10 Dezembro 2025
60 anos após o fim do Concílio Vaticano II (1962-1965), o Cardeal Walter Kasper clama por reacender "as brasas sob as cinzas". Em entrevista publicada na segunda-feira na revista Communio, o cardeal aposentado, que outrora foi responsável pelos assuntos ecumênicos, afirmou que uma nova geração cresceu sem ter vivenciado o entusiasmo despertado pelo Concílio e que se mostra "em grande parte indiferente" a ele. No "vazio espiritual" de um "mundo pós-moderno confuso", a renovação a partir do Evangelho é urgentemente necessária; "é a nossa única esperança. Mas as questões são diferentes e, no sentido positivo da palavra, mais radicais; elas vão à raiz do problema", disse Kasper.
A informação é publicada por Katholisch, 08-12-2025.
Embora o Concílio Vaticano II não tenha proclamado dogmas formais nem condenações doutrinárias, não pode ser descrito como "meramente um concílio pastoral". "Não há pastoral sem fundamento dogmático, e não há dogmática que não tenha também consequências pastorais e espirituais", explica Kasper. Assim, o termo "concílio pastoral" não é uma desvalorização, "mas um claro endosso, porque confirma que este concílio não proclamou especulações teológicas, mas sim acertou em cheio e disse algo essencial para a vida cristã em nosso tempo", enfatiza o cardeal.
"A tradição é um processo vivo"
Kasper rebate a acusação de rompimento com a tradição, feita por tradicionalistas, afirmando que não se deve confundir tradição com tradicionalismo. "Tradição é um processo vivo no qual o Espírito Santo nos conduz continuamente, de novo, à verdade plena (João 16,13). Tradição é um crescimento e um amadurecimento guiados pelo Espírito na compreensão da verdade do Evangelho, fundamentados nas Sagradas Escrituras e na tradição viva." Os textos conciliares são consistentemente fundamentados na Bíblia e enraizados nos ensinamentos dos Padres da Igreja: "Não há neles nada de 'neomodernismo' ou 'ruptura com a tradição', mas sim algo muito semelhante a uma árvore com anéis de crescimento."
Os documentos conciliares "mudaram a face da Igreja, especialmente na liturgia", afirma Kasper. A Igreja se abriu tanto para dentro quanto para fora: "A Igreja do clero deveria se tornar uma Igreja do Povo de Deus com a participação ativa dos leigos". O Concílio também abriu muitas portas para o exterior: "para o ecumenismo, para o diálogo com religiões não cristãs, especialmente para os povos da Primeira Aliança, e para missões no mundo. Não há como voltar atrás. Não podemos parar por aqui", conclui Kasper.
O mundo está em processo de transformação
Embora seja altamente provável que "haja outro concílio antes do fim do mundo", o momento atual não é propício para isso: "Não apenas a Igreja, mas o mundo está em meio a um profundo processo de transformação". Dentro da Igreja, é preciso primeiro definir com clareza quais devem ser as estruturas sinodais em termos concretos antes que o Papa possa convocar um concílio.
"Se uma nova ordem mundial surgir, significando unidade e diversidade em um mundo digitalmente conectado, mas presumivelmente multipolar, então a Igreja global enfrentará muitos novos desafios de unidade na diversidade, desafios que eram diferentes no mundo bipolar da década de 1960 e do Concílio Vaticano II. A renovação a partir do Evangelho se tornará, então, novamente relevante", diz Kasper.
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