21 Novembro 2025
"Na festa solene do Cristo Rei do Universo os textos apresentados nos revelam o rosto misericordioso de Deus que vai ao encontro dos crucificados de hoje, garantindo-lhes salvação. Nós cristãos, através do batismo, possuímos uma identidade única: nos tornamos sacerdotes e sacerdotisas, profetas e profetisas, reis e rainhas.
Jesus nos ensina a levar esperança aos que se encontram no leito da cruz, desiludidos, depressivos, desprezados e humilhados em sua dignidade, garantindo-lhes que Deus os vê, os ouve e os acolhe e movido de compaixão os liberta."
A reflexão é de Rabeca Peres da Silva. Ela possui graduação em teologia pela Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana - ESTEF (2004) e possui Mestrado em Teologia na área de concentração Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica - PUCRS (2007). Atuou no Conselho Indigenista Missionário - CIMI na equipe de Porto Alegre (2005-2015). Atualmente é catequista da jovens e adultos, participa do Movimento Laudato Si, atuando como representante de círculos Laudato Si, participa de grupos de reflexão e estudo sobre mulheres na Bíblia, é animadora de círculos Laudato Si e, também, membro do CEBI Porto Alegre.
Referências bíblicas
1ª Leitura - 2Sm 5,1-3
Salmo - 121,1-2.4-5 (R. Cf.1)
2ª Leitura - Cl 1,12-20
Evangelho - Lc 23,35-43
Neste domingo em que a Igreja celebra Jesus Cristo Rei do Universo, a liturgia da palavra nos brinda com uma rica reflexão sobre a realeza de Jesus Cristo, o Crucificado-ressuscitado. A passagem do Evangelho de Lucas nos convida a contemplar Jesus como um rei que encarna uma profunda contradição em meio à história da humanidade: já pregado e pendurado na cruz, ele manifesta manifesta seu amor não só pelos que sofrem e são desprezados, mas o extende também àqueles que zombam d’Ele, O fazem sofrer e O desprezam.
Ao iniciar nossa reflexão, podemos já ter presente o que nos diz a primeira leitura (2 Sm 5,1-3), na qual o profeta Samuel nos fala do início do reinado do jovem Davi. Ele fez uma aliança com os anciãos, os quais o ungiram como Rei de todo o Israel. É bom recordar que Davi foi ungido Rei por causa da palavra de Deus que disse: “És tu que apascentarás meu povo Israel, és tu que quem serás o chefe de Israel”. Davi foi reconhecido pela história do povo de Deus como rei que promoveu o direito e a justiça para todo o povo (2 Sm. 8,15). Com o passar dos tempos os reinos do sul e do norte foram se corrompendo e se afastando da aliança de Deus. Para denunciar o abuso de poder e as infidelidades ao projeto de Deus, surgiu o profetismo em Israel. Deus suscitou no meio do povo profetas e profetisas. Essas pessoas tiveram como missão anunciar a vinda de um novo Ungido que reinasse com justiça trazendo esperança e paz na terra. As próximas leituras nos indicarão que em Jesus se cumpre essa profecia.
Mas a realeza de Jesus se distingue de tudo o que já se viu na história de Israel. Lembremos que o evangelho de Lucas (Lc 23,35-43) foi escrito por volta do ano 85 d.C. As comunidades viviam sob o domínio do Império Romano, que era marcado por guerras, perseguições, mortes e altas cobranças de impostos, muitas pessoas ficavam endividadas, sem terra e sem dignidade. E no evangelho Lucas apresenta Jesus realizando sua missão no meio de pessoas pobres, doentes, mulheres marginalizadas, estrangeiros, pecadores e excluídos.
O texto de Lucas hoje nos situa nos momentos finais de Jesus vividos na cruz. Em seus momentos finais, Ele ouve expressões de zombaria ditas por chefes, soldados e, inclusive, um dos ladrões que foi crucificado. Mas Jesus também ouve expressões de piedade e de clamor, ditas especificamente pelo outro ladrão crucificado. E, apenas a este ladrão, Jesus dá uma resposta redentora.
O texto inicia no versículo 35: “O povo ficava aí, olhando”, incluindo mulheres e homens observando a crucificação. Percebemos que desde o início Jesus é, por três vezes, alvo de zombarias, o que se evidencia através da expressão “salva-te a ti mesmo”. Jesus ignora tais fatos, pois seu objetivo era salvar a todos, sua missão é a de dar sua vida até as últimas consequências, que é a morte, e morte de cruz. A provocação continua quando os chefes o interrogam, e, inclusive um dos ladrões, ao perguntar: “não és Tu o Cristo?” Cristo é um título messiânico do Eleito de Deus. Mais adiante, soldados afirmam ironicamente “se Tu és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo”.
E havia também um letreiro acima designando o motivo da morte de Jesus: “Este é o Rei dos judeus”. O titulo de "rei" é atribuído a alguém que tem autoridade total dentro de determinada área e pode transferir esse poder e autoridade a um sucessor.
No Novo Testamento, alguns reis apenas governavam com a aprovação das autoridades romanas, não tendo, portanto, a possibilidade de passar adiante as suas prerrogativas. Por ocasião da crucificação de Cristo, dois títulos lhe são conferidos, um religioso e um político. O título religioso - Messias - o Eleito por Deus, e o título político se refere à qualificação de Rei, Rei dos judeus. Somente Cesar é soberano sobre todo o império, e só ele pode conceder títulos de realeza para defesa de seus interesses. Portanto Jesus é considerado, pela elite dominante, um transgressor da lei, divina e política, entretanto, não o é para os seus discípulos e demais seguidores: os pobres e os excluídos pela sociedade da época.
Percebemos no diálogo final, como este ladrão arrependido reconhece Jesus como um Rei verdadeiro e misericordioso. E por isso, o defende dizendo ao outro ladrão: “Você não teme a Deus, nem sofrendo a mesma condenação? Quanto a nós, é justo, pois estamos pagando por nossos atos, mas ele não fez nada de mal”. E clamou a Jesus: “Lembra-te de mim, quando vieres no teu Reino”. Jesus responde “eu lhe garanto, hoje mesmo você estará comigo no paraíso”. A resposta de Jesus é de acolhimento, e evoca que ele é Soberano sobre todas as coisas, é o primogênito dentre os mortos. Isto nos remete à profecia que encontramos no livro do profeta de Isaías ( Is 42, 1; 49,7; 52, 13-15; 53), que anuncia o messias-servo resistente e manso perante as forças do mal.
A segunda leitura de hoje (II Leitura Cl 1,12-20) nos aponta algumas características do reinado de Jesus. Conforme a carta aos Colossenses, que é atribuída a Paulo, a comunidade cristã se encontram de Colossos, cidade da Ásia Menor, procura respostas para as ameaças de ideologias que colocavam em dúvida questões de fé. Qual é o lugar ou espaço de Jesus Cristo neste contexto de confusões que a comunidade passava? Além disso, como explicar que um crucificado poderia dar sentido à vida? Em resposta a essas interrogações Paulo escreve afirmando que “o Pai nos tirou das trevas e nos transportou para o reino do seu Filho Amado”. E é em Jesus Cristo que se realizam a nova criação e a restauração de todo o Universo.
Mas como é este reino do Filho amado? O poema nos diz que é de redenção, perdão, reconciliação e paz para todos os povos. É de unidade: Jesus é a imagem de Deus, nós também - mulheres e homens - somos imagem de Deus. Deus habita em nós e nós em Deus. Quem fere seu irmão, sua irmã, está ferindo a Deus.
Jesus, o primogênito de todas as criaturas, está acima de qualquer autoridade, está acima de toda lei injusta e de toda mentira. Seu sangue derramado na cruz trouxe salvação para todos. O seu poder é de amor e por amor. Jesus nos convida a anunciar o seu reino desde o cotidiano que vivemos.
Deus Pai e Mãe continua a nos chamar à conversão, ao perdão de nós mesmos e com nossos semelhantes, e também nos reconciliar com toda a criação. Nós somos chamados a cuidar da nossa casa comum. Somos chamadas e chamados a cuidar uns dos outros, comprometendo-nos em defender toda vida ameaçada: não permitindo que a mãe-terra continue sendo explorada e tratada como mercadoria; não permitindo a violência contra os direitos dos pobres, pois assim como o Filho amado nossa missão é de serviço e doação da vida em prol de toda criação. Pois assim é do agrado de Deus.
Enfim, nesta festa solene do Cristo Rei do Universo os textos apresentados nos revelam o rosto misericordioso de Deus que vai ao encontro dos crucificados de hoje garantindo-lhes salvação. Nós cristãos, através do batismo, possuímos uma identidade única: nos tornamos sacerdotes e sacerdotisas, profetas e profetisas, reis e rainhas.
Jesus nos ensina a levar esperança aos que se encontram no leito da cruz desiludidos, depressivos, desprezados e humilhados em sua dignidade, garantindo-lhes que Deus os vê, os ouve e os acolhe e movido de compaixão os liberta.
Ser rei e rainha é seguir os passos do Rei crucificado e do servo que doa a vida para que outros tenham vida. É se comprometer na prática em viver seu reinado com amor e justiça. Com a graça de Deus, como poderemos recriar nossa casa comum? Como poderemos garantir um mundo melhor para nós e nossas futuras gerações? Como poderemos, no cotidiano, cuidar de nossas relações interpessoais?
Que o nosso compromisso com o batismo, guiados e guiadas pelo Espírito Santo, nos leve a ser coautores e coautoras da nova criação de Deus Pai e mãe. Que possamos caminhar confiante na esperança em Cristo Jesus, o Rei do universo que foi crucificado e ressuscitado por amor a nós.
Leia mais
- Cristo Rei ou Cristo servidor? Comentário de Adroaldo Palaoro
- Desce da cruz: a sedução dos algoritmos. Comentário de Ana Casarotti
- O olhar de Jesus por um delinquente
- Um Rei em “más companhias”
- Realeza des-centrada
- Realeza interior, nosso ser verdadeiro
- Cruz: “Misericórdia vulnerável” (Lc 23,35-43)
- Servir, não dominar
- Os Crucificados reconhecem seu Reinado
- Os pecados de omissão
- Os Crucificados reconhecem seu Reinado
- Os pecados de omissão
- Jesus, um ''rei ao contrário''
- O tesouro de Jesus Cristo e do Reino
- Lembra-te de mim
- O decisivo
- O Rei do Amor
- Jesus Cristo, Rei do Universo
- Cristo nos abriu a caminhada da ressurreição
- Solenidade de Cristo Rei
- Jesus Cristo, Rei do Universo
- Cristo, Rei do universo (Jo 18,33-37)
- Cristo, um rei servidor (Lc 23,35-43)
- Cristo, Rei Do Universo: um reinado do amor