25 Outubro 2016
É publicado o livro Não ter medo de perdoar. Uma longa conversa com o “confessor do Papa”.
Não tínhamos um rosto atrás do qual ir, nem sequer um nome. Sabíamos apenas o lugar. Na tarde do domingo, 01 de maio de 2015, poucas horas após aterrissar em Buenos Aires, com todo o cansaço da longa viagem nas costas e a desorientação própria da mudança de fuso horário, cruzamos pela primeira vez a Porta Santa da igreja de Nossa Senhora da Pompeia. Estávamos impressionados com a frequência com que o Papa Francisco havia se referido em diferentes ocasiões, meditações e homilias a um determinado presbítero. Um confessor. Ele o havia assinalado como modelo, citando uma resposta que lhe deu em uma certa oportunidade.
A reportagem é de Alver Metalli e publicada por Tierras de América, 23-10-2016. A tradução é de André Langer.
A primeira vez que o Papa falou dele foi em 06 de março de 2014, em um encontro com os párocos de Roma. “Quem vive isto dentro de si, em seu coração – disse Francisco falando da misericórdia no confessionário –, pode também concedê-lo aos demais no ministério. E deixo-lhes uma pergunta: como me confesso? Deixo-me abraçar? Vem-me à mente um grande sacerdote de Buenos Aires; ele é mais novo do que eu, deve ter 72... Certa vez veio me ver. É um grande confessor: sempre há fila com ele... Os sacerdotes, a maioria, vai se confessar com ele... É um grande confessor. E uma vez veio me ver. ‘Olhe, padre...’. ‘O que acontece’. ‘Tenho um pouco de escrúpulos, porque sei que perdoo muito’. ‘Reza... se perdoas demais...’. E falamos da misericórdia. Em um determinado momento me disse: ‘Quando eu sinto que este escrúpulo é muito forte, vou à capela, diante do sacrário, e lhe digo: Desculpa-me, a culpa é toda tua, porque me deste o exemplo. E me vou tranquilo...’. É uma bela oração de misericórdia. Quem vive isto em si mesmo na confissão, em seu coração, pode também concedê-lo aos outros. O sacerdote é chamado a aprender isto, a ter um coração que se comove”.
Não tínhamos nenhum indício de quem era esse sacerdote. Apenas uma referência à sua idade, um pouco mais jovem que o Papa. Algumas semanas depois, em 11 de março de 2014, Francisco voltou a falar dele na homilia da missa de ordenações sacerdotais. “Pelo amor de Jesus Cristo, não se cansem nunca de ser misericordiosos. Por favor, tenham essa capacidade de perdoar que o Senhor teve, que não veio para condenar, mas para perdoar! Tenham misericórdia, muita misericórdia! E se lhes vierem os escrúpulos de ser muito ‘perdoadores’ pensem no santo padre de que lhes falei, que ia diante do Santíssimo e dizia: “Senhor, perdoa-me se perdoei demais, mas és tu que me deste o mau exemplo de perdoar tanto’. É assim... Mas, eu lhes digo, verdadeiramente, que sinto muitíssima dor quando encontro pessoas que não vão se confessar porque foram maltratadas, muito maltratadas, muito maltratadas, reprimidas; viram como as portas da Igreja se fechavam na sua cara! Por favor, não façam isso! Misericórdia, misericórdia. O bom pastor entra pela porta e a porta da misericórdia são as chagas do Senhor: se vocês não entrarem em seu ministério pelas chagas do Senhor, vocês não serão bons pastores”.
