07 Novembro 2014
Eleita sobre o discurso das “ideias novas”, a presidenta Dilma Rousseff terá que contrariar fortes pressões para manter uma política econômica progressista. É o que acredita a professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA – USP) Leda Paulani.
A entrevista é de Bruno Pavan, publicada pelo jornal Brasil de Fato, 05-11-2014.
Ela, que assinou o manifesto dos economistas em apoio a reeleição da presidenta no segundo turno das eleições, é otimista e não acredita que Dilma recuará da guinada progressista que aconteceu na política econômica durante o seu primeiro mandato e que a fez ser “odiada pelo mercado financeiro”.
“Ela começou com uma mudança no Banco Central, baixou os juros, enfrentou corajosamente o lobby financeiro usando os bancos públicos para reduzir os spreads dos bancos privados, deu força para o PAC e para o Minha Casa Minha Vida, que é um grande pacote de investimentos e tem um fator multiplicador muito alto na economia”, analisa.
Leda também conta um pouco sobre sua experiência como Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão da prefeitura de São Paulo onde, entre outras coisas, ajudou na criação da Controladoria Geral do Município, que ajudou a desmantelar a máfia do ISS na cidade. Ela reforça que o foco do governo de Fernando Haddad é “devolver o público para o espaço público”.
Eis a entrevista.
O que significou a vitória da Dilma nessas eleições?
Não sei se pode falar de um projeto novo, mas a presidenta representa um conjunto de políticas públicas que buscaram reduzir as desigualdades de renda tanto pessoal quanto regional, ao passo que a outra candidatura tinha mais dificuldades em afirmar o compromisso com esse tipo de política.
O momento econômico do Brasil é ruim?
Logicamente, existem algumas questões que têm que ser resolvidas. A principal delas é a retomada do crescimento. Porém, nem de longe a economia passa por uma situação tão ruim quanto a imprensa divulga e quer fazer crer. Eu escrevi um artigo durante a campanha chamado “terrorismo econômico” onde tento mostrar justamente isso. Muitos falaram que o país tinha perdido a credibilidade no mundo, só que isso não bate com o dado da entrada de capitais externos na economia brasileira. São R$ 65 bilhões esse ano, a média no período Dilma é de R$ 64 bilhões. Então como assim? Sem credibilidade pra quem? Onde? Como?
Outro exagero é dizer que a inflação está fora do controle. Esse ano, na pior das hipóteses, ela vai fechar em 0,25% acima da meta. Se você pegar a média de inflação do período Dilma, ela é 6,2% considerando 6,75% para este ano, subiu um pouco em comparação com o segundo mandato do Lula (5,2%), mas caiu se formos comparar com o primeiro governo Lula, e com os governos FHC. Então estão tentando criar um ambiente que é como se a economia estivesse à beira do precipício e que está muito longe de estar.
Falam do déficit público, porque o resultado primário vai ser inferior ao que se esperava etc. tudo bem, ele vai ser um pouquinho inferior , só que a ortodoxia e a mídia gostam de olhar só para o resultado primário, porque é o que importa pra eles, é esse resultado primário que vai ser usado para pagar os recursos da dívida, fazem a política dos credores, não importa o crescimento, a continuidade das políticas públicas, a redução da desigualdade, nada disso, importa a garantia de que os credores serão remunerados. Mas quando você faz a conta com o resultado nominal e não com o resultado primário, ou seja, incluindo o que o governo gasta também com pagamentos de juros, esse resultado é muito melhor do que os resultados nos quadriênios anteriores, e é melhor por uma razão muito simples: a queda dos juros que aconteceu em alguns períodos e reduziu o serviço da dívida e a necessidade de emissão de novos títulos.
Vamos falar então da proporção da dívida pública em relação ao PIB. A nossa deve estar em volta de uns 30% a 40%. No Japão é 213%, alguém fala alguma coisa? Se a gente for pegar o período de 2010 a 2013, o nosso déficit foi de 2,7% do PIB, exatamente no mesmo período o déficit nominal dos países da zona do Euro foi de 4%, dos Estados Unidos foi 9,2%, o do Reino Unido foi de 8%, do Japão foi 9,4% e ninguém fala nesses países como tendo descontrole dos gastos públicos.
