12 Novembro 2025
A Oxfam apresenta um relatório sobre a desigualdade climática que alerta para a forma como os investimentos dos maiores acumuladores de carbono do mundo contribuem enormemente para o consumo do orçamento de carbono restante da Terra, antes de ultrapassar os limites do Acordo de Paris.
A reportagem é de Pablo Rivas, publicada por El Salto, 29-10-2025.
A desigualdade está crescendo globalmente, alimentada pela onda crescente do neoliberalismo e da extrema-direita. A riqueza dos bilionários está se multiplicando e crescendo três vezes mais rápido do que no ano passado, enquanto a maioria da população mundial está perdendo poder de compra. A situação não é diferente quando se trata de mudanças climáticas: o estilo de vida perdulário dos chamados "super-ricos" — aqueles que compõem o 0,1% mais rico da população mundial — gera em um único dia as mesmas emissões de gases de efeito estufa que uma pessoa na metade mais pobre da população emite em um ano inteiro.
Este é um dos dados mais impressionantes do último relatório da Oxfam Intermón sobre desigualdade climática, publicado duas semanas antes do início da XXX Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) — um dia antes do segundo aniversário da tempestade Dana que devastou Valência em 2024 — e que traz uma série de conclusões preocupantes para o futuro.
O ponto principal é que “os super-ricos estão esgotando o orçamento de carbono restante do mundo — ou seja, a quantidade de CO2 que pode ser emitida sem causar um desastre climático”, como afirma o documento. O título da pesquisa é ainda mais explícito: Saque Climático: Como uma Minoria Poderosa Está Levando o Mundo ao Desastre.
Novos dados divulgados na terça-feira revelam que um desses indivíduos super-ricos produz, em média, 1,9 milhão de toneladas de CO2 por ano por meio de seus investimentos, 346 mil vezes mais do que a pessoa média. Para se ter uma ideia da dimensão desse número, isso seria o equivalente a um de seus jatos particulares dar 10 mil voltas ao redor do mundo — justamente um dos itens de luxo que mais emite gases poluentes na atmosfera em benefício de uma única pessoa. Em termos de peso, eles emitem mais de 800 kg de CO2 por dia, em comparação com 2 kg para os 50% mais pobres da população.
Como acabar com o mau tempo em três semanas
Se os 8,1 bilhões de pessoas que vivem no planeta emitissem gases de efeito estufa na mesma proporção que os cerca de 8 milhões mais ricos, o orçamento de carbono que nos resta para evitar ultrapassar 1,5°C de aquecimento global médio — estimado em cerca de 130 gigatoneladas de CO2 a serem emitidas a partir do início de 2025 — se esgotaria em apenas três semanas. De fato, desde 1990, o 1% mais rico da população mundial é responsável pelo consumo de 15% desse orçamento.
Longe de moderar esse número para beneficiar gradualmente a humanidade e contribuir para a estabilidade do clima planetário, desde 1990 a porcentagem de emissões do 1% mais rico aumentou 13%, com dados coletados até 2023. Em contrapartida, a dos 50% mais pobres diminuiu 3%.
Retomando o extremo do espectro, as emissões per capita dos 0,1% mais ricos aumentaram em 92 toneladas entre 1990 e 2023, em comparação com o aumento de 0,1 tonelada do qual é responsável a metade mais pobre da população mundial.
Se ampliarmos a perspectiva para o nível nacional na Espanha, a situação é semelhante. "Na Espanha, o padrão se repete: uma pessoa nos 0,1% mais ricos gera 55 vezes mais emissões do que alguém nos 50% mais pobres", denuncia a confederação internacional de ONGs com sede em 19 países. Para atingir níveis sustentáveis, acrescentam, essa mesma pessoa teria que reduzir suas emissões em 99,4% até 2030, segundo cálculos da Oxfam.
Entre as inúmeras consequências que esse desperdício de gases de efeito estufa acarretará, a Oxfam destaca uma: "As emissões do 1% mais rico da população são suficientes para causar 1,3 milhão de mortes relacionadas ao calor até o final do século."
Dinheiro investido em lobistas para poluir mais
Mas as emissões provenientes do seu consumo são apenas um fator. "As pessoas mais ricas do mundo também administram, investem e lucram com empresas altamente poluentes", relata a organização. De acordo com seus dados, as emissões geradas pelas carteiras de investimento dos super-ricos — empresas das quais eles detêm pelo menos 10% — totalizaram 586 milhões de toneladas de CO2 equivalente em 2024, "mais do que as emissões combinadas de 118 países".
Os dados também indicam que 60% dos investimentos dos bilionários são feitos em "setores com alto impacto nas mudanças climáticas", como empresas de mineração ou de petróleo e gás.
A Oxfam também denuncia a possibilidade de "exercer influência injusta" na formulação de políticas e de minar as negociações climáticas. Um exemplo claro disso foram os 1.773 lobistas da indústria de combustíveis fósseis que foram credenciados na malfadada COP29 em Baku. Esse número é maior do que o total de representantes dos dez países mais vulneráveis à crise climática juntos.
De fato, a Oxfam afirma que diversos países altamente desenvolvidos e com altas emissões de carbono, como os Estados Unidos, o Reino Unido, a França e a Alemanha, acabam paralisando a legislação climática após receberem grandes doações de grupos de lobby anti-clima. “Devemos denunciar essas práticas e o imenso poder dos super-ricos, tributando suas riquezas exorbitantes, regulamentando sua participação e defendendo os mais afetados pela crise climática”, declara Lourdes Benavides, chefe de Justiça Climática da Oxfam na Espanha.
As soluções para essa situação são bem conhecidas. A confederação de ONGs destaca que o primeiro passo é reduzir drasticamente as emissões dos super-ricos, fazendo com que paguem pela poluição. Entre as medidas sugeridas estão impostos sobre a riqueza extrema, taxas sobre os lucros excessivos das empresas de combustíveis fósseis e apoio à Convenção das Nações Unidas sobre Cooperação Tributária Internacional. "Um imposto de 60% sobre a renda total do 1% mais rico do mundo poderia reduzir as emissões de carbono em um valor equivalente às emissões totais do Reino Unido e gerar cerca de US$ 6,4 trilhões", afirmam.
Dado o poder dos lobistas e dos indivíduos mais ricos, simplesmente proibir as empresas de combustíveis fósseis de participarem nas negociações climáticas seria um grande avanço, considerando os resultados modestos das discussões recentes. Aplicar regulamentações de sustentabilidade a empresas e instituições financeiras, e rejeitar acordos comerciais e de investimento como o ISDS, que priorizam os interesses dos super-ricos em detrimento do bem público, são outras medidas importantes.
Por fim, a Oxfam defende o fortalecimento da participação da sociedade civil e dos grupos indígenas nas negociações climáticas, abordando os efeitos desiguais da crise climática e adotando uma abordagem equitativa para o orçamento climático remanescente, comprometendo-se a garantir que as Contribuições Nacionalmente Determinadas (planos de descarbonização dos países) reflitam a responsabilidade histórica e a capacidade de agir.
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