04 Outubro 2017
Em setembro, a NCR e a GSR relataram três contos censurados de pensadores católicos - o Jesuíta Pe. James Martin; o professor de teologia do Boston College, M. Shawn Copeland; e Rebecca Bratten Weiss, co-fundadora do New Pro-Life Movement. A profunda ironia dessas histórias começa com o fato de que não é mais preciso um decreto do Santo Ofício ou uma palavra de desaprovação do bispo local para silenciar o pensamento e pronunciar alguma persona non grata.
O editorial é publicado por National Catholic Reporter, 29-09-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
A mecânica tornou-se digital para afastar alguém como Martin, cujas sugestões bastante suaves de seu último livro, Building a Bridge, que defende uma abordagem mais amável à comunidade LGBT por parte da Igreja, agitaram o ninho de vespas homofóbico. Bratten Weiss foi considerado insuficientemente pró-vida por sugerir que sua agenda pode e deve incluir questões de direitos das mulheres, assistência à saúde e violência. Segundo a Madonna University, a decisão de Copeland de não falar foi mútua, por medo de que a situação fique "mais feia".
Já não demora mais como antes para que pequenas minorias tirem dos trilhos a carreira de qualquer difamador que faça perguntas inconvenientes. Uma vez, esses grupos pelo menos tinham que fazer o esforço de enviar cartas de verdade para os escritórios distantes de Roma. Pelo menos tinham que influenciar os funcionários que elaboravam por engano uma dúzia de mensagens querendo dizer que a população católica de um país inteiro estava armada.
De volta ao meio e ao final do século XX, levou um tempo para que as rodas da censura começassem a girar - e pelo menos parecia um processo. Agora, só são necessárias gangues de cibercafés com laptops, listas de e-mail e feeds do Twitter, atuando no anonimato do éter, para executar campanhas de ódio em nanosegundos.
Não se engane, no entanto, pois os antecedentes foram bem definidos na penosa burocracia da época anterior. As questões e a linguagem atuais, a certeza untuosa e absoluta do que o Papa Francisco chama de "médicos da lei" e "rigoristas", foram semeadas nas décadas anteriores. Durante anos, observamos (e documentamos) como a Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano, em conjunto com os bispos locais, silenciou e expôs publicamente os teólogos e outros que se tornaram alvos de minorias vocais das margens da comunidade.
A oficialidade hoje é irrelevante para tais campanhas. Na verdade, Martin, autor prolífico e editor da revista America, até tem protetores episcopais que se posicionaram com ousadia em seu caso. Será que as mulheres leigas podem esperar o mesmo alcance e proteção? E os católicos LGBT, tema dessas discussões, esperam as mesmas proteções? Os que defendem mais papéis de liderança para as mulheres na Igreja esperam a mesma consideração?
Esperamos ansiosamente pelo dia em que a resposta a estas perguntas será, inequivocadamente, sim. Ainda assim, não se pode negar que o papado de Francisco proporcionou aos bispos que assim quiseram o espaço para enfrentar a homofobia e outras distorções dentro da instituição com um tipo de força e linguagem que teria sido impensável há alguns anos atrás.
Mas isso importa pouco para os ciberbullies, que praticam assédio virtual. A língua instruída dos documentos do Vaticano foi transformada em ácido puro e odioso. Os processos canônicos foram transformados em flash mobs digitais.
Os ciberbullies são fortalecidos pela linguagem dos pronunciamentos da Igreja, ainda em livros, que consideram a homossexualidade "intrinsecamente desordenada". Eles vêm armados com listas aprovadas pelo episcopado de "inegociáveis" políticos que, para alguns, tornaram-se artigos religiosos virtuais. Assim, equipados e com a tecnologia em mãos, esses grupos cresceram além do controle de qualquer uma das estruturas da instituição que alegam estar protegendo. A pátina da cortesia se foi. Esses grupos atuam pela pura destruição da personalidade e da carreira.
A inerente ironia torna-se ainda maior quanto mais se aprofunda na circunstância atual.
Ainda há o arcebispo de Filadélfia Charles Chaput, que evidentemente não escapa de seguir a multidão, mesmo percebendo insistentemente mudanças culturais importantes de proporções infinitamente históricas, dentro e fora da Igreja, que invariavelmente remetem a um destino fatal à cristandade.
No caso de Martin, no entanto, ele de repente aposta tudo na civilidade, na vida da Igreja. Ele denuncia os odiosos ataques ad hominem a Martin, a quem Chaput expressa admiração, mas sobre quem também traria o "julgamento, moderado pela misericórdia, mas fiel à Escritura e ensino constante da Igreja" como "uma obrigação do discipulado católico".
A maneira como todos esses qualificadores de julgamento são exercidos é determinada, lógico, por quem julga.
Somos encorajados a observar o arcebispo assumir uma postura de tolerância aqui, mas também é essencial que a Igreja perceba que foi ele, enquanto bispo de Denver, que humilhou publicamente um casal de lésbicas apoiando um pastor que se recusou a permitir que os filhos do casal entrassem na escola católica. Os pecados percebidos nos pais foram dramaticamente revisitados nas crianças. O ensino constante da Igreja era inalterável e vinculativo em todos os aspectos, disse Chaput. A lei da Igreja é inflexível. Sem mais discussão.
Dois meses depois, ocorreu uma situação idêntica na Arquidiocese de Boston. O cardeal Sean O'Malley, um dos capuchinhos de Chaput, adotou outra estratégia: os interesses da criança são prioridade. Nenhuma escola deve excluir nenhuma criança por causa do comportamento dos pais. O ensino da Igreja pode romper de várias maneiras; as leis podem levar a diferentes interpretações.
