04 Novembro 2016
"A conscientização das relações entre religião e política e o impacto da politização da religião sobre o ecumenismo é um dado novo em relação às primeiras fases do ecumenismo. Católicos e luteranos encontram-se juntos diante dos desafios de hoje, não uns contra os outros."
Entrevistamos o professor Massimo Faggioli, historiador do cristianismo na Villanova University (EUA).
A reportagem é de Pierluigi Mele, publicada no blog Confini, do site da Rainews, 01-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Professor Faggioli, concluiu-se a breve, intensa e histórica visita do Papa Francisco a Lund, na Suécia, para celebrar os 500 anos da Reforma Luterana. Façamos uma pequena e provisória avaliação. A história é quem nos dará um julgamento mais amplo sobre as consequências. O que é certo é que a visita vai dar um impulso ainda maior ao caminho comum entre católicos e luteranos. Para você, que avaliação pode ser feita?
Uma avaliação positiva, porque é um caminho que continua: desde o Concílio Vaticano II à Declaração sobre a Justificação de 1999. A declaração assinada na Suécia recebe a de 2003, "Do conflito à comunhão", e a insere em um quadro muito alterado em relação aos tempos do nascimento do ecumenismo: perseguições dos cristãos, desafios ambientais, violência expressada com linguagem religiosa – são fenômenos novos em relação ao Concílio. Até mesmo a conscientização das relações entre religião e política e o impacto da politização da religião sobre o ecumenismo é um dado novo em relação às primeiras fases do ecumenismo. Católicos e luteranos encontram-se juntos diante dos desafios de hoje, não uns contra os outros.
Passemos ao dado teológico de fundo da visita: no seu discurso, em Lund, o papa afirmou que é preciso estar "gratos pelos dons recebidos através da Reforma". Uma frase que provocará discussão na área tradicionalista do catolicismo e entre alguns expoentes da hierarquia... Sabemos que o cardeal Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, tinha dito que "para a Igreja Católica não há nada a se festejar". Em suma, essa mentalidade é difícil de se superar?
Essa mentalidade é difícil de se superar, mas esse é um fato marginal e novo, no sentido de que os teólogos há muitos anos têm reconhecido a catolicidade do pensamento de Lutero. A reforma de Lutero nasce como reforma católica, e não luterana ou protestante. E é uma reforma que trouxe frutos que todas as tradições cristãs receberam, incluindo a católica romana. As reações céticas contra o ecumenismo de Francisco fazem parte do cenário neotradicionalista em voga em certos círculos católicos há alguns anos. Mas é um fenômeno marginal, totalmente europeu e norte-atlântico.
Na declaração de intenções final, assinada pelo papa e pelo bispo luterano Younan, sobre o compromisso comum em favor dos pobres e dos imigrantes (refugiados), há um passo sobre a dor de ainda não poder compartilhar a mesa eucarística juntos. Para um profano, isso é desconcertante. Quais são os obstáculos?
Os obstáculos se devem a compreensões que ainda são diferentes sobre a comunhão eucarística. O fato importante é que foram dados alguns passos em relação ao passado até mesmo recente, e que a prática de hospitalidade eucarística não é mais um tabu absoluto. Há casos (como os casais de confissões diferentes) e comunidades ecumênicas em que a intercomunhão é um fato e uma tradição que enriquece a consciência que a Igreja toda tem da comunhão. Mas é cedo para declarar uma intercomunhão generalizada entre as duas Igrejas.
Quais serão, na sua opinião, as consequências para o conjunto do mundo protestante?
É difícil dizer: se a Igreja Católica é muito diferente no seu interior, não menos diferentes no seu interior são as Igrejas protestantes, em que a globalização trouxe desafios importantes a uma tradição teológica e cultural europeia. todo o mundo cristão está em vias de redefinição, e o ecumenismo também.
O Papa Bergoglio interpreta o "primado de Pedro" de modo dinâmico e está muito atento à dimensão do diálogo e da comunhão. Você acha que chegaremos a uma reforma do papado?
A reforma do papado é uma reforma que já está em curso. Ela começou com o Concílio em diante e continua com Francisco em vários aspectos, com a diferença de que Francisco interpreta o papado a partir de uma tradição católica não europeia. O simples fato de que uma boa parte dos anúncios e das notícias sobre posicionamentos de Francisco vêm do próprio papa que responde aos jornalistas no voo papal é uma mudança enorme em relação ao papado de apenas alguns anos atrás.
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"Católicos e luteranos encontram-se juntos diante dos desafios de hoje." Entrevista com Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU