16 Outubro 2025
Após um processo legislativo de cinco anos, o Senado autorizou a morte digna em casos de doenças incuráveis e sofrimento extremo.
A reportagem é de Gabriel Díaz Campanella, publicada por El País, 16-10-2025.
Nesta quarta-feira, o Uruguai se juntou ao pequeno grupo de países no mundo que autoriza e regulamenta a eutanásia em circunstâncias estritas de doença incurável e sofrimento extremo. Com 20 votos a favor de um total de 31, o Senado encerrou uma prolífica jornada legislativa de cinco anos que capturou a atenção de uma sociedade quase sempre inclinada à expansão de direitos: 62% dos uruguaios se manifestaram a favor dessa legalização, segundo a consultoria Cifra. O projeto de lei foi apoiado por todo o bloco progressista da Frente Ampla, dois senadores do Partido Colorado e um senador do Partido Nacional, ambos de centro-direita.
Com a aprovação final do projeto de lei "Morte Digna", o Uruguai se torna o primeiro país da América Latina a legalizar a eutanásia por meio do processo parlamentar necessário para a aprovação de qualquer lei, o que, neste caso, envolveu longas horas de debate interpartidário, além de audiências nas quais foram recebidas e ouvidas mais de 60 organizações que passaram pelas comissões de saúde de ambas as casas. Isso diferencia o Uruguai de países como Colômbia e Equador, onde o procedimento foi descriminalizado por decisões do Tribunal Constitucional e existe um protocolo do Ministério da Saúde, mas o Congresso ainda não o legalizou.
O texto aprovado estabelece que pode se valer desse direito qualquer pessoa adulta que esteja “mentalmente apta” e em “fase terminal de patologia incurável e irreversível” ou que, em decorrência dessa doença, “sinta sofrimento insuportável” e esteja vivenciando “grave e progressiva deterioração de sua qualidade de vida”.
O paciente que optar por fazê-lo deverá solicitar a eutanásia pessoalmente e por escrito, desde que seja cidadão uruguaio ou residente estrangeiro. A eutanásia será realizada para que sua morte ocorra de forma "indolor, pacífica e respeitosa", segundo a lei.
A Lei da Morte com Dignidade foi precedida por um debate social, acadêmico e político tão intenso quanto aqueles que levaram à legalização do aborto, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e à regulamentação do mercado de cannabis, que há mais de uma década — com José Pepe Mujica no comando do governo — colocou o Uruguai entre os países mais proeminentes na agenda progressista de direitos humanos.
Neste caso, o ponto de partida foi Fernando Sureda, figura conhecida da associação uruguaia de futebol, que em 2019 pediu a legalização da eutanásia para acabar com o sofrimento causado pela esclerose lateral amiotrófica (Ela), que causou sua morte em 2020.
Naquele ano, o então deputado do Partido Colorado, Ope Pasquet, apresentou um projeto de lei de descriminalização da eutanásia que recebeu contribuições de parlamentares da Frente Ampla e foi aprovado na Câmara em outubro de 2022. No entanto, o projeto não conseguiu passar pelo Senado, que era dominado na época por setores conservadores, particularmente o Partido Nacional. Nunca passou pela Comissão de Saúde. O novo projeto de lei da Frente Ampla, inspirado naquele texto, foi aprovado na Câmara dos Deputados em agosto passado e, após um longo dia de apresentações, recebeu a aprovação do partido governista e de três membros da oposição nesta quarta-feira.
Seus proponentes destacaram a precisão das definições e o sistema de salvaguardas que garantirá sua aplicação, inspirado em legislação com mais de 20 anos, como a dos Países Baixos. Além disso, a lei prevê a criação de uma comissão honorária que avaliará anualmente os casos de eutanásia e apresentará relatórios ao Ministério da Saúde e ao Parlamento. Todos os prestadores de serviços do Sistema Nacional de Saúde devem fornecer "os serviços necessários" para o exercício deste direito regulamentado, afirma o texto.
De acordo com essa lei, o paciente que solicitar a eutanásia deverá fazê-lo pessoalmente, perante um médico, que deverá informá-lo sobre os cuidados paliativos e avaliar se as condições estão reunidas no prazo máximo de três dias. Será necessário um parecer concordante de um segundo médico independente — no prazo de cinco dias — ou de uma Junta Médica, em caso de desacordo, também no prazo de cinco dias. Em uma segunda entrevista, o paciente poderá expressar seus últimos desejos — "sempre revogáveis" — por escrito, perante duas testemunhas, e o médico "os executará quando e onde o solicitante decidir".
"Quem quiser a eutanásia, que a peça, e quem não quiser, que a recuse", afirmou Ope Pasquet, único autor do primeiro projeto de lei de 2020 e que surpreendeu a todos com sua presença no debate desta quarta-feira, substituindo o senador do Colorado, Robert Silva. "Nenhuma autoridade virá e ditará quais pacientes são eutanizáveis ou não . Esta é uma falsidade que tem sido repetida inúmeras vezes. A decisão de solicitar a eutanásia é do indivíduo", afirmou.
Entre os que se opuseram ao projeto estava o senador Javier García, do Partido Nacional, que questionou os conceitos de "morte digna" e "liberdade" utilizados e considerou que o projeto "não oferece garantias". "O Estado não deve assumir a responsabilidade pela morte sem assumir a responsabilidade pela vida. A lei deve ter a mesma autoridade para oferecer a possibilidade de viver que o projeto atual", afirmou.
O político de esquerda Daniel Borbonet afirmou que esta lei "não obriga ninguém, mas oferece uma alternativa que não existe hoje". "É um direito de decidir; não substitui o que já existe e não impõe comportamentos", alertou. Após a votação, a senadora da Frente Ampla, Constanza Moreira, comemorou em sua conta no X: "Hoje, o Uruguai está mais uma vez na vanguarda da agenda de direitos. Aprovamos a lei da eutanásia: uma lei que reconhece a liberdade de decidir até o fim, com dignidade e liberdade."
A partir da sua promulgação, o Poder Executivo tem seis meses para regulamentar a lei.
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