09 Dezembro 2025
A nova estratégia de segurança nacional de Trump coloca o foco geopolítico principal no continente americano e exige que ele contribua para conter a imigração, o tráfico de drogas e o avanço da China.
A reportagem é de Macarena Vidal Liy, publicada por El País, 07-12-2025.
Durante décadas, a América Latina foi o chamado quintal dos Estados Unidos. Agora, Washington declarou a região como seu quintal da frente. A nova Estratégia de Segurança Nacional do governo Trump, publicada na sexta-feira, concentra seu principal foco geopolítico nas Américas, em detrimento da Europa e do Oriente Médio. Dois séculos após sua proclamação, a Doutrina Monroe do século XIX, que inaugurou uma era de intervencionismo de Washington na América Latina, direcionado principalmente contra governos e simpatizantes de esquerda, retorna com características trumpianas. A campanha militar em torno da Venezuela é uma delas. A pressão — chegando ao ponto de interferência eleitoral — em favor de governos e políticos aliados em uma região mais polarizada do que nunca é outra.
Naquilo que a Casa Branca define como “o corolário Trump à Doutrina Monroe”, e que já começou a ser apelidado jocosamente de Doutrina Donroe (por causa do D em Donald), a América Latina é vista como uma região de onde se originam alguns dos problemas mais graves dos Estados Unidos, e está sendo pressionada a colaborar para que Washington possa atingir seus objetivos: reduzir drasticamente a migração, “neutralizar” os cartéis de drogas e o crime transnacional e eliminar os investimentos chineses que florescem na região. Isso será feito por persuasão — através de incentivos à cooperação econômica — ou por coerção: o documento deixa claro que o grande contingente naval no Caribe, ao largo da costa da Venezuela, permanecerá lá por um bom tempo.
“Queremos garantir que o Hemisfério Ocidental permaneça suficientemente bem governado e razoavelmente estável para prevenir e desencorajar a migração em massa para os Estados Unidos; queremos um Hemisfério em que os governos cooperem conosco contra narcoterroristas, cartéis e outras organizações criminosas transnacionais; queremos um Hemisfério que permaneça livre de incursões estrangeiras hostis e da posse estrangeira de ativos essenciais, e que apoie cadeias de suprimentos críticas; e queremos garantir nosso acesso contínuo a locais estratégicos importantes”, proclama a Estratégia de Segurança.
O principal alvo, por ora, é a Venezuela. Todos os fatores de interesse dos Estados Unidos convergem para lá, sob o regime chavista: abundantes recursos naturais, incluindo petróleo; crime transnacional; emigração em massa; um regime ideologicamente oposto aos EUA, mas com boas relações com a China e a Rússia; e um presidente, Nicolás Maduro, que Washington — e a Europa, e outros governos da região — consideram ilegítimo, especialmente após a fraude eleitoral de julho de 2014.
Em meio ao destacamento naval no Caribe, as tensões estão no auge. Trump as intensificou ainda mais esta semana, reiterando que "muito em breve" a campanha militar, que até agora se concentrou exclusivamente em ataques contra supostos barcos de narcotráfico e deixou pelo menos 87 mortos e 22 embarcações afundadas, poderá entrar em uma nova fase de operações em território venezuelano.
O conteúdo da nova estratégia não é uma surpresa. Desde seu retorno à Casa Branca, a retórica de Donald Trump e de seu governo já havia gerado acusações de neoimperialismo e comparações com a Doutrina Monroe de 1823, que evoca a política hegemônica dos Estados Unidos na região e reacende o espectro de seus episódios mais atrozes; do apoio a golpes de Estado e ditadores como o General Augusto Pinochet no Chile às intervenções militares, a mais recente no Panamá, há apenas três décadas. Em janeiro, o presidente americano ameaçou anexar a Groenlândia (um território autônomo dinamarquês) no Ártico e retomar o controle do Canal do Panamá pela força. Desde então, com o linha-dura anticomunista Marco Rubio à frente da política externa, a atenção do governo ao continente tornou-se cada vez mais evidente.
“Tudo o que vimos nos últimos meses aponta para uma espécie de diplomacia das canhoneiras, versão 2.0. Não é preciso pensar muito para perceber que o governo Trump não entende o que costumávamos chamar de poder brando e acredita que o único poder existente é o da força, obrigando as pessoas a escolherem ficar do seu lado”, afirma John Walsh, diretor para os Andes e políticas antidrogas do Escritório de Washington para as Américas (WOLA).
Recompensas para pessoas com ideias semelhantes
O documento codifica esse realinhamento de políticas, no qual Trump não hesitou em intervir para ajudar seus aliados ou tentar prejudicar aqueles que considera hostis. A democracia não é mais invocada como um valor essencial, a corrupção não é mencionada e “recompensas” são prometidas aos apoiadores. Reconhece-se também a necessidade de colaborar com governos de orientações “diferentes” que estejam dispostos a cooperar em questões de interesse comum. Mas para os recalcitrantes, como a Venezuela, há um aviso: “desdobramentos seletivos” de uma força militar que aumentará sua presença e que poderá recorrer “à força letal quando necessário”.
