25 Outubro 2025
Mais de 2 mil empresas e oito milhões de usuários foram afetados pela interrupção da AWS. Especialistas alertam que a estabilidade da rede depende muito desses serviços, fornecidos por algumas empresas americanas.
A informação é de Patrícia Fernández de Lis, publicada por El País, 24-10-2025.
Mensagens do Signal. Buscas por Pokémon. Venda de ingressos para a aguardada nova turnê La Oreja de Van Gogh. Até mesmo as camas inteligentes da Eight Sleep, que se inclinaram e começaram a torrar os clientes vivos. Os serviços e aplicativos de mais de 2 mil empresas em todo o mundo foram afetados na segunda-feira por uma interrupção na Amazon Web Services (AWS), a nuvem da Amazon e o ponto mais importante nos esgotos da internet. De acordo com o site Downdetector, que monitora a atividade na web, até 8,1 milhões de reclamações de usuários em todo o mundo foram registradas em poucas horas.
Muitos dos serviços inativos foram restaurados após algumas horas, mas alguns continuaram apresentando problemas ao longo do dia. Na noite de segunda-feira, a Amazon afirmou que a AWS havia retornado às operações normais. A questão agora, dizem os especialistas, é até que ponto a infraestrutura global da internet se tornou excessivamente dependente de alguns provedores de serviços em nuvem e se existe uma solução.
O caos começou às 3h11, horário do leste (EST) nos Estados Unidos; 9h11, horário da Península Espanhola (CST). Naquela época, uma região de nuvem da Amazon — US-EAST-1 (Norte da Virgínia) — registrou suas primeiras interrupções: aumento de latência, erros de conexão e uma falha na resolução de nomes de domínio (DNS), que permite que você visite um site quando digita seu endereço no navegador. As interrupções afetaram milhares de plataformas, jogos, aplicativos e sistemas (Snapchat, Fortnite, Duolingo, Canva, Alexa, etc.) que dependem da AWS. A causa raiz foi uma falha na resolução de DNS dos pontos de acesso ao DynamoDB, um banco de dados interno do qual dependem vários serviços da AWS. Embora esse problema tenha sido resolvido em poucas horas, a dependência fez com que muitos serviços parassem de funcionar corretamente, acumulando falhas em cadeia que levaram muitas horas para serem totalmente mitigadas. A Amazon se recusou a fornecer mais detalhes.
“Vamos pensar na nuvem da Amazon Web Services como uma rede de rodovias usada por milhares de usuários simultâneos todos os dias [neste caso, empresas]”, reflete Hervé Lambert, gerente global de operações de consumo da Panda Security. “Quando uma das principais saídas dessas rodovias é interrompida, isso não afeta apenas um veículo, mas todos aqueles que precisam usar essa saída e, portanto, engarrafamentos se formam em sucessão. Foi mais ou menos isso que aconteceu quando a AWS caiu”, explica.
Mas o que é a AWS e por que ela é tão importante para tantos aplicativos e serviços? A Amazon Web Services é a principal provedora de nuvem do mundo. A Amazon não é a única nesse mercado; Google e Microsoft também têm suas próprias nuvens. Mas ela é a mais importante: 70 milhões de sites usam a AWS, de acordo com a Built With.
A Amazon lançou sua nuvem em 2006, mudando radicalmente a internet. O que a empresa fez foi oferecer infraestrutura sob demanda para empresas e governos. Basicamente, ela colocou suas máquinas para trabalhar para que aplicativos, sites e serviços online pudessem funcionar sem que cada empresa precisasse de seus próprios servidores físicos. Hoje, a maioria das empresas de internet usa nuvens como a da Amazon por razões de custo, flexibilidade, manutenção e segurança; caso contrário, teriam que comprar servidores físicos e tudo o que isso implica — rede, licenças de software, manutenção, equipe, etc. Então, esse modelo se consolidou, e a nuvem é um dos grandes negócios do século XXI: até 2024, o mercado global de computação em nuvem atingirá aproximadamente US$ 752 bilhões em receita, de acordo com estimativas da Grand View Research.
Mas a interrupção de segunda-feira demonstra uma dependência quase global de um punhado de empresas, e em particular da região da Costa Leste dos EUA — onde muitos desses serviços são hospedados — muitos serviços e aplicativos dependem exclusivamente de uma única nuvem e, quando isso falha, o que poderia ser uma força (permitir que seu negócio seja gerenciado por um especialista) se torna uma fraqueza brutal.
“Precisamos distribuir onde nossos dados são hospedados, e podemos conseguir isso usando vários provedores de nuvem. Google e Microsoft oferecem alternativas e, sempre que possível, as empresas devem implementar sistemas de segurança com outros provedores. No entanto, isso é caro e nem sempre viável; além disso, não funciona para todos”, explica Jake Moore, especialista da empresa internacional de segurança cibernética ESET.
