04 Dezembro 2025
Para o presidente argentino, a nomeação do tenente-general Carlos Alberto Presti visa pôr fim à “demonização das Forças Armadas”. Organizações de direitos humanos consideram a nomeação uma provocação, visto que se trata de um militar que jamais condenou os crimes da ditadura.
A reportagem é de Mercedes López San Miguel, publicada por El Diario, 03-12-2025.
O dia 10 de dezembro é o Dia Internacional dos Direitos Humanos e, na Argentina, comemora-se também a restauração da democracia em 1983. Neste dia histórico, um oficial militar assumirá o cargo de Ministro da Defesa — a primeira vez em 42 anos — e ele é também filho de um dos perpetradores da repressão durante a última ditadura. Para Javier Milei, a nomeação de Carlos Alberto Presti visa pôr fim à “demonização das Forças Armadas”. Organizações de direitos humanos, no entanto, consideram a nomeação uma “provocação”.
Carlos Alberto Presti, que na semana passada recebeu a insígnia correspondente ao posto mais alto de tenente-general, ocupa o cargo de Chefe do Estado-Maior do Exército desde 29 de dezembro de 2023, pouco depois da posse do governo de extrema-direita. Presti anunciou que assumirá o cargo de Ministro da Defesa sem se aposentar das Forças Armadas, como exigiam vozes da oposição. Ele também promoverá Guillermo Madero ao cargo de Chefe do Estado-Maior: o atual Subsecretário de Defesa tem um histórico de obstrução das buscas por bebês sequestrados durante o período do terrorismo de Estado.
Recibí del Presidente Javier Milei, en caracter de Comandante en Jefe de las Fuerzas Armadas, el despacho por mi ascenso a Teniente General.
— TG Carlos Presti (@TGCarlosPresti) November 25, 2025
Tras 41 años de carrera militar en el Ejército Argentino, es un honor liderar a nuestras tropas en la imprescindible tarea de defender la… pic.twitter.com/etePL5EWE2
“O filho de um maníaco genocida”
Pablo Llonto, advogado que representa o país em julgamentos por crimes contra a humanidade desde 1983, declarou ao elDiario.es que essas nomeações são uma provocação para as organizações de direitos humanos. “O filho de uma figura genocida foi colocado no comando do Ministério da Defesa, e ele assume o cargo no Dia Internacional dos Direitos Humanos. Presti nunca condenou o golpe de 24 de março de 1976, nem criticou aqueles que cometeram os crimes horrendos entre 1976 e 1983. Madero obstruiu os julgamentos, então essas nomeações fazem parte das medidas tomadas pelo governo para tentar obstruir ao máximo a busca por justiça.”
O recém-nomeado Ministro da Defesa é filho de Roque Carlos Presti, coronel que chefiou a polícia da Província de Buenos Aires e que foi processado e detido pelo desaparecimento ou morte de 44 pessoas durante a ditadura, no Caso 450 (Primeiro Corpo de Exército). Como chefe do 7º Regimento de Infantaria Mecanizada em La Plata, Presti pai teve responsabilidade direta pelos sequestros dos estudantes do ensino médio durante a Noite dos Lápis e pela operação que resultou na apropriação de Clara Anahí, neta de María Isabel “Chicha” Chorobik de Mariani, cofundadora das Avós da Praça de Maio. Segundo a organização Avós da Praça de Maio: “Entre as operações pelas quais Presti foi acusado está a que ocorreu na casa Teruggi-Mariani, de onde Clara Anahí, de três meses, foi levada e ainda está sendo procurada.”
Presti recuperou sua liberdade sob a Lei da Obediência Devida de 1987, que isentava os membros das Forças Armadas de responsabilidade criminal, e morreu em 1993, antes de sua anulação pelo Congresso em 2003 e da reabertura dos julgamentos por crimes contra a humanidade.
Entre los casos, está el ataque a la casa de Teruggi- Mariani, tras el cual sigue desaparecida Clara Anahí Mariani-Teruggi, quien tenía 3 meses de edad cuando cometieron el operativo represivo del que Presti está acusado de haber sido parte.