Uma nova alusão encontra-se no livro-entrevista O nome de Deus é misericórdia, publicado em janeiro de 2016. “Lembro-me de outro grande confessor, mais novo do que eu, um padre capuchinho, que exercia o seu ministério em Buenos Aires. Uma vez me procurou para conversar. Ele me disse: ‘Queria te pedir ajuda; tenho sempre tantas pessoas na fila do confessionário, pessoas de todos os tipos, humildes e menos humildes, mas também muitos padres... Eu perdoo muito e às vezes sinto o escrúpulo de ter perdoado demais’. Conversamos sobre a misericórdia, e eu lhe perguntei o que fazia quando sentia aquele escrúpulo. Ele me respondeu assim: ‘Vou até a nossa capelinha, diante do Sacrário, e digo a Jesus: ‘Senhor, perdoa-me, porque perdoei demais. Mas foi o Senhor que me deu o mau exemplo’.’ Isto eu jamais esquecerei. Quando um sacerdote vive assim a misericórdia a si mesmo, pode concedê-la aos outros” (p. 42).
O relato do livro-entrevista dedicado ao tema do Jubileu Extraordinário acrescentava outro detalhe: o sacerdote confessor é um frei capuchinho.
Um mês depois que saiu o livro, no dia 09 de fevereiro de 2016, o Papa citou mais uma vez o episódio, desta vez falando aos sacerdotes capuchinhos durante uma missa em São Pedro e na presença das urnas com os corpos de dois grandes santos pertencentes a essa família religiosa, ambos grandes confessores: São Pio de Pietralcina e São Leopoldo Mandic. “Mas, vocês capuchinhos têm este dom especial do Senhor: perdoar. E peço-lhes, não se cansem de perdoar. Lembro-me de um que conheci na minha outra diocese, um homem de governo que, acabado o seu tempo de governo, como guardião e provincial, aos 70 anos, foi enviado a um santuário para confessar e tinha uma fila de pessoas. De tudo: padres, fiéis, ricos, pobres, todos... era um grande perdoador. Sempre encontrava o modo para perdoar ou ao menos para deixar essa alma em paz com um abraço. E uma vez o encontrei e ele me disse: ‘Escuta-me, tu que és bispo, tu podes me dizer. Eu creio que peco porque perdoo muito e me vem este escrúpulo...’ – ‘E por quê?’ – ‘Não sei, mas sempre encontro como perdoar...’ – ‘E o que fazes quando te sentes assim?’ – ‘Eu vou à capela diante do sacrário e digo ao Senhor: perdoa-me, Senhor, creio que hoje perdoei muito. Mas, Senhor, foi você que me deu o mau exemplo’’. Sejam homens de perdão, de reconciliação, de paz”.
Uma vez mais, o Papa havia acrescentado outro elemento útil para a identificação do capuchinho: confessava em um santuário.
Francisco falou depois dele outras vezes, por exemplo, na terceira meditação para o Jubileu dos Sacerdotes, na Basílica de São Paulo Extramuros, no dia 02 de junho de 2016: “O que vou dizer agora eu já disse muitas vezes, talvez alguns de vocês já me ouviram falar. Conheci em Buenos Aires um frei capuchinho – ele ainda está vivo – um pouco mais novo do que eu, que é um grande confessor. Sempre tem diante do confessionário uma fila, muitas pessoas – de tudo: pessoas simples, pessoas acomodadas, padres, religiosas, uma fila –, mais e mais pessoas, todo o dia confessava. E é um grande perdoador. Sempre encontra a forma de perdoar e dar um passo em frente. É um dom do Espírito. Mas, às vezes, fica com escrúpulos de ter perdoado muito. E então, uma vez, conversando, me disse: ‘Às vezes eu tenho escrúpulos’. E eu perguntei: ‘E o que você faz quando tem esses escrúpulos?’ ‘Fico diante do sacrário, olho para o Senhor e lhe digo: ‘Senhor, perdoa-me, hoje perdoei muito. Mas, que fique claro, eh?, que a culpa é sua, porque você me deu o mau exemplo’. Ele melhorava a misericórdia com mais misericórdia”.
Enfim, quando fala da confissão e de acolher os penitentes, quando pensa na misericórdia no confessionário, o Papa Bergoglio não pode deixar de pensar nesse frei capuchinho que sempre considerou mais novo que a si mesmo.
Nessa tarde de domingo, 1º de maio, tentávamos encontrá-lo ajudado por outra valiosa informação que tínhamos recebido: o santuário em que o então cardeal se havia encontrado com o confessor era Nossa Senhora da Pompeia, o Santuário de Pompeia, uma igreja muito visitada que se encontra em um bairro popular da capital argentina, vizinha a uma favela. Tínhamos um lugar, o santuário. Tínhamos uma referência sobre a idade: cerca de 10 anos mais novo que Francisco. Mas não tínhamos o nome. E não seria simples entrar e perguntar a um frei qualquer: “Desculpe, estamos procurando o confessor que o Papa Bergoglio sempre cita em suas homilias”. Quando entramos pela Porta Santa de Pompeia vimos dois confessionários com a luz acesa. Eram quatro horas da tarde, e a essa hora não havia celebrações; a igreja, envolta na penumbra, estava semi-vazia. Algumas poucas pessoas rezavam de joelhos ou sentadas. Uma mulher de meia idade estava acendendo uma vela para pedir alguma graça.
Decidimos testar com o primeiro confessor. Um de nós entrou e o outro permaneceu no umbral. Não queríamos nos confessar, apenas pedir informação: nos apresentamos e perguntamos ao frei se, por acaso, tinha ouvido falar desse confessor que o Papa tanto citava. As respostas do capuchinho eram amáveis, mas bastante evasivas. Talvez muito evasivas. Era um homem alto, sorridente, sem a habitual barba. O confessionário estava recoberto por pequenos painéis claros com perfurações, fono-absorventes. Um lugar despojado. A única imagem, colocada atrás do confessor, era um recorte de revista com a imagem do Pai misericordioso que abraça o filho pródigo; um quadro de Rembrandt.
O frei dizia: “Sim, ouvi falar do que disse Francisco, mas não sei quem é o capuchinho...”. Mas em seus olhos se podia captar uma expressão quase divertida. Somente um lampejo, nada mais. Demo-nos conta de que tínhamos que insistir. Mostramos-lhe um exemplar do livro O nome da misericórdia, abrindo-o na página com a citação do Papa. E como ninguém estava esperando o padre, continuamos perguntando-lhe sobre “o confessor do Papa”, sobre esse confessor que tantas vezes Bergoglio tinha citado como exemplo. Ao final, o frei admitiu: “Bom... sim... sou eu o frei de que fala Francisco. Fui eu que lhe disse essa frase que repito diante do Sacrário, quando sinto escrúpulos por ter perdoado muito...”.
Finalmente, “o confessor do Papa” tinha um nome e um rosto: padre Luis Dri, 89 anos. Não é mais novo, mas quase dez anos mais velho que Bergoglio. Francisco ficou impressionado com sua vitalidade e sempre pensou que tinha 10 anos a menos.
Naquele primeiro de maio, o padre Dri aceitou, depois de alguma resistência, conceder-nos uma breve entrevista em vídeo para o La Stampa e o Vatican Insider. A nossa curiosidade, no entanto, não ficou satisfeita com isso. Ficamos com vontade de conhecer melhor este frei comum que passa seus dias trancado no confessionário, recebendo sempre a todos com um sorriso e capaz de fazer qualquer um sentir o abraço de misericórdia de Jesus. Não teve uma vida de acontecimentos ressonantes, de obras assombrosas, de não sei quais sucessos pastorais.
No entanto, impressiona sobretudo a simplicidade da sua vida cotidiana de sacerdote e dispensador de misericórdia. Sua vida começou em uma família de pessoas pobres do campo, uma vida cheia de felicidade apesar das dificuldades. Precisamente a humildade de sua origem, nos dizia o padre Dri, era uma das razões que o faziam ser atento e sensível no confessionário, sempre com o desejo de comunicar a misericórdia e fazer que ninguém se sinta excluído, não acolhido ou não amado.
Bom, pareceu-nos que valia a pena contar em primeira pessoa, dando a ele a palavra, a história do confessor mais citado pelo Papa Francisco.
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Aquele encontro fortuito no confessionário - Instituto Humanitas Unisinos - IHU