Trump se reuniu no Salão Oval com Nayib Bukele, de El Salvador; socorreu a Argentina de Javier Milei com um pacote de ajuda de US$ 20 bilhões; e reduziu as tarifas sobre esses dois países e sobre o Equador de Daniel Noboa. Seu governo elogiou o novo presidente de direita da Bolívia, Rodrigo Paz. E ele interferiu nos processos eleitorais, algo que parecia coisa do passado: condicionou a ajuda à Argentina à vitória de Milei nas eleições de 26 de outubro. Na semana passada, ele virou o jogo nas eleições hondurenhas ao expressar seu apoio ao candidato de direita Nasry Asfura. Deu o golpe final ao perdoar o ex-presidente hondurenho Juan Orlando Hernández, que cumpria pena de 45 anos de prisão nos Estados Unidos por tráfico de drogas.
Isso contradiz suas declarações de que seu assédio à Venezuela é motivado pela luta contra as drogas.
Entretanto, ele atacou Gustavo Petro, o presidente da Colômbia, a quem insultou chamando de "bandido" e "traficante de drogas", e tentou sufocar Luiz Inácio Lula da Silva com uma montanha de tarifas contra o Brasil, antes de recuar, forçado pela disparada dos preços dos alimentos que sua decisão gerou nos Estados Unidos.
“Estados vassalos, é isso que Washington almeja”, afirma o ex-ministro e embaixador chileno Jorge Heine. “E isso fica bem claro nesta Estratégia de Segurança Nacional. Que lidará com países com os quais compartilha afinidades ideológicas e não com outros. É uma declaração muito contundente”, acrescenta o professor e pesquisador da Universidade de Boston. Seu país, aliás, é um dos alvos da estratégia de Washington: o segundo turno das eleições será realizado no dia 14, no qual o candidato de extrema-direita José Antonio Kart está atualmente à frente da candidata progressista Jeanine Jara nas pesquisas. O resultado dessas eleições poderá inclinar a balança ideológica para um lado ou para o outro entre os países da região.
Heine destaca, entre outras coisas, trechos do documento que especificam que os países latino-americanos — "especialmente aqueles que mais dependem de nós e sobre os quais, portanto, temos maior influência" — terão que conceder contratos a empresas americanas sem licitação pública. Ou que Washington fará "todo o possível para expulsar empresas estrangeiras que constroem infraestrutura na região", uma alusão à China, cujas corporações estão construindo de tudo, desde portos como o de Chancay, no Peru, até o sistema de metrô de Bogotá.
O ex-embaixador lembra que, no passado, empresas americanas abandonaram esses projetos por considerá-los não lucrativos. “O que os países latino-americanos devem fazer então? Dizer não aos projetos que Washington não aprova e resignar-se ao subdesenvolvimento?”, questiona. “Os Estados Unidos chegaram tarde demais; não há como voltar atrás na presença da China na América Latina.”
O primeiro teste real para a nova estratégia será o que acontecer na Venezuela. O presidente dos EUA enfrenta um dilema: se agir, corre o risco de irritar sua base eleitoral, o movimento MAGA (Make America Great Again), que se opõe a guerras desnecessárias no exterior. Mas se se limitar a algum tipo de ação simbólica, “o regime continuará e se fortalecerá”, argumenta Heine. Não seria uma demonstração da “poderosa restauração do poder americano” que a Casa Branca busca.
“Em seu cenário ideal, Trump consegue chegar a algum tipo de acordo com Maduro que dê aos Estados Unidos a chance de se vangloriar”, opina Walsh. A queda do chavismo lhe daria valiosos pontos políticos internos em lugares como a Flórida. “E existe essa ideia — mais de Marco Rubio — de que isso poderia gerar um efeito dominó entre os regimes autoritários de esquerda na região. Teríamos uma Venezuela completamente a serviço dos Estados Unidos, porque o novo governo deveria sua existência à intervenção. E então a Nicarágua, e a joia da coroa de Rubio: Cuba.”
Mas mesmo a perspectiva de uma Venezuela sem Maduro não está isenta de riscos. O precedente do Iraque é um lembrete contundente de que mudanças de regime tendem a ser sangrentas, complicadas e — o que é muito importante para Trump — extremamente caras.
E se isso acontecesse por meio de intervenção militar, “outros países da América Latina começariam a pensar de forma muito diferente em termos de sua própria soberania e de estarem sob o jugo ou ordens de outros, mesmo que estejam mais alinhados politicamente com Washington, dada a longa história de intervenções dos EUA e como, frequentemente, elas terminaram de forma desastrosa”, alerta Walsh.
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