07 Novembro 2025
"É o sonho da inteligência artificial. Se toda a fisiologia e patologia do nosso corpo são controladas pelo cérebro, por que não controlar também o controlador? E, de fato, estamos chegando lá, fascinados pela ideia de que podemos controlar tudo: vida e morte, saúde e doença, vulnerabilidade e invulnerabilidade", escreve Umberto Galimberti, filósofo, antropólogo e psicólogo italiano, em artigo publicado por La Repubblica, 05-11-2025.
Eis o artigo.
Pelo termo "técnica", entendemos tanto o universo de meios (tecnologias) que coletivamente compõem o aparato técnico, quanto a racionalidade que rege seu uso em termos de funcionalidade e eficiência. Consiste em atingir os objetivos máximos com o mínimo uso de meios.
Apesar de sua aparente simplicidade, essa racionalidade é a mais elevada e rigorosa já alcançada na história. É a mesma buscada pela economia, com a diferença de que a economia ainda abriga uma paixão humana: a paixão pelo dinheiro, da qual a tecnologia está completamente isenta. Nesse ponto, o primeiro critério de legibilidade que deve ser modificado na era da tecnologia é o tradicional que vê o homem como sujeito e a tecnologia como uma ferramenta à sua disposição, que pode ser usada para o bem ou para o mal, dependendo das decisões humanas. Isso pode ter sido verdade no mundo antigo, quando o equipamento técnico era modesto, mas hoje, devido ao seu aumento quantitativo e qualitativo, a tecnologia não é mais uma ferramenta nas mãos do homem para dominar a natureza, mas é o mundo em que o homem habita, o que o rodeia e o constitui segundo as regras daquela racionalidade que, medindo-se pelos critérios de funcionalidade, eficiência, produtividade e velocidade do tempo, não hesita em subordinar as próprias necessidades do homem às necessidades do aparato técnico. Neste ponto, surge a inevitável pergunta: "Mas os fins da tecnologia também são os nossos fins?"
Enquanto o equipamento técnico disponível era apenas suficiente para atingir esses fins que expressavam a satisfação das necessidades humanas, a tecnologia era um simples meio cujo significado era totalmente absorvido pelo fim. Mas quando a tecnologia aumenta quantitativamente a ponto de tornar-se disponível para a realização de qualquer fim, então o cenário muda qualitativamente, porque não é mais o fim que condiciona a busca e a aquisição de meios técnicos, mas a maior disponibilidade de meios técnicos que amplia o leque de qualquer fim que, por meio deles, pode ser alcançado.
Assim, a tecnologia deixa de ser um meio para se tornar um fim, não porque a tecnologia proponha algo, mas porque todos os objetivos e fins que os homens estabelecem para si mesmos não podem ser alcançados a não ser por meio da mediação técnica. A expressão muito contestada de Maquiavel, "os fins justificam os meios", na era da tecnologia, já não faz sentido, não porque um grau mais elevado de moralidade tenha sido alcançado, mas porque nenhum fim justifica mais os meios, uma vez que apenas a disponibilidade dos meios justifica a possibilidade de se atingir um fim. O antropocentrismo, contexto em que a tecnologia nasceu e se desenvolveu, já não é o lugar onde os destinos humanos podem ser decididos, nem com a ética individual nem com a ética coletiva representada pela política, porque a tecnologia se afastou desse lugar, uma vez que os meios técnicos tornaram-se tão poderosos e abrangentes que reduziram o homem a um funcionário do aparato técnico, o verdadeiro sujeito da história, em relação ao qual, como diz Heidegger em Além da Metafísica (1951), o homem se configura cada vez mais como um "empregado (Bestellt)", isto é, curvado ao seu funcionamento e eficiência, se não se tornando de fato material da tecnologia, aliás, "a matéria-prima mais importante (Der Mensch der wichtigste Rohstoff ist)".
Aqui, o horizonte antropocêntrico se dissolve completamente porque o poder não pertence mais ao homem, mas à tecnologia, que dita seu uso ao suposto detentor do poder (o homem), tornando este último um mero executor de possibilidades técnicas, que são exercidas sobre a natureza e sobre o homem, que a elas se submetem passivamente.
A memória cultural, graças ao seu traço narrativo que reatualiza o passado através da memória e o futuro através do planejamento, permitiu ao homem orientar-se na história. Hoje, essa memória foi substituída pela memória técnica, que nos tornou a-históricos, pois, como Giacomo Marramao escreve acertadamente em Potere e secolarizzazione (1983): "O futuro não é mais intencionado e concebido como uma finalidade, mas como um palco a ser queimado: ele existe apenas para ser consumido o mais rápido possível e depositado atrás da margem perigosamente pequena que resta para a experiência". Além disso, a memória do computador não nos pede para pensar, mas apenas para digitar, porque acredita, como alerta Jean-François Lyotard em O Desumano (1988), que "pode-se pensar sem um corpo". Este é o sonho da inteligência artificial. Se, de fato, toda a fisiologia e patologia do nosso corpo são controladas pelo cérebro, por que não controlar também o controlador?
É o sonho da inteligência artificial. Se toda a fisiologia e patologia do nosso corpo são controladas pelo cérebro, por que não controlar também o controlador? E, de fato, estamos chegando lá, fascinados pela ideia de que podemos controlar tudo: vida e morte, saúde e doença, vulnerabilidade e invulnerabilidade.
A ideia de poder antecipar eventos, sondar preferências, decompor a vida emocional em seus componentes elementares, para melhor compreendê-los e, se necessário, manipulá-los, é um puro prazer de poder, pelo qual a memória do computador, na forma de inteligência artificial, parece ter se apaixonado e, em sua euforia vertiginosa, não teme usar até mesmo humanos como matéria-prima. No entanto, a sabedoria grega nos lembra que aqueles que não conhecem seus limites têm motivos para temer o destino.
Essa advertência ressoa perfeitamente com a mensagem judaico-cristã, onde Deus adverte contra a familiaridade excessiva com a árvore do conhecimento. O Ocidente, que nasceu dessas duas fontes, esqueceu-se desse aviso e está se aventurando nesse exercício de poder que despoetiza a alma.
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