— H.I.J.O.S. Capital (@hijos_capital) November 22, 2025
Organizações de direitos humanos questionam por que o atual chefe do Exército nunca repudiou os crimes de seu pai e, além disso, por que sua nomeação rompe com o consenso na sociedade argentina de que o cargo deveria ser ocupado por um civil.
A presidente das Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, rejeitou a nomeação de Presti em declarações à imprensa. "A ideia de colocar um oficial militar no comando da Defesa é uma provocação, pois coloca uma pessoa fardada em uma posição para a qual não está preparada. As políticas de Estado são geridas por civis."
A declaração oficial do gabinete do Presidente reafirma a sua formação militar. “Pela primeira vez desde o regresso da democracia, uma pessoa com uma carreira militar impecável, que alcançou o posto mais alto na sua área, estará à frente do Ministério da Defesa Nacional e das Forças Armadas, inaugurando uma tradição que esperamos que a liderança política continue daqui para a frente e pondo fim à demonização dos nossos oficiais, sargentos e soldados”, lê-se no texto oficial.
Presti substituirá Luis Petri, que assumirá o cargo de deputado federal em 10 de dezembro. Antes mesmo de tomar posse, Presti já havia decidido nomear Guillermo Madero como chefe de gabinete. Madero é um funcionário que se recusou a entregar os arquivos solicitados pela Comissão Nacional do Direito à Identidade (Conadi) em casos de crianças roubadas, conforme revelado pelo jornal PáginaI12. Essa publicação também revelou que Madero foi um dos funcionários que visitaram os repressores presos na Unidade 34, em Campo de Mayo, em 7 de março de 2024.
Em suas intervenções públicas, Madero defende uma “memória completa”, questiona organizações especializadas e repete conceitos semelhantes aos utilizados pela vice-presidente Victoria Villarruel durante a campanha presidencial, como a existência de uma “indústria de julgamentos de direitos humanos”, criticando as ações do Estado antes do Executivo de extrema-direita.
O governo Milei insiste na ideia de “memória completa”, uma expressão cunhada pelo comando do Exército na década de 1990 que equipara os crimes das Forças Armadas aos da guerrilha; questiona também o número de 30 mil desaparecidos, como fez no vídeo institucional de 24 de março, onde falou em “entre 7 mil e 8 mil desaparecidos”.
Em maio passado, a então Ministra da Segurança, Patricia Bullrich, recusou-se a fornecer informações à Conadi (Comissão Nacional pelo Direito à Identidade) e, em comunicado oficial, classificou-a como uma “organização militante”. Bullrich já tomou posse como senadora pela coligação governamental, e sua vice no Ministério da Segurança, Alejandra Monteoliva, assumiu o seu lugar nesta terça-feira. A continuidade das políticas de linha dura é considerada certa.
Uma das medidas que dificultam a busca pela verdade foi assinada pelo presidente de extrema-direita. Milei eliminou por decreto a Unidade Especial de Investigação (UEI), que atuava dentro da instituição e permitia o acesso aos arquivos do Estado para encontrar os netos das Avós da Praça de Maio. Até o momento, as Avós recuperaram seu 140º neto e esperam encontrar os 300 restantes.
Como mais um sinal de retrocesso, o Governo votou recentemente na Assembleia Geral das Nações Unidas contra uma resolução para prevenir e erradicar a tortura, ignorando a posição da Argentina como referência na defesa dos direitos humanos.
O advogado Llonto destaca que “como em todos os países, os julgamentos dependem do Judiciário, mas o Poder Executivo às vezes toma medidas, tenta aprovar leis ou faz manobras políticas, como as que vimos no caso Milei, para criar o máximo de obstáculos possível aos julgamentos. Continuaremos lutando para garantir que eles aconteçam e sejam respeitados, e isso dependerá da força dos juízes, dos tribunais orais, do Tribunal de Cassação e do Supremo Tribunal Federal diante de todas as barreiras e obstáculos impostos pelo Poder Executivo.”
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