Então se cria uma narrativa para os leigos e se monta uma imagem que nem de longe corresponde à realidade. Eu acho que o principal problema da economia hoje é que ela não cresce. Porque o nível de emprego continua muito bom, o salário médio real continuou crescendo, o salário mínimo também cresceu, não há descontrole da inflação, não há perda de credibilidade, não há descontrole dos gastos, não há nada disso. Isso tudo é uma orquestração mesmo para fazer ver que tem um problema, porque a política econômica que a presidenta seguiu é baseada em alguns princípios que não são aceitos pelo mercado, principalmente a questão da política monetária. Eles fazem esse terrorismo pra tentar forçar a mudança da política.
Desde o primeiro turno, o mercado se mostrou hostil à reeleição de Dilma Rousseff. Na primeira entrevista da presidenta ela disse que estava aberta à discussão com setores da sociedade, inclusive o mercado. Você teme que exista um retrocesso conservador pra acalmar os ânimos?
Espero que não corramos esse risco e tendo a achar que não. Até pelo seu estilo, a presidenta gosta de enfrentar as boas brigas. Se você pegar os 12 anos de PT no governo, você vai ver que os dois mandatos de Lula tiveram diferenças. O primeiro mandato foi bastante ortodoxo, o que me fez fazer muitas críticas e até escrever um livro por conta da minha decepção. No segundo mandato dele, a coisa mudou um pouco. Não na política monetária onde as taxas de juros continuaram muito elevadas, o Henrique Meirelles continuou no Banco Central e os colegiados do Copom eram absolutamente conservadores. O que se alterou – por conta do cenário de crise mundial – foi a presença mais forte do Estado na economia.
Agora, no mandato da Dilma, essa prioridade começou a mudar. Ela foi se aproximando mais de uma política heterodoxa, por exemplo, começou com a mudança no Banco Central e baixou os juros, enfrentou corajosamente o lobby financeiro usando os bancos públicos para reduzir os spreads dos bancos privados, deu força para o PAC, para o Minha Casa Minha Vida, que é um grande pacote de investimentos que tem um fator multiplicador muito alto na economia. Isso fez com que ela fosse odiada pelo mercado financeiro.
Concluindo, até agora pelo que ela mostrou, acho que ela será mais resistente e não cederá completamente aos reclamos do mercado, que vai continuar fazendo o que fez no primeiro mandato. Existe um mecanismo de chantagem muito pesado com eles em parceria com a mídia que aumenta esse tipo de discussão espúria. Mas espero sinceramente que ela não ceda, por exemplo, pondo o presidente do Bradesco no Ministério da Fazenda.
Sobre essas especulações em cima do nome do futuro ministro da Fazenda, já apareceram nomes do mercado como Luis Carlos Trabuco e o Henrique Meirelles e nomes da academia como o Nelson Barbosa. O que você acha que isso pode significar?
Seria uma decepção a nomeação de figuras como Trabuco ou Henrique Meirelles. Agora você tem nomes bons, o próprio professor Nelson Barbosa, que é heterodoxo, conhece muito o governo federal, foi secretário de política econômica e é um nome respeitado inclusive pelo mercado.
Esse tipo de discussão é complicada porque quando você contesta a questão da inflação, imediatamente te acusam de ser irresponsável. É uma distância tão abissal, tão cavalar, entre você ter uma inflação de 20%, 30%, 40% ao mês e ter uma que não é 6% mas é 6,75% ao ano. A questão da inflação, obviamente, é fundamental, ninguém está dizendo que você pode descuidar desse controle. Essa respeitabilidade e esse compromisso com a estabilidade monetária o próprio mercado enxerga no Nelson Barbosa, não precisa pegar e colocar o presidente do Bradesco.
A presidenta se reelegeu com um discurso de mudança e praticamente demitiu o ministro Guido Mantega durante a campanha. Quais os tipos de mudança que vai precisar ocorrer na economia a partir do ano que vem para que o país volte a crescer?
Precisamos retomar um patamar de investimento público, porque a variável mais importante da demanda agregada é o investimento, se ele não é robusto, toda a economia acaba também tendo um desempenho ruim. No Brasil, é histórico que se o investimento público não marchar à frente o investimento privado não vem atrás. Todos os momentos em que o Brasil cresceu muito por um grande período de tempo foi porque o investimento público foi muito forte. Ele serve como uma locomotiva, você abre caminhos para o investimento privado chegar depois.
