31 Outubro 2025
"Se vocês me perguntam como é a situação em Gaza hoje, eu diria que aqui se prende a respiração recusando-se a parar de viver, pequena e tenaz brecha, mesmo agora, para insistir sobre o valor da vida que sobrou", escreve Majd al-Assar, habitante de Gaza, em artigo publicado por La Stampa, 30-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Escrevo estas linhas pouco depois do amanhecer, quando o céu sobre Gaza passou de um preto profundo para um azul pálido pouco convincente. A cor mudou. Os sons, não. Da nossa casa no campo de Nuseirat, a noite se desenrolou impiedosamente: caças-bombardeiros à distância, drones tão baixos que faziam as janelas vibrarem com seus rotores, sirenes de ambulâncias rasgando a escuridão sem nunca se dissiparem completamente antes que outras assumissem o lugar.
O número de mortos ao amanhecer
Desde a noite passada até o início da manhã, bombardeios atingiram várias partes da Faixa com um ritmo que quem está vivo aprendeu a antecipar, mas nunca a aceitar. Ao amanhecer, os mortos são contados: pelo menos 104, 46 deles crianças. A luz do dia revela o que a escuridão esconde.
Com a luz, os números aumentam e os nomes começam a chegar.
No corredor da vida
Passamos a noite perto das paredes mais internas, com colchões no chão, retirados dos quartos, e os sapatos ao lado da porta. Houve pouca conversa, com palavras escapando durante os poucos segundos entre as explosões: "Vocês estão bem?", "Estamos aqui", "E as crianças?", "Estão tentando dormir". Os drones sobrevoavam-nos, tão baixo que seu zumbido mecânico servia de metrônomo para a noite. A cada poucos minutos, o céu cintilava com luz, não por festejo, mas por advertência. E depois da luz, após alguns instantes, seguiam-se arrepios que feriam concreto e pulmões. No Hospital Al-Aqsa, Israel prometeu uma resposta enérgica ao que considera violações do cessar-fogo e do plano de paz. No terreno, essa promessa se traduziu em tremores e clarões repentinos, e no Hospital Al-Aqsa, em Deir al-Balah, os corredores já estão lotados antes do amanhecer. "Recebemos centenas de feridos", relata Ali al-Taharawi, cirurgião da sala de emergência. "Alguns foram retirados dos escombros de prédios que desabaram. Estamos realizando reanimações desde o amanhecer. Nos casos mais graves, vários especialistas precisam intervir simultaneamente. Perdemos muitos na mesa de cirurgia... A maioria eram crianças. Seus frágeis corpos não resistiram a ferimentos tão graves." Sua voz é firme e cansada.
As tendas em Az-Zawayda
Depois da meia-noite, espalha-se a notícia de que uma bomba atingiu uma fila de tendas na periferia de Az-Zawayda, um lugar modesto que agora abriga milhares de pessoas deslocadas da Cidade de Gaza. Algumas famílias se instalaram ali porque não há alternativas. As casas onde se abrigavam à noite, trancando-se a chave, agora pertencem ao passado. Entre os mortos está Fadi, de quatro anos. E sua irmã Sara, de sete. O pai os enterrou em um funeral rápido. Um amigo escreveu online: "Gaza hoje é isto: um lugar onde pessoas são mortas à noite, e os políticos dizem que não passa de um tapa na orelha." A frase diz tudo: a distância entre retórica e realidade é medida em metros e minutos.
O que a manhã revela
Com a primeira luz, os bairros expõem o balanço de mais uma noite: janelas quebradas, portões em pedaços encostados nos muros, fachadas que desabaram não pela idade, mas pelos alarmes. Crianças caminham por entre as vielas carregando pão como se fosse de porcelana. Uma criança aponta para uma coluna de fumaça no horizonte e diz simplesmente: "Ali".
A luta para continuar sendo humanos
Palavras como "trégua", "violação" e "proporção" serão discutidas em outro momento. Aqui, o vocabulário usado é muito prático: qual estrada está aberta? Onde há água? Quem está desaparecido? O gerador ainda está funcionando? A vida e a emergência se sobrepõem. Uma chaleira esfria sobre uma mesa, enquanto chega uma mensagem pedindo sangue tipo O positivo. Um vizinho divide o último pão. Alguém vai verificar como está um idoso a duas ruas de distância.
Depois da noite
Enquanto escrevo estas notas, o dia está ficando mais quente do que deveria. Nas sacadas tremulam as roupas postas para secar, como se para reafirmar que aqui também a vida cotidiana reivindica seu direito. No Hospital Al-Aqsa, as salas de cirurgia continuam a trabalhar. Do lado de fora dos portões, parentes aguardam notícias que lhes dirão se poderão respirar melhor ou se terão que se abraçar novamente. Se vocês me perguntam como é a situação em Gaza hoje, eu diria que aqui se prende a respiração recusando-se a parar de viver, pequena e tenaz brecha, mesmo agora, para insistir sobre o valor da vida que sobrou.
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