabelecidos.
Fontes disseram ao Observer que a decisão foi comunicada à firma apenas dois minutos antes de ser anunciada e que houve só uma reunião no último ano entre ela e a diretoria da TfL, na qual se insistiu que a renovação da licença não poderia ser discutida.
“A TfL mais uma vez cedeu à pressão dos sindicatos, que não perdem a oportunidade para extorquir os passageiros”, disse Alex Wild, diretor de pesquisas do grupo de pressão de direita Aliança dos Contribuintes. A reação contra a filosofia do laissez-faire da comunidade tecnológica da Costa Oeste dos Estados Unidos está sendo travada nos dois lados do Atlântico.
Nos EUA, os pedidos de regulamentação das companhias tecnológicas transformaram em estranhos companheiros a senadora democrata Elizabeth Warren e o ex-assessor da Casa Branca Steve Bannon, chefe do site de direita Breitbart.
Na semana passada, o ex-estrategista-chefe de Donald Trump reiterou sua opinião de que firmas como Facebook e Google devem ser reguladas como “empresas de serviços públicos”. Enquanto isso, progressistas como Warren advertem sobre o comportamento monopolista de Google, Amazon e Apple, enquanto pressionam por um novo debate sobre leis antitruste.
“O Vale do Silício está passando de herói a vilão”, disse Vivek Wadhwa, um membro distinto e professor-adjunto na Universidade Carnegie Mellon. “Está fermentando há algum tempo, mas uma grande mudança vai acontecer.” A velocidade da mudança surpreendeu. “Em nossos sonhos mais loucos, não pensávamos que a TfL recusaria a licença”, disse Maria Ludkin, diretora jurídica do sindicato GMB. “Pensamos que eles imporiam condições para garantir que o Uber melhoraria a segurança dos passageiros e dos motoristas.”
Para seus críticos, o fracasso da companhia em abordar essas questões é emblemático de uma cultura corporativa impiedosa, inflexível, de cima para baixo, e que nunca parece aprender com seus erros.
Em julho, seu executivo-chefe, Travis Kalanick, renunciou depois de uma série de escândalos e críticas ao seu estilo de gestão. Um mês antes, vários funcionários foram demitidos depois de uma investigação sobre assédio sexual e bullying.
No Reino Unido, houve preocupações de que a companhia teria deixado de relatar à polícia denúncias de agressão por seus motoristas. Nos 12 meses até fevereiro de 2017, houve 48 ofensas sexuais em que o Uber foi citado em denúncias de crimes em viagens de táxi ou percursos contratados em Londres – aumento de 50% em relação ao ano anterior. Mas esses números contam apenas parte da história. Alguns clientes dizem que escolheram o aplicativo porque confiam nele para sua segurança pessoal.
“Muitos passageiros elogiam o Uber porque se sentem seguros e você conhece o motorista que o está conduzindo”, disse Abdul, um motorista de Shepherd’s Bush que teme não conseguir pagar seu empréstimo estudantil ou o aluguel se a TfL não reverter sua decisão.
Ironicamente, enquanto muitos motoristas como Abdul saíram em defesa da empresa, foi o tratamento dado por ela aos profissionais que chamou atenção para a cultura corporativa agressiva e provocou sua derrota na capital inglesa.
Em outubro, depois de um caso aberto pelo sindicato GMB e que tem amplas implicações para todas as companhias da economia terceirizada, um tribunal do Trabalho decidiu que os motoristas do Uber no Reino Unido devem ser classificados como empregados, não como autônomos.
“Tivemos uma epidemia de empresas alegando que seus funcionários são autônomos, quando, na verdade, se você examina seus direitos e responsabilidades e o modo como atuam diariamente, fica muito claro que são empregados em tempo integral ou trabalhadores que têm direito a licença médica etc.”, declarou Ludkin. “Nós abrimos o caso do Uber porque muitos motoristas nos procuraram. Examinamos seus contratos e deduzimos que era uma ideia ridícula que 30 mil deles fossem autônomos, como pretendia a firma.”
O Uber respondeu com uma ferocidade que, provavelmente, empregará agora nos tribunais para combater a decisão da TfL, em uma apelação que deverá ser ouvida nesta semana. Durante o julgamento, surgiram novos exemplos da cultura corporativa agressiva da companhia.
“A última coisa que eles querem é que seus motoristas vão para casa na hora do rush”, disse Ludkin. “Por isso, eles introduziram incentivos em seus aplicativos – exatamente quando os motoristas iam parar, eles ofereciam corridas que sabiam que esses motoristas queriam, como ao aeroporto. Ao mesmo tempo, ouvimos rumores da Polícia Metropolitana sobre o aumento maciço de acidentes envolvendo motoristas do aplicativo, e muitos deles estavam dirigindo por horas em demasia.”
Ludkin acredita que a intenção do Uber era inundar o mercado para tirar os táxis do negócio, afirmação rejeitada pela firma. “Trata-se de uma empresa genial em termos de tecnologia, sem dúvida”, disse Ludkin. “Mas, quando você recua e pensa no modelo principal, não é uma companhia que está ganhando dinheiro, mas um negócio que tem muito dinheiro investido nele, como a Amazon. Durante anos ela não ganhou dinheiro, mas acabou dominando o mercado. Destruiu toda a concorrência e então faturou montes de dinheiro, exatamente a tática que o aplicativo de transporte individual adota.”
A preocupação da polícia com o Uber foi o que realmente teria influenciado a decisão da TfL. Ao citar o fracasso da empresa em “demonstrar responsabilidade corporativa em relação a várias questões que têm potenciais implicações de segurança pessoal e pública”, a TfL manifestou também reservas sobre o uso do software chamado Greyball, que ela afirmou ser empregado para impedir que os reguladores tenham acesso ao aplicativo da companhia, algo que evita que as autoridades pratiquem devidamente sua obrigação legal.
A crença da empresa de que poderia evitar a ameaça dos reguladores surgiu em parte da confiança em sua formidável rede de contatos políticos. O jornal Daily Mail informou que o governo do ex-primeiro-ministro britânico David Cameron fez lobby junto a Boris Johnson, então prefeito de Londres, para proteger a companhia de uma regulamentação onerosa.
Em meio a temores sobre o relacionamento entre Downing Street e o Uber, Rachel Whetstone, diretora de políticas e comunicações da companhia e amiga de Cameron, demitiu-se. Agora o Uber tem 19 dias para apelar da decisão da TfL e a história sugere que ele encontrará um caminho de volta.
A empresa encerrou as operações em Austin, no Texas, no ano passado, depois de perder um referendo que exigia a verificação da ficha policial de seus motoristas, mas retornou. No início deste ano, foi proibida na Itália depois que um tribunal acatou uma queixa de sindicatos de taxistas. A proibição foi depois anulada.
Fontes dos transportes afirmam que a TfL foi surpreendida pelo tamanho da reação à sua decisão e está fazendo acenos conciliatórios, sugerindo que se chegará a um compromisso. Enquanto isso, o Uber faz mea-culpa.
Em um e-mail global para funcionários na sexta-feira à noite, o novo executivo-chefe da companhia, Dara Khosrowshahi, disse: “A verdade é que há um alto preço a pagar pela má reputação”, e pediu um período de “autorreflexão”. Kalanick não teria sido tão penitente. Talvez o Uber esteja amadurecendo. Ou somente cansado de “disrupções” por algum tempo.
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