Agora, achar que você vai desonerar a folha e que isso vai reproduzir uma retomada do investimento privado é uma tolice! O que acaba acontecendo é que isso vira margem e eles acabam embolsando essa desoneração e não retomam o investimento para o país. Essa desoneração pode ter tido algum impacto positivo na manutenção do emprego, mas esperar a retomada dos investimentos somente com esse tipo de política é uma bobagem, isso não acontece, a história mostra o contrário.
Temos uma série de setores que dependem do Estado para puxar o processo, áreas ligadas à infraestrutura e habitação são exemplos. Temos um déficit enorme de habitações no país e que se o Estado não entrar forte subsidiando, esse problema durará para sempre. Fora que a construção civil é dos setores mais dinâmicos porque tem um efeito multiplicador muito alto na economia.
A presidenta chegou a baixar a Selic durante vários meses consecutivos em seu primeiro governo, mas esse ciclo acabou se encerrando sem que resultados muito positivos tenham saído dele. Onde você acha que o governo errou?
Apesar de o governo ser, em princípio, de esquerda e com posições progressistas, existe uma guerra ideológica dentro dele e você acaba tendo espaço para posições mais conservadoras. Isso fez com que lá na decisão de se reduzir os juros, quase que como uma compensação se dissesse: “bem, nós vamos liberar mais a política monetária, mas vamos arrochar a política de gastos”. Com isso você teve uma desaceleração de programas como o PAC e o Minha Casa Minha Vida, somado à continuidade da crise no plano internacional, redução de preço de commodities e redução do crescimento da China, acabou produzindo esse resultado ruim no plano do crescimento econômico. Junto com isso, tivemos a infelicidade de ter alguns choques de oferta de alimentos, então você fica numa situação que a economia cresceu 7,5% em 2010 e menos de 2% em 2011. Esses elementos acabaram significando uma pressão pra um retorno de uma política mais arrochada, e o governo acabou elevando novamente a taxa.
Outro fator é que a expectativa de inflação do mercado é uma das variáveis que eles olham na hora de decidir se vai manter, reduzir ou subir a Selic. Então se ele quer que a taxa de juros suba, começa a dizer que a inflação está fora de controle e essa expectativa sobe e obriga o Banco Central aumentar a taxa de juros. Trata-se de um processo de autorreferência e que dá ao mercado uma arma muito poderosa. Esse conjunto de fatores foi o que acabou impendido que a política de redução de juros prevalecesse.
Falando um pouco sobre sua experiência na Secretaria de Planejamento da Prefeitura. Logo em seu primeiro ano, o governo Haddad sofreu com a falta de recursos que não vieram por conta do não reajuste no preço da tarifa de ônibus e no IPTU. Como vocês conseguiram compensar esse prejuízo?
O problema foi o seguinte: existe uma lei que foi aprovada no governo Kassab dizendo que a cada dois anos, a começar de 2013, a prefeitura tem que rever a Planta Genérica de Valores da cidade. Essa planta é o valor que a prefeitura atribui a cada imóvel pra efeito de cobrança de IPTU, revê-la é uma coisa custosa e demorada. Se você deixa muitos anos essa planta estacionada, sem atualizá-la, você vai perdendo imposto. Chegou 2013 e nós precisaríamos cumprir a lei, então fizemos a atualização da planta, inclusive porque existe um processo forte de especulação imobiliária na cidade que acabou refletindo esse aumento em geral dos preços dos imóveis. A Câmara aprovou a lei a duras penas, mas a Justiça barrou. Nunca antes na história desse país alguém tinha proibido o município de rever a planta genérica de valores. Esse procedimento de revisão sempre foi feito pelas prefeituras só que no caso de São Paulo, por exemplo, não havia nenhuma lei. De quando em quando, a cada quatro, cinco anos, um prefeito entrava, fazia a revisão, passava a lei na Câmara e cobrava o tributo em cima dos novos valores.
