Os três ecumenismos do Papa Francisco. Artigo de Massimo Faggioli

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

03 Novembro 2016

"O ecumenismo do Papa Francisco é um dos aspectos mais complexos do pontificado, que custa a chamar a atenção como os pronunciamentos do papa sobre outras questões mais clássicas para a definição dos alinhamentos internos ao catolicismo e para as relações entre Igreja e mundo moderno."

A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University, nos EUA, em artigo publicado no sítio L'Huffington Post, 01-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

A viagem do Papa Francisco à Suécia marca uma etapa importante no caminho ecumênico da Igreja, iniciado no Vaticano II pouco mais de 50 anos atrás.

Francisco é um filho do Vaticano II, também e sobretudo pela sua visão ecumênica. A Declaração Conjunta assinada pelo papa e pelo bispo Munib Younan, presidente da Federação Luterana Mundial, cai no 17º aniversário da , assinada em Augsburg, Declaração Conjunta sobre a Justificação, na Alemanha, no dia 31 de outubro de 1999. Apenas 17 anos atrás, mas um mundo em parte diferente de hoje: no mundo pós-11 de setembro de 2001, o cristianismo é tentado a se tornar a coluna da civilização ocidental. Mas também era uma Igreja Católica em parte diferente da de hoje, em que a questão ecumênica também se tornou uma questão interna e não apenas de relações com as outras Igrejas.

Nesse sentido, a viagem de Francisco à Lund que viu nascer a Federação Luterana Mundial em 1947, vê três ecumenismos diferentes.

O primeiro ecumenismo é o das relações bilaterais, das comissões dos teólogos e dos prelados que discutem documentos que, depois, as Igrejas deverão aprovar ou rejeitar, ou aprovar e colocar em uma gaveta. Francisco vê um papel nesse ecumenismo das comissões e dos documentos, mas sem se deixar frear por esse tipo de relação que é típico do ecumenismo do período depois do Vaticano II e que trouxe frutos importantes, especialmente no que diz respeito às relações com os luteranos, os anglicanos e os ortodoxos.

Depois, há um segundo tipo de ecumenismo, do qual Francisco falou muitas vezes: "o ecumenismo do sangue", a fraternidade dos cristãos de todas as Igrejas e tradições teológicas diante das perseguições no Oriente Médio, África e Ásia. O martírio como fonte teológica está redefinindo o ecumenismo mais do que os sistemas teológicos e eclesiásticos no Ocidente se dão conta. A questão dos refugiados que fogem das perseguições é uma questão humanitária e política, mas também inter-religiosa e ecumênica. Das discussões sobre a "hospitalidade eucarística" (dar a comunhão a cristãos que são membros de outra Igreja, não católico-romana) passou-se ao problema da hospitalidade tout court daqueles que (incluindo muitos cristãos, católicos ou não) fogem da morte e da destruição: não é uma questão teologicamente menos relevante do que a da comunhão eucarística.

Por fim, há o terceiro tipo de ecumenismo, aquele sobre o qual se hesita em falar na Igreja Católica, porque é o mais difícil e delicado: o ecumenismo intracatólico entre católicos de devoções e fidelidades diversas, que o Papa Francisco insistentemente chamou ao diálogo e à rejeição do sectarismo. Francisco apelou várias vezes aos diversos movimentos católicos para coexistirem nas Igrejas locais, sem tentações de ocupar espaços ou de reivindicar direitos de primogenitura.

Para a Igreja Católica, em um país como a Suécia, onde os católicos são uma pequena minoria, e muitos dos católicos são neocatólicos, convertidos quando adultos, moldados por um catolicismo militante, o pontificado do Papa Francisco é mais problemático do que em outras Igrejas ainda dominadas por aquilo que a sociologia religiosa chama de "cradle Catholics", católicos desde o berço, à vontade (às vezes demais) como católicos no pluralismo das sociedades ocidentais. Outra parte da Igreja sueca é feita de católicos suecos de língua árabe que são "cradle Catholics", relutantes em abraçar um catolicismo identitário ocidentalista.

Esse composto de catolicismos diversos dentro de uma mesma Igreja já é típico do catolicismo mundial: daí a urgência de redescobrir um ecumenismo intracatólico em uma época de tentações identitárias usadas também para marcar diferenças entre catolicismos diversos. Não é apenas uma piada que, para muitos católicos, é mais fácil entrar de acordo com os protestantes ou com os ortodoxos do que com outros católicos.

Francisco teceu esses três ecumenismos durante o seu pontificado. Não é por acaso que as iniciativas ecumênicas do pontificado sejam particularmente desagradáveis para os antipatizantes do Papa Bergoglio, que gostariam de rejeitar todos os três ecumenismos mencionados: o ecumenismo pós-conciliar (de acordo com eles, no Vaticano II, não teria acontecido nada de relevante ou de vinculante), o ecumenismo do sangue (que, segundo eles, não deve mudar em nada a postura de superioridade do catolicismo sobre as outras Igrejas e não deve levar a uma interpretação menos identitária do catolicismo) e o ecumenismo intracatólico (sendo a sua militância uma razão de ser que diz pouco sobre o que é o cristianismo).

O ecumenismo do Papa Francisco é um dos aspectos mais complexos do pontificado, que custa a chamar a atenção como os pronunciamentos do papa sobre outras questões mais clássicas para a definição dos alinhamentos internos ao catolicismo e para as relações entre Igreja e mundo moderno. Bastou a pergunta mal feita de um jornalista para levar o papa repetir o que já ele já disse sobre a ordenação feminina, e para fazer com que o news cycle católico global esquecesse a importância dos gestos e das palavras de Lund e Malmö – gestos e palavras sobre os quais a coletiva de imprensa no voo papal ficou em silêncio. Por sorte, a memória da Igreja tem tempos mais longos.

Leia mais