“Uma das vulnerabilidades mais críticas que observamos no uso desse tipo de hiperprovedor são os componentes comuns que todos eles compartilham. Se o componente que controla, por exemplo, o acesso falhar, toda a internet pode cair de uma só vez”, concorda Lambert. Mas o problema não decorre apenas do uso de um único provedor; também decorre da dependência de uma única região. “A concentração regional é outro ponto a ser analisado. Muitas cargas de trabalho críticas estão concentradas em uma única região e, se essa região âncora falhar, todo o domínio do cliente cai”, afirma este especialista da Panda Security, que resume: “A internet está operando com poucos gerentes centrais e muitas funções críticas estão concentradas em pouquíssimos operadores que regulam a vida digital. E se um desses provedores falhar, uma falha em cascata como a que vivenciamos na segunda-feira pode ocorrer.”
Cori Crider, diretora do The Future Institute, é altamente crítica em relação ao que aconteceu: “Isso mostra que deixar grandes partes da economia digital da Europa dependentes de alguns monopólios dos EUA nos colocou em uma posição perigosa e frágil, da qual precisamos escapar o mais rápido possível”. Essa especialista em direitos digitais reflete: “Essa interrupção do serviço é mais um lembrete de que a Europa permitiu que os monopólios do Vale do Silício controlassem grande parte de nossa infraestrutura tecnológica crítica, e isso acarreta enormes riscos econômicos e de segurança”.
A dependência excessiva do Vale do Silício
Alguns especialistas, no entanto, contextualizam esse declínio e acreditam que os benefícios da nuvem superam em muito os riscos. "Ter um terço da internet online novamente em apenas algumas horas é realmente notável e deve servir de lição tanto global quanto localmente", diz Moore. Lydia Leong, analista do Gartner, explica: "Este não é um evento sem precedentes nem uma evidência de que a nuvem seja inerentemente instável. Na verdade, seguiu um padrão familiar que vimos em todos os provedores na última década: um incidente regional que durou menos de um dia."
Existe uma solução para essa dependência extrema e, mais importante, é desejável? Especialistas discordam. "Até que uma alternativa adequada seja criada, continuaremos a ver esses problemas crescerem e se agravarem", afirma Jack Moore. Para Lambert, a internet opera cada vez mais em algumas rodovias privadas, e isso é bom "porque nos permite ir mais rápido, mas quando há engarrafamentos, quase todo mundo para". Em sua opinião, a solução não é fugir da rodovia, mas sim "estabelecer saídas de emergência: outras rotas alternativas, backups fora da nuvem, uma chave reserva e ensaios regulares".
Crider é muito mais crítica: “A principal lição deste evento é que a resiliência nasce da diversidade e do controle local. A interrupção da AWS demonstra como o poder concentrado fragiliza a internet. E isso não é apenas um risco tecnológico: é também um risco democrático e político.” A resposta, diz ela, é “trazer equilíbrio ao sistema. A Europa tem o talento e a capacidade para fazer isso, mas levará tempo e investimento sustentado.” Leong, no entanto, permanece confiante neste sistema: “Interrupções na nuvem ganham manchetes porque afetam muitas pessoas ao mesmo tempo, mas o contexto importa: a nuvem pública continua sendo a melhor opção para infraestrutura escalável se você investir em resiliência desde o início.”
Um ex-engenheiro da AWS coloca de forma semelhante, mas em termos mais simples: “Isso é como um acidente de avião, o que é muito impressionante... mas, na realidade, viajar de avião é muito mais seguro do que viajar de carro.”
Leia mais
- A nuvem da internet cai, todos nós caímos. Artigo de Esther Paniagua
- “Os ‘tecnolords’ controlam as nossas mentes”. Entrevista com Yanis Varoufakis
- Somos humildes servos dos senhores da nuvem: bem-vindos ao tecnofeudalismo. Artigo de Yanis Varoufakis
- O tecnofeudalismo está dominando. Artigo de Yanis Varoufakis
- “Tecnofeudalismo” ou o capitalismo de sempre?
- Plataformas: Capitalismo sem freios ou tecnofeudalismo?
- “O tecnofeudalismo é uma espécie de capitalismo canibal”. Entrevista com Cédric Durand
- “A lógica do tecnofeudalismo possui uma ascensão contínua sobre nossas vidas”. Entrevista com Cédric Durand
- A esquerda, o capitalismo e o mercado. Artigo de Alberto Leiss
- “Para o capitalismo, a vida humana é um efeito colateral”. Entrevista com Yayo Herrero
- A financeirização dos serviços públicos no Brasil está atrelada à lógica de acumulação cada vez mais agressiva do capitalismo em crise – Parte I. Entrevista especial com David Deccache
- As voltas que o capitalismo dá. Artigo de Carolina Dantas
- “O capitalismo matou o capitalismo”. Entrevista com Yanis Varoufakis