Chaput também apoiou a demissão de uma professora muito querida e supostamente eficaz de uma escola católica na Filadélfia, porque era casada com uma pessoa do mesmo sexo. Era apenas "senso comum", disse ele. Regras são regras; o ensino da Igreja é o ensino da Igreja. A mensagem não só para a comunidade católica, mas também para a cultura mais ampla era clara: é fácil tirar certas pessoas da comunidade, sem necessidade de maiores discussões ou escrúpulos.
Na primavera de 2009, Chaput juntou-se a um coro de bispos - mais de 50 - condenando a Universidade de Notre Dame por permitir que o então novo presidente Barack Obama fosse o orador de abertura. Chaput disse que os católicos "têm o dever de evitar prostituir nossa identidade católica por meio de apelos ao diálogo falso que mascaram uma abdicação de nosso testemunho moral".
Em um e-mail ao LifeSiteNews, a mesma organização na liderança da pressão contra Martin e Bratten Weiss, Chaput encorajou os católicos a expressarem suas "decepções para o presidente [de Notre Dame], o padre [John] Jenkins", embora tenha acrescentado "respeitosa e firmemente".
Também foi ele quem representou o Vaticano na Austrália em 2011 em uma missão para estabelecer um processo contra Dom William Morris, que havia presidido a diocese de Toowoomba por 18 anos. O crime de Morris? Ele se perguntou em uma carta pastoral, baseada na experiência de sua diocese, que precisava desesperadamente de sacerdotes, por que a Igreja não considerava outras abordagens pastorais, como a ordenação de mulheres e o retorno de sacerdotes casados ao ministério.
Morris foi rapidamente demitido; e nunca viu o relatório que Chaput entregou a Roma.
Chaput, em seu ensaio sobre o caso Martin, rebate a ideia de que as novas milícias cibernéticas se desenvolveram ao abrigo de uma geração de bispos nos papados de João Paulo II e Bento XVI, que remodelaram "o episcopado dos EUA à imagem do 'guerreiro da cultura'", nas palavras do teólogo e historiador da Igreja Massimo Faggioli.
A Chaput pode não gostar da descrição, mas a verdade é que os métodos e a linguagem para classificar e atacar aqueles considerados menos do que ortodoxos estão sendo elaborados há muito tempo e foram especialmente aprimorados durante o papado de João Paulo II. A arrogância clerical daquela época, se o grupo desonesto que agora acusa o papa Francisco de heresia indica alguma coisa, não tem limites.
A demissão de Morris, que aconteceu durante o papado de Bento XVI, inspirou-se em um pequeno grupo de católicos descontentes e lembrou a censura anterior do bispo Raymond Hunthausen, de Seattle, em 1986, e a remoção do bispo francês Jacques Gaillot, de Evreux, em 1995. Eles eram alvos de grupos de católicos ultraconservadores que não aprovavam o trabalho ativo dos bispos pela paz ou a extensão, como ambos faziam, do tratamento simpático aos católicos gays e lésbicas.
A ironia continua: o artigo de Chaput apareceu on-line em First Things, uma revista da extrema direita que aplaudiu o rígido legalismo dos papados de João Paulo II e Bento XVI. Seus redatores imitaram o trabalho de escritores como Jason Berry e o falecido Gerald Renner, que continuaram desenterrando verdades difíceis sobre um dos exemplos favoritos de João Paulo do sacerdócio heroico, o falecido Marcial Maciel Degollado, fundador dos Legionários de Cristo.
Deixando as objeções de Chaput de lado, essa era e alguns de seus bispos ofereceram um seminário sobre intolerância para os atuais extremistas da internet.
Podemos começar a tratar nossos desentendimentos com civilidade quando esses expurgos terminam, quando os leais investigadores têm honra e comprometimento, e não são caluniados. Faria bem aos que sofrem assédio virtual hoje lembrar o que a Irmã de Loretto Jeannine Gramick e o falecido Padre Salvatoriano Robert Nugent, fundadores do New Ways Ministry para católicos LGBT, enfrentaram durante o reinado de João Paulo. Suportaram enormes e exageradas investigações das autoridades da Igreja. Em certo sentido, eles escreveram o prefácio do livro de Martin.
Aqueles que precisam de conselhos sobre como lidar com alguns convites rejeitados ou ataques da direita podem consultar a Irmã Beneditina Joan Chittister, o padre franciscano Richard Rohr ou a teóloga leiga e escritora espiritual Edwina Gateley. Eles passaram por isso durante décadas, mas continuam ativos, continuando a envolver os crentes em grandes questões que realmente importam.
Quem reconhece o poder da liberdade de fazer perguntas deve recordar que o Pe. Thomas Reese, irmão jesuíta de Martin, que o contratou na revista America, foi demitido do cargo de editor da revista pelo então cardeal Joseph Ratzinger por ter encorajado a discussão aberta sobre problemas espinhosos. Reese continua escrevendo e questionando.
Hoje, os católicos adultos informados entendem que a comunidade debateu grandes questões - muitas vezes com grande paixão - desde o início. As perguntas nunca acabarão, nem os debates. A destruição de personalidades e carreiras pode acabar. Estamos começando a ver progresso nesse sentido, com os líderes da Igreja que têm coragem para defender publicamente os que estão sendo atacados.
Os líderes de nossas instituições, por sua vez, devem fazer a sua parte para diminuir a ação dos cyberbullies. Eles não vão desistir.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Cyberbullies na Igreja. 'Parem de censurar, discutam civilizadamente", apela editorial de revista americana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU