06 Novembro 2025
O ministro dos Assuntos da Diáspora chamou o novo prefeito de "bandido que apoia" o Hamas, e o ministro da Segurança Nacional lamentou o triunfo do "antissemitismo sobre o bom senso".
A informação é de Antonio Pita, publicada por El País, 05-11-2025.
A vitória de Zohran Mamdani em Nova York está sendo sentida em Israel nesta quarta-feira como uma derrota. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu (que nunca perde a oportunidade de descrever Donald Trump como "o melhor amigo que Israel já teve na Casa Branca") mantém um silêncio revelador sobre a eleição de um socialista muçulmano como prefeito da cidade com a maior comunidade judaica fora de Israel. Três de seus ministros, no entanto, se manifestaram. Amichai Chikli, o controverso funcionário encarregado das relações com as comunidades judaicas fora de Israel e da luta contra o antissemitismo, o chamou de "o mais recente dos bandidos que apoiam os estupradores e assassinos do Hamas" e o acusou de defender "posições semelhantes" às dos autores dos ataques de 2001 às Torres Gêmeas. E o ministro da Segurança Nacional, o ultraconservador Itamar Ben-Gvir, lamentou "o triunfo do antissemitismo sobre o bom senso". Na imprensa nacional, as manchetes variam da decepção à histeria islamofóbica.
Em uma longa mensagem na plataforma de mídia social X, Chikli instou os mais de um milhão de judeus residentes na área metropolitana de Nova York a se estabelecerem em Israel, país que concede cidadania automaticamente a qualquer pessoa com pelo menos um avô ou avó judeu. “Convido vocês a considerarem ativamente seu novo lugar na Terra de Israel”, o termo bíblico que engloba tanto Israel quanto a Palestina, porque “a cidade que outrora foi um símbolo da liberdade global entregou suas chaves a um simpatizante do Hamas”.
“Este é um ponto de virada crucial para Nova York. A decisão tomada mina os próprios alicerces do lugar que proporcionou liberdade e oportunidades de sucesso a multidões de refugiados judeus desde o fim do século XIX”, continuou. Chikli, um dos principais defensores da política de formação de alianças com a extrema-direita europeia e amigo do líder do Vox, Santiago Abascal (com quem participou de um evento para o partido espanhol de extrema-direita em Madri), previu que a cidade “nunca mais será a mesma, especialmente para a sua comunidade judaica”, porque “está caminhando de olhos bem abertos em direção ao abismo em que Londres mergulhou”, cidade que também tem um prefeito muçulmano, Sadiq Khan, desde 2016. “É uma vergonha desperdiçar palavras dizendo que tudo ficará bem: nada ficará bem nesta cidade”, concluiu o ministro.
Pelo menos um terço dos judeus de Nova York pensa diferente, tendo votado em Mamdani, segundo uma pesquisa de boca de urna da CNN. Essa porcentagem é a mesma entre os católicos e apenas 9 pontos percentuais menor do que entre os protestantes e outros ramos do cristianismo. Outro ministro de extrema-direita, Amichai Eliyahu, os descreveu como judeus que odeiam outros judeus. “Eles estão entre nós desde os primórdios da nossa história [...] É uma realidade dolorosa, mas concreta, que também vemos em Israel”.
Apesar da narrativa de Chikli, o novo prefeito condenou (usando as palavras "horrível crime de guerra") o ataque do Hamas em outubro de 2023, que deixou cerca de 1.200 mortos e 251 reféns, dos quais apenas sete corpos permanecem em Gaza. O movimento islâmico prometeu devolvê-los como parte do cessar-fogo, tendo entregado 21 nas últimas semanas, o último nesta terça-feira.
Mas Mamdani também acusou Israel de ter lançado uma guerra genocida em Gaza (em consonância com o crescente consenso acadêmico) e prometeu prender Netanyahu (cuja prisão é solicitada desde o ano passado pelo Tribunal Penal Internacional por supostos crimes de guerra e crimes contra a humanidade) caso ele pise em solo nova-iorquiono.
No mês passado, o ministério das Relações Exteriores de Israel respondeu diretamente a um tuíte de Mamdani (na época, apenas um candidato a prefeito) sobre o segundo aniversário do ataque do Hamas e da subsequente invasão. Acusou-o de "agir como porta-voz da propaganda do Hamas", que "justifica o terrorismo e normaliza o antissemitismo". "Ele só está do lado dos judeus quando eles estão mortos. Vergonhoso", declarou o Ministério das Relações Exteriores de Israel.
“Antissemita declarado”
Essa também foi a linha adotada por Ben Gvir na quarta-feira, quando classificou o novo prefeito como um “inimigo de Israel e um antissemita declarado”. Avigdor Lieberman, membro do parlamento e líder do partido de oposição Yisrael Beiteinu, chamou-o de “populista, racista e islamista” em uma publicação nas redes sociais acompanhada de uma foto que justapõe seu rosto e imagens dos ataques às Torres Gêmeas com a frase em hebraico: “Eles se esqueceram!” Ele também instou os judeus de Nova York a emigrarem para Israel.
Na imprensa nacional, a maioria das manchetes desta quarta-feira se concentra nas posições do novo prefeito em relação ao conflito palestino-israelense, em sua condição de muçulmano ou em como sua vitória afetará a comunidade judaica local, assunto ao qual Mamdani fez uma breve menção em seu discurso.
O jornal Maariv dedica um artigo à reunião de centenas de manifestantes após a vitória, onde entoavam cânticos de “Palestina Livre”. A manchete: “Imagens arrepiantes de Nova York: o pior pesadelo de Israel já está se tornando realidade?” O Israel Hayom, outro jornal de direita, seleciona algumas vozes não oficiais para se concentrar em como — “de Gaza ao Catar”, como afirma a manchete — o “eixo islâmico” no Oriente Médio está celebrando o triunfo. Ilustra a reportagem com uma foto de Mamdani pedindo knafe (um doce típico da região) em uma loja onde uma bandeira palestina está hasteada ao fundo.
O Canal 14, islamofóbico e um dos favoritos dos apoiadores da coalizão de Netanyahu (a mais à direita da história de Israel), enfatizou em sua manchete que Mamdani começou seu discurso em árabe. Zvi Yehezkeli, comentarista de assuntos árabes da rede i24, pediu que "nos lembrássemos deste dia" porque o prefeito eleito faz parte de uma "jihad silenciosa" que "conquistará o mundo inteiro, especialmente o Ocidente". "Trinta anos depois dos aviões atingirem as Torres Gêmeas, o prefeito de Nova York é muçulmano", acrescentou.
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