10 Novembro 2025
As negociações mostrarão se a colaboração entre países para enfrentar a crise climática resiste ao boicote ativo dos EUA, enquanto o governo brasileiro está determinado a obter medidas concretas da primeira cúpula realizada na Amazônia.
A reportagem é de Raúl Rejón e Bernardo Gutiérrez, publicada por El Salto, 10-11-2025.
De 10 a 20 de novembro, o mundo se reúne na cidade brasileira de Belém do Pará para a Cúpula do Clima da ONU. A COP30 deve definir se essa forma coletiva de enfrentar a crise climática — o chamado multilateralismo — ainda tem suporte vital após o boicote ativo dos EUA ou se pode resultar em ações concretas depois de tantos discursos.
O próprio presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, colocou a barra alta: “Não é momento de mais discursos”. Mas a COP chega em um momento de “queda na confiança no multilateralismo” como caminho para avanços, afirma Joseph Dellate, chefe de estudos de energia e clima do Instituto Montaigne. Surge então a dúvida: esta cúpula servirá para salvar o multilateralismo e, ao mesmo tempo, obter progressos na luta contra o aquecimento global?
Multilateralismo é a palavra que paira sobre tudo. O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse a Lula ao chegar ao Brasil: “Obrigado por seu firme compromisso com o multilateralismo, agora que é o mundo o que está em jogo”. Mas o que é isso, afinal? Em princípio, trata-se simplesmente da colaboração entre países para enfrentar problemas comuns.
Essa abordagem parece feita sob medida para lidar com o grande problema comum da humanidade: a mudança climática. Foi o modelo que tornou possível o Acordo de Paris de 2015, um tratado legalmente vinculante alcançado por consenso, sem votações, no qual cada país se compromete a fazer o possível para conter o aquecimento global.
O Acordo de Paris salvou a ação climática após o fracasso da COP de Copenhague em 2009, que deveria renovar o Protocolo de Kyoto (do qual os EUA e o Canadá nunca participaram).
No entanto, cumprindo seu papel de “anátema” da cooperação internacional, o presidente dos EUA, Donald Trump, decidiu não enviar delegados de alto nível à COP30. Embora tenha anunciado em janeiro a saída dos EUA do Acordo de Paris, a retirada só se efetiva em um ano. Além disso, a COP é um evento da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC), da qual os EUA ainda participam. Ou seja: se não vão, é por vontade própria.
Os EUA bombardearam diretamente as negociações climáticas ao declarar oficialmente que não aceitarão nenhuma medida ambiental que prejudique seus interesses.
“Belém será a prova definitiva de se o multilateralismo pode responder à emergência climática ou se o sistema foi definitivamente capturado por interesses corporativos e dos países mais ricos”, resume Javier Andaluz, coordenador de clima da ONG Ecologistas en Acción, antes de embarcar para o Brasil.
A resposta parece estar na Europa, na China e na anfitriã, o Brasil. “Fui negociador climático por muitos anos e o que mudou é o sentimento de urgência atual”, explica André Corrêa, presidente da COP de Belém, que destacou a importância do sistema multilateral.
Ainda assim, esses três atores chegam com limitações: a União Europeia quase desembarca no Brasil sem um plano climático comum, a China prometeu reduzir levemente suas emissões após atingir o pico, e o Brasil acaba de aprovar novas perfurações petrolíferas.
O que pode sair de Belém?
Com as delegações já instaladas na Amazônia, o governo brasileiro pretende transformar a COP30 de Belém na “Cúpula das Implementações”. Apoiado na autoridade moral dos povos indígenas e no símbolo verde da floresta, o anfitrião quer direcionar sua “diplomacia cordial” ao campo ambiental — uma mistura de pragmatismo, ousadia e pressão popular.
O Brasil quer colocar o desmatamento no centro das discussões. O Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) é a principal proposta do governo Lula. O plano busca captar recursos para que países como Brasil, Indonésia e República Democrática do Congo sejam remunerados pelos “serviços ambientais” prestados por suas florestas tropicais. Nesta COP, o Brasil quer que o dinheiro prometido pelo Norte global não venha em forma de empréstimos, mas de doações.
“Um ponto importante do TFFF é que 20% dos fundos sejam destinados diretamente às comunidades tradicionais e povos indígenas”, afirma Ciro Brito, advogado e analista de políticas climáticas do Instituto Socioambiental (ISA) e negociador oficial na COP30. Além disso, o Brasil busca outros acordos paralelos: um pacto global para promover o uso de biocombustíveis (22,5% do combustível usado no país é bio) e a criação de um mercado único de carbono que ponha ordem e combata o greenwashing.
Mas o grande desafio continua sendo desligar a humanidade dos combustíveis fósseis — petróleo, carvão e gás — responsáveis por 75% das emissões globais. Reduzir essas fontes é o que se chama de mitigação nas COPs.
“Em mitigação, não vamos conseguir muito, porque os planos nacionais, como o da União Europeia, chegaram atrasados”, explica Andaluz. “O que vemos é que o Brasil, querendo um resultado positivo, pode fechar acordos entre grupos de países, mas não um acordo global. E isso, com pouca força legal, já nasce como papel molhado”, conclui.
Povos indígenas
Os povos indígenas terão presença histórica na COP30. Além de estarem representados em painéis na Blue Zone, eles terão uma aldeia própria na Green Zone, destinada à sociedade civil. Célia Xakriabá, única deputada indígena do Brasil (PSOL), afirmou ao elDiario.es que a COP na Amazônia representa uma oportunidade de mudança concreta: “Nós, indígenas, não queremos mais ser vistos como parte da paisagem, mas como sujeitos políticos de um novo tempo. Estamos prontos para construir um pacto vivo entre povos, florestas e futuros possíveis”.
O Brasil também trará para o lado não oficial da COP30 um de seus legados sociais mais importantes: a Cúpula dos Povos, criada na Cúpula da Terra (Rio-92) e peça central do movimento antiglobalização do Fórum Social Mundial (nascido em 2001 em Porto Alegre). Essa contra-cúpula reunirá movimentos sociais de todo o mundo. “A presença de quatro mil indígenas colocará pressão nas negociações. A Cúpula dos Povos faz debates temáticos e entrega uma carta crítica à presidência no final — isso ajuda a mudar o cenário das negociações”, explica Ciro Brito.
No dia 12, uma manifestação fluvial partirá da Cúpula dos Povos pelo rio Guamá, e no dia 15 ocorrerá a Marcha Global Unificada. Belém ainda traz inovações populares: as Yellow Zones (debates em periferias e favelas) e uma Black Zone dedicada ao racismo ambiental. Ruth Ferreira, coordenadora das sete Yellow Zones, afirma: “Queremos mostrar como o racismo ambiental e a crise climática atingem as periferias. Cada zona tem sua particularidade, queremos que as pessoas se sintam parte do debate climático e se vejam como agentes de mudança.”
Assim, a partida decisiva se joga em Belém — cidade onde, antes das mudanças climáticas, o aguaceiro da tarde era tão certo que a população marcava compromissos apenas “depois da chuva”. Agora, às vésperas da estação úmida, a previsão para os negociadores é um recado direto da Terra: mais calor e bem menos chuva do que o habitual.
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