Por: Jonas | 26 Novembro 2013
A vida política de Constanza Moreira (foto) começou em 2007, quando José Mujica propôs que a mesma fosse candidata à presidência pela Frente Ampla (FA), a coalizão de centro-esquerda uruguaia fundada em 1971 e que hoje governa o país. Licenciada em Filosofia e doutora em Ciência Política, Moreira é senadora desde 2009, pelo Partido pela Vitória do Povo (dentro da FA), e se apresenta como pré-candidata à presidência nas prévias de junho de 2014. Antes, havia trabalhado como professora e analista em vários meios.
Fonte: http://goo.gl/xOC3Kx |
Moreira enfrentará o ex-presidente socialista Tabaré Vázquez, que já chegou a pensar em uma guerra com a Argentina, em conversa com George W. Bush, e que deixou o governo com alta popularidade. Eduardo Galeano e Daniel Viglietti apoiam a candidatura desta mulher que foi criada numa família de membros da FA e que somou à sua corrente Macarena Gelman, neta recuperada dos argentinos Berta Shuberoff e Juan Gelman.
Com seus 53 anos, Moreira deseja imprimir o seu estilo ao programa de governo aprovado ontem no congresso partidário. De acordo com o que destacou o semanário Brecha: “os delineamentos programáticos da FA não sofrerão grandes modificações” em relação ao atual governo; no entanto, para a pré-candidata a coalizão deve renovar sua cara. Recentemente, Moreira esteve em Buenos Aires para a apresentação do livro “Novos Cenários para a integração na América Latina” (Clacso) e conversou com o jornal Página/12 sobre sua agenda mais à esquerda: a lei dos meios de comunicação na versão uruguaia, a dívida com os direitos humanos e o conflito com a Argentina pelas “papeleiras”.
A entrevista é de Mercedes López San Miguel, publicada por Página/12, 25-11-2013. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Por que você lançou sua pré-candidatura tendo à frente um candidato cotado como Tabaré?
Na política não há destino manifesto, não há candidatos naturais, tudo se constrói. Muitos de nós pensamos que em um terceiro governo de esquerda a Frente Ampla está em condições de dar um salto do ponto de vista da relevância geracional. Temos figuras fundacionais muito queridas como Tabaré e Mujica, mas, após dez anos de governo, chegou o momento de a Frente Ampla mudar, incorporar mais mulheres e jovens e também lançar outras candidaturas com um viés mais à esquerda.
Concretamente, em que aspectos você se diferencia da postura política do ex-presidente?
Nós defendemos uma política muito forte para a América Latina, de aposta na solidariedade para com todos os países, especialmente com aqueles com os quais compartilhamos certa continuidade ideológica, como o Brasil, Argentina, Venezuela, Equador e Bolívia. Os outros, como Chile, Peru e México, também se organizam na Aliança do Pacífico. Esta ideia de uma aliança mirando os Estados Unidos contrasta com o projeto do Mercosul ampliado, dentro do qual o Uruguai deve ter uma posição bem firme. No Uruguai, a metade é a favor e a outra metade é contra. Os ‘brancos’ e os ‘colorados’ (partidos de oposição) todos os dias pedem para sair do Mercosul. É uma guerra permanente, que se traduz no fato de não podermos contar com seus votos. No Parlamento só temos um parlamentar a mais em cada câmara. Quando foi feito o acordo tributário com a Argentina, quando foi votado o ingresso da Venezuela ao bloco ou foi aprovada a sanção ao Paraguai, a FA sempre precisou lutar contra a outra metade.
Tabaré Vázquez paquerou um trabalho de livre-comércio com os Estados Unidos.
Possuímos diferenças de matizes, entre nós que consideramos que reforçar a integração é prioritário e aqueles que não acreditam tanto nisso. É preciso recordar que o Uruguai, no período imediatamente anterior, herdou uma crise econômica – pela desvalorização do real e depois a crise argentina -, sendo a crise bancária sua manifestação mais visível. Os Estados Unidos de Bush permitiram ao Uruguai levantar o ‘corralito’. Washington havia se convertido no principal parceiro comercial do país. (Jorge) Batlle dizia: “Eu gostaria de ter um açougue em cada estado dos Estados Unidos”. O primeiro governo de nossa coalizão herdou esse vínculo carnal. No momento, a situação é muito diferente, os Estados Unidos não são nem o sexto parceiro comercial - o primeiro é a China -, embora a potência norte-americana ainda detenha o poder financeiro e comunicacional. Sem defender a Tabaré, acredito que não foi só ele, foi o governo uruguaio que aceitou a vinda de Bush. As luzes e sombras são colocadas na agenda da esquerda, porque os partidos Nacional (branco) e Colorado praticamente não possuem agenda própria. A FA é um partido tão grande que conta com democratas-cristãos e trotskistas, então, quando é necessário compatibilizar tudo isso, sempre se caminha pela via do meio.
A Frente Ampla aprovou uma lei que deixa sem efeito a caducidade ou anistia, mas a Corte Suprema considerou que artigos-chave são inconstitucionais. Há uma discussão forte na FA sobre os direitos humanos, ou certas figuras preferem não se meter com o passado?
Vamos avançando na conquista de consciência. Estamos na obscuridade a respeito da verdade e a justiça. A lei de impunidade ficou vigente durante 20 anos. O primeiro governo da FA estabeleceu que se poderia investigar o crime de desaparecimento forçado e avançou por aí, com juízes comprometidos com a causa dos direitos humanos e outros não. Esta sentença do Supremo juntou-se à transferência da juíza Mariana Mota, que tinha a maior quantidade de causas sobre crimes contra a humanidade. Agora, estamos num atoleiro, onde há uma quantidade de casos em andamento e dependemos muito da disposição dos juízes em continuar avançando com as causas. A transferência da juíza Mota foi um revés para todos nós que queremos que a justiça seja feita. Produziu-se um conflito entre poderes: o Legislativo e Executivo por um lado, e a Suprema Corte por outro. O Poder Judiciário no Uruguai não experimentou mudanças significativas na passagem da ditadura à democracia. Daí, que nós impulsionamos uma série de reformas para mudar o Código Penal e o sistema de nomeação de juízes.
Uma reforma do Poder Judiciário?
Sim. Merece uma reforma estrutural, que já está entre os projetos de lei no Congresso. A Justiça será outra a partir de 2015.
Em que situação a lei dos meios de comunicação se encontra?
O projeto está sendo tratado pelos Deputados e a ideia é tê-lo aprovado antes do final do ano. Levando em consideração o antecedente argentino, o governo reuniu as organizações não governamentais, as rádios alternativas e os canais de televisão, colocando-lhes para trabalhar durante um ano. O texto tem um componente de regulação empresarial, de regulação de conteúdos, e o marco geral, que não conta com nenhum no momento. O projeto chegou a certo consenso - entre aspas, pois os grandes meios de comunicação afirmam que irão perder a liberdade -, conta com os votos da FA e irá sair. Além disso, o governo abriu o espectro para novos canais de televisão particulares, comunitários e públicos. Para o Uruguai, a oferta se engrandece.
Que papel as multimídias desempenham?
Os três grandes canais (12, 4 e 10) são, por sua vez, conglomerados empresariais. Há uma grande concentração dos meios de comunicação. Foi realizado um estudo sobre isso, e uma das partes do projeto aponta para que se desconcentre, para que sejam aplicados mecanismos antitrustes, impedindo a oligopolização em um país tão pequenino, cujo impacto é muito maior. A lei dos meios de comunicação ou de Serviço de Comunicação Audiovisual é importante, mas, ainda mais importante me parece que é abrir o espectro para outros canais.
Qual é sua postura sobre as papeleiras?
Tivemos um desenvolvimento da indústria florestal via subsídio nos anos noventa, que depois levou à inevitabilidade das fábricas de celulose. O florestamento com as fábricas de celulose está inserido dentro do projeto de estratégia de diversificação produtiva do Uruguai. O tema da instalação da empresa Botnia vem do governo de Jorge Batlle. Acredito que ali houve problemas de negociação política, crise da esquerda uruguaia com os ambientalistas e, finalmente, isso se deparou com um aparato de Estado muito fragilizado para controlar o meio ambiente. Neste momento, a grande discussão, fora do conflito com a Argentina, é a do controle ambiental dos megaempreendimentos (florestamento, agrotóxico e mineração) e que as papeleiras estejam instaladas em zonas francas com escassa capacidade de arrecadação para o governo. A discussão se centra em como você irá inserir o florestamento em uma estratégia de desenvolvimento a longo prazo. Depois, parece-me que o conflito com a Argentina foi triste para o Uruguai, no sentido de que se a empresa Botnia gera 360 empregos diretos, com o corte da ponte perde 300 empregados. A fragilização das relações com a Argentina tem um impacto negativo direto. No entanto, acredito que, neste tempo, houve um pacote de negociações bilaterais que foi positivo. É preciso monitorar conjuntamente e as iniciativas empresariais precisam se submeter à capacidade de regulação conjunta de ambos os países.
O governo do Uruguai autorizou ampliar a produção de celulose.
O governo optou pela solução salomônica. UPM pediu um aumento da produção de 1 para 1,3 milhão de toneladas (anuais) e foi aprovado que aumentasse para 1,1 milhão, mas isso não impediu a reação argentina. Montes del Plata também está pedindo para aumentar a produção e acredito que é necessário colocar as exigências empresariais em um mapa no qual a relação com a Argentina deve ser o prioritária.
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Entrevista com Constanza Moreira, a mulher que deseja governar o Uruguai - Instituto Humanitas Unisinos - IHU