13 Janeiro 2017
A reforma da Cúria vaticana que o Papa Francisco está implementando é realizada em parte sob a luz do sol e em parte na sombra. Entre os procedimentos tomados recentemente na sombra, há dois emblemáticos.
A nota é de Sandro Magister, publicada no seu blog Settimo Cielo, 11-01-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Sobre o primeiro, quem levantou o véu foi o vaticanista Marco Tosatti, no dia 26 de dezembro, quando deu a notícia da ordem dada pelo papa a um chefe de dicastério de demitir imediatamente três dos seus oficiais, ordem dada sem explicações e sem aceitar objeções.
Hoje, sabe-se que o dicastério em questão não é de segunda categoria, é a Congregação para a Doutrina da Fé. E os três demitidos gozavam da plena apreciação do seu prefeito, o cardeal Gerhard L. Müller, por sua vez objeto de repetidos atos de humilhação, em público, por parte do papa.
Mas quem é, dos três depostos, o oficial que Francisco em pessoa – como relatado por Tosatti – repreendeu duramente por telefone por ter expressado críticas contra ele, que chegaram aos ouvidos do papa por obra de um delator?
É o sacerdote Christophe J. Kruijen, 46 anos, holandês, em serviço na Congregação para a Doutrina da Fé desde 2009, teólogo de reconhecido valor, premiado em 2010 pela Embaixada de França junto à Santa Sé com o prestigiado Prix Henri De Lubac, conferido a ele por unanimidade por um júri que incluía os cardeais Georges Cottier, Albert Vanhoye e Paul Poupard, pela sua tese teológica intitulada “Salvação universal ou duplo êxito do juízo: esperar por todos? Contribuição ao estudo crítico de uma opinião teológica contemporânea relativa à realização da condenação”, defendida na Pontifícia Universidade São Tomás de Aquino, sob a orientação do teólogo dominicano Charles Morerod, depois reitor da mesma universidade e hoje bispo de Lausanne, Genebra e Friburgo.
Os “novíssimos”, isto é, a morte, o juízo, o inferno, o paraíso, são o assunto preferido dos estudos de Kruijen. Mas dele também se aprecia um excelente ensaio sobre a filósofa judia e, depois, monja carmelita Edith Stein, morta em Auschwitz em 1942 e proclamada santa em 1998: “Bénie par la Croix. L'expiation dans l'oeuvre et la vie d'Edith Stein”.
Nos escritos e nos discursos públicos do Mons. Kruijen não há uma única palavra de crítica a Francisco. Mas bastou uma delação arrancada de uma conversa privada dele para fazê-lo cair em desgraça com o papa, que fez o machado cair.
Também disso é feita a reforma da Cúria, sob as ordens e com o estilo de Jorge Mario Bergoglio.
O segundo procedimento implementado na sombra diz respeito à Congregação para o Culto Divino, da qual é prefeito o cardeal Robert Sarah, ele também objeto de repetidas humilhações públicas por parte do papa e já condenado a presidir os escritórios e os homens que remam contra ele.
Dirigida pelo secretário da congregação, o arcebispo inglês Arthur Roche, foi instituída, por vontade de Francisco, dentro do dicastério, uma comissão cujo objetivo não é a correção das degenerações da reforma litúrgica pós-conciliar – ou seja, aquela “reforma da reforma” que é o sonho do cardeal Sarah –, mas precisamente o contrário: a demolição de um dos muros de resistência aos excessos dos liturgistas pós-conciliares, a instrução Liturgiam authenticam, emitida em 2001, que fixa os critérios para a tradução dos textos litúrgicos do latim às línguas modernas.
Com Bento XVI, esses critérios foram ainda mais reforçados, em particular pela vontade daquele papa de manter firme o “pro multis” do Evangelho e do missal latino nas palavras da consagração do sangue de Cristo, contra o “por todos” de muitas traduções correntes.
Mas Francisco deixou logo claro que isso o deixava indiferente. E agora, com a instituição dessa comissão, ele vai ao encontro das ideias de modernização da linguagem litúrgica, defendidas, por exemplo, pelo liturgista Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Sant’Anselmo e muito apreciado na Casa Santa Marta:
Há quem tema que, depois da demolição da Liturgiam authenticam, o próximo objetivo dessa ou de outra comissão seja a correção do Summorum pontificum, o documento com que Bento XVI liberou a celebração da missa no rito antigo.
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Uma demissão, uma demolição: eis a nova Cúria Romana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU