26 Setembro 2016
Constrangido, o governo brasileiro silenciou diante das denúncias graves contidas no relatório apresentado na 33ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (UNHRC) pela Relatora Especial sobre a questão indígena do organismo internacional, Victoria Tauli-Corpuz, na terça-feira, 20.
Foto: Publicação CPT.
A reportagem é de Ruy Sposati/CIMI e publicada por CPT, 22-09-2016.
“Nos oito anos que se seguiram à visita de meu predecessor, há uma inquietante ausência de avanços para a implementação das recomendações do Relator Especial e na solução de antigas questões de vital importância para os povos indígenas”, afirmou Victoria em sua conclusão da visita e também na breve apresentação do documento durante a sessão do Conselho de Direitos Humanos.
Para conduzir a análise do presente relatório, Victoria comparou a situação atual dos indígenas com os dados apresentados no documento produzido em 2008 por James Anaya – que, à época, ocupava a função de relator especial sobre direitos indígenas.
Segundo o levantamento realizado em março deste ano pela relatora, houve um aumento considerável no número de mortes de indígenas e violações de direitos, consequência da não-demarcação dos territórios tradicionais.
No entanto, para o governo (representado na sessão do Conselho pela embaixadora Regina Maria Cordeiro Dunlop), "o Brasil demarcou mais Terras Indígenas do que o território da França e Luxemburgo juntos", afirmando que, no intervalo das visitas entre Anaya e Tauli –Corpuz, o país tem combatido fortemente a violência contra as populações indígenas, além de ter investido em educação e saúde.
A posição do Brasil ignora os pontos-chave apresentados no relatório: o aumento de assassinatos de indígenas, a execução parcial do orçamento da Fundação Nacional do Índio (Funai), a morosidade na demarcação de terras, a falta de atenção às taxas de suicídio, falta de acesso à Justiça. A intervenção asséptica do governo durante o Conselho pode ser melhor compreendida se alinhavada à fala da embaixadora e sua equipe durante reunião entre a delegação indígena com a Missão do Brasil na ONU, realizada na última segunda, 19.
Questionada sobre como o relatório havia sido recebido pelos membros do governo, a equipe da embaixada foi taxativa: o Brasil discorda da análise, dos dados e das recomendações estabelecidas no documento – muitas delas porque o governo, segundo ele mesmo, já vinham sendo cumpridas com rigor.
Como exemplo, a embaixadora citou a consulta prévia realizada com o povo Munduruku em torno do projeto da Usina Hidrelétrica São Luiz do Tapajós – que, segundo a embaixadora, foi realizada à risca pelo governo federal e que, segundo os indígenas presentes e os próprios Munduruku, contudo, nunca aconteceu. Também causou incômodo na delegação a defesa da embaixadora do atual ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, acusado de linha-dura pelo movimento indígena e outros movimentos sociais por declarações contrárias às demarcações realizadas pelo governo deposto de Dilma Rousseff.
Em resposta às declarações do governo, lideranças indígenas presentes na sessão do Conselho da ONU reforçaram as denúncias realizadas no relatório de Victoria. "Não temos água e comida saudáveis, sofremos com pulverização de agrotóxicos como se fôssemos pragas, mas somos seres humanos", disse Elizeu Lopes, liderança Guarani Kaiowa de Kurusu Amba, representando o Aty Guasu.
Elizeu viajou por três dias, desde o acampamento de Kurusu Amba, na fronteira do Brasil com o Paraguai, percorrendo dez mil quilômetros até a Suiça, para participar da apresentação do relatório. Concluiu sua fala reafirmando o sofrimento vivido pelos Kaiowa e Guarani no Mato Grosso do Sul – segundo ele, o exemplo mais extremo do genocídio sofrido pelos povos tradicionais no Brasil. "Apesar das mortes de nossas lideranças – Xurite, Nísio, Simeão, Clodiodi e tantos outros -, todos mortos em luta pela terra, e apesar das ações para criminalizar a nossa luta e quem nos apoia, apesar do massacre ao nosso povo, continuaremos em luta por nosso tekoha", disse.
"Nós indígenas estamos de acordo com a conclusão do relatório: Brasil não avançou na implementação de recomendações do relator anterior", afirmou a liderança da Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib), Sônia Bone. "Ao contrário: a situação de desrespeito aos direitos dos povos indígenas piorou consideravelmente", ponderou a indígena Guajajara após a apresentação do relatório e da fala do governo.
Sônia afirmou haver "muitos casos de violações, criminalização, perseguições, prisões e mortes e também os impactos provocados por megaprojetos e atividades ilegais, como a exploração de madeira e a mineração em nossas terras". E, frente aos representantes dos países que compõem o Conselho das organizações participantes, rechaçou publicamente que o governo esteja cumprindo com os tratados internacionais: "A Convenção 169 da OIT não está sendo aplicada em relação à consulta e ao consentimento livre, prévio e informado das populações indígenas".
Preocupada com os retrocessos conduzidos e anunciados por Michel Temer após a manobra do impeachment, a relatora recomendou que o presidente assuma o compromisso de concluir o processo administrativo de demarcação das terras, além de que se conduza "um inquérito nacional independente e transparente sobre a violação dos direitos dos povos indígenas", em cooperação com estas populações, "objetivando transformar a relação do Estado com eles em uma relação baseada no respeito, justiça e autodeterminação”.
Na quarta-feira, 21, a delegação de indígenas em incidência internacional na ONU realizou um evento paralelo à sessão do Conselho, intitulado "Direitos indígenas: perspectivas em tempos de retrocesso e violência no Brasil". Participaram da mesa Elizeu, Sônia, a relatora Victoria e o procurador do Ministério Público Federal de Dourados (MS), Marco Antonio Delfino, com mediação de Ana Maria Suarez-Franco, da Fian International. Elizeu Lopes continua em agenda na Europa, pautando a questão Guarani e Kaiowa em reuniões com membros do parlamento e governantes da Bélgica, Áustria, Suécia, Inglaterra e União Europeia nas próximas duas semanas.
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Na ONU, Brasil ignora acusações e faz discurso chapa branca sobre questão indígena - Instituto Humanitas Unisinos - IHU