De fato a gente teve em 2013 uma combinação de fatores que tornaram o orçamento de 2014 muito apertado. O primeiro ponto foi esse R$ 1 bilhão que a Justiça nos impediu de receber porque a lei que a Câmara já tinha aprovado não poderia ser aplicada. O segundo foi o aumento do subsídio que a gente teve que fazer para o ônibus. O custo do sistema cresce todo ano com o reajuste de salários para os motoristas, aumento no combustível entre outras coisas. A SPTrans tem essa incumbência, de pagar o sistema, então ela recebe, você centraliza todo o recurso, e paga as concessionárias. O que falta o governo municipal tem que cobrir e como não foi possível aumentar a tarifa, essa parcela subiu muito. Isso nos levou mais R$ 800 milhões. Além disso, teve um crescimento no pagamentos dos precatórios, e a dívida com a união que acabou não sendo renegociada como a gente esperava, e que inclusive esperamos que antes de acabar esse mandato da presidenta ela consiga votar e aprovar essa renegociação.
O orçamento, então, foi muito apertado inclusive quando contraposto com o programa de metas do governo. Mesmo assim a gente conseguiu fazer investimentos tomando uma série de medidas pra reduzir gastos com as secretarias. De qualquer forma, uma cidade como São Paulo precisa ter pelo menos R$ 6 bilhões de investimentos por ano. Hoje, a gente está conseguindo fazer R$ 4 bilhões. Se conseguirmos renegociar a dívida, essa situação vai melhorar. A gente paga mais de R$ 4 bilhões e vamos continuar pagando, mas reduzindo o estoque da dívida com a mudança do indexador, vamos poder tomar empréstimos pra fazer investimentos, coisa que hoje a gente não pode.
Por outro lado, muitos consideram o governo Haddad uma administração moderna e ousada. Quais são os principais trunfos dessa gestão?
Resumindo tudo em uma frase só: devolver o público para o espaço público. Temos uma série de alternativas que se combinam e que vão mudando a cara da cidade: o Plano Diretor, a melhoria do transporte público por conta das faixas de ônibus, as ciclovias, as praias urbanas, os parklets, e agora vamos fazer um projeto longo para mudar todas as lâmpadas da cidade. A questão da iluminação tem um impacto brutal na questão da violência, então ao invés de você botar mais rota na rua, você ilumina. É algo mais civilizado.
Esse conjunto de coisas aponta para essa mesma direção: ao invés da cidade ser hostil, um lugar em que o cidadão põe o pé fora de casa e não reconhece aquele espaço como dele, mas, sim, que ele faça parte dela. Lógico que também temos que pensar isso junto com a redução da desigualdade na cidade, isso também faz parte desse mesmo processo. Hoje, no entanto, eu acho que já tem um conjunto de iniciativas que renderam frutos e que já produzem essa mudança.
Nesse governo, foi criada a Controladoria Geral do Município, cuja ação já conseguiu recuperar milhões da máfia do ISS. Qual seria a principal importância dela para a cidade?
A criação da Controladoria está ligada diretamente a um apreço muito grande que o prefeito tem com a questão da transparência. Isso vem junto com um efetivo combate à corrupção, pois caso contrário, ficaria só no discurso, e com uma série de iniciativas no sentido de aumentar o controle social e a participação popular. São três coisas andando juntas: a participação, a transparência e o combate à corrupção. No âmbito da participação, há uma série de iniciativas: o Conselho de Planejamento e Orçamento Participativo, o programa de metas, o Plano Diretor e, agora, a nova lei de uso e ocupação do solo. Agora, participação sem transparência vira uma farsa, e transparência sem participação não existe. A população tem que poder controlar o poder público. Essa democracia direta não é incompatível com a democracia representativa como muitos querem crer. A direita não gosta disso, o espaço da participação é ignorado por eles. A prefeitura está apostando em outro caminho, e a controladoria entra no bojo dessa visão e desse conjunto de iniciativas.
Com relação aos recursos, são duas coisas diferentes: uma delas é a gente conseguir, pela via judicial, recuperar o que foi roubado, que é uma coisa difícil porque tem todo o processo, o julgamento das pessoas, de quem vai cobrar, enfim, uma série de coisas. Outro ponto é que houve um crescimento substantivo da arrecadação do ISS pelo desmonte dessa quadrilha, ela não podendo mais atuar, deixou de possibilitar que aqueles que têm que pagar não paguem ou paguem menos do que devem. Com isso, a arrecadação cresceu comprovadamente nesse setor que atuava mais fortemente.
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Mídia e mercado fazem “terrorismo econômico”. Entrevista com Leda Paulani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU