A lição de Mamdani. Artigo de Gerardo Tecé

Zohran Mamdani | Foto: Anadolu Ajansi

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13 Novembro 2025

A proposta deles era baseada em uma boa dose de arrogância, que consistia em derrotar o rival em seu próprio terreno.

O artigo é de Gerardo Tecé, modelo e ator, publicado por Ctxt, 11-11-2025.

Eis o artigo.

Descobri o jovem Zohran Mamdani há quase um ano, da mesma forma que se descobre tudo o que é importante: através de um reel do Instagram. Depois de assistir a alguns vídeos desse cara se filmando com charme enquanto caminhava pelas ruas de Nova York, em campanha para prefeito, comecei a pesquisar sobre ele. Tudo o que encontrava tinha a ver com seu incrível talento para as redes sociais ou seus vídeos virais no TikTok, então imediatamente deixei de seguir sua campanha. Boa sorte, disse de casa para o que eu pensava ser apenas mais um truque publicitário baseado em curtidas, neste caso, curtidas de esquerda. Como tantas vezes acontece na vida, eu estava enganado. Redescobri-o alguns meses depois, no verão, quando o vasto oceano de reels me presenteou mais uma vez com uma mensagem em uma garrafa de Mamdani, que dizia: “Por muito tempo, a liberdade pertenceu apenas àqueles que podiam comprá-la”. Pareceu-me que, finalmente, alguém com potencial político havia arranjado as palavras certas para demolir a estrutura de uma era estúpida construída sobre a prostituição da palavra liberdade.

Aguardando sua posse em 1º de janeiro, Mamdani não é mais apenas uma sensação viral, mas o prefeito eleito da cidade de Nova York. Um prefeito que oferece várias lições importantes para aqueles de nós que somos propensos a cometer erros. A primeira pode ser extraída de seu discurso após o anúncio dos resultados da eleição, no qual derrotou o candidato daqueles que podem comprar qualquer liberdade que desejarem. Nesse discurso, Mamdani, que fez de sua identidade imigrante um tema central de sua campanha, dirigiu-se a Trump, a quem deve metade de sua vitória por seus ataques. "Tenho quatro palavras para Trump", disse ele, "porque ele certamente está nos observando: 'Aumente o volume', porque Nova York é uma cidade de imigrantes, construída por imigrantes, administrada por imigrantes e, de hoje em diante, liderada por um imigrante." Ao contrário daqueles que acreditam que a retórica fascista se combate argumentando com pontos que jamais serão ouvidos ou desmascarando mitos inesgotáveis, a proposta de Mamdani se baseava em uma boa dose de arrogância, consistindo em derrotar o oponente em seu próprio terreno. Ele não apenas abraçou a imigração, que outros apresentam como um problema, mas a tornou o foco central de sua campanha. Quer falar de liberdade? Vamos falar sobre como alguns compram essa liberdade. Quer falar de imigração? Vamos falar sobre aqueles que mantêm este país funcionando todos os dias. Este é Zohran Mamdani, hoje. Por essa razão, e não por seu carisma ou seus vídeos promocionais, seu sucesso é um evento significativo em meio a esta era medíocre de Mileis, Ayusos e Trumps.

Nova York não é os Estados Unidos, mas é o epicentro do capitalismo global, e seus moradores elegeram como prefeito um homem que se apresenta como socialista. Repito: Nova York governada por um socialista. Se isso não demonstra um sistema econômico falido, então Adam Smith deveria vir e ver com os próprios olhos. Mamdani é socialista, imigrante, muçulmano e possui todos os outros atributos que quisermos atribuir a ele, mas acima de tudo, é jovem. Um jovem que conseguiu representar os jovens, principais vítimas de um sistema insano que lhes oferece um futuro sombrio. Um futuro em que as liberdades básicas são negadas: moradia, saúde, trabalho digno, transporte acessível… Mamdani venceu a eleição com um slogan tão simples quanto poderoso: “Uma Nova York que você pode pagar”. Um slogan que se aplica a Madri, Málaga, Barcelona e Sevilha, porque o horizonte que o capitalismo apresenta é idêntico na Big Apple e em outros lugares.

A vitória de Mamdani é uma lição, principalmente para a esquerda, que até mesmo Kamala Harris acreditava ser capaz de derrotar o fascismo a partir do centro. Isso é falso, como já foi demonstrado inúmeras vezes, tão falso quanto a ideia de que se pode combater um frio congelante com água morna em vez de um banho quente. Se isso tivesse sido compreendido nos Estados Unidos em 2016, quando os democratas não conseguiam pensar em nada melhor do que tentar impedir o anti-establishment Trump com o próprio sistema chamado Hillary Clinton, o mundo seria um lugar menos patético hoje. Mamdani mostrou às organizações progressistas do mundo todo que a extrema direita é derrotada ao atacar seus supostos pontos fortes. Em meio a tantos políticos progressistas que têm medo e evitam pronunciar as palavras "liberdade" ou "imigração", é reconfortante ver que o caminho traçado pelo próximo prefeito de Nova York consiste em defender a liberdade e a imigração sem medo do que os poderosos irão dizer. Figuras poderosas que, aliás, fizeram campanha para Mamdani: sempre que Elon Musk tuitava chamando-o de imigrante, muçulmano ou socialista, Mamdani compartilhava a mensagem como quem compartilha uma medalha. Quando ele assumir o cargo, teremos que ver o que ele fará de errado. Por enquanto, é uma alegria observar seus sucessos.

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