"Esse documento não é apenas um plano técnico: é a prova de que as finanças sacrificam a cidade à troca mercantil. O acordo de paz continua necessário e urgente. Mas seu custo poderia incluir, após o urbicídio de Gaza, o obituário da cidade de amanhã."
O artigo é de Marco Cremaschi, professor de Urbanismo na Sciences Po Paris, publicado por il Manifesto, 07-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Terra removida. Após a destruição urbana e a dizimação humana, a materialidade do lugar também é apagada, assim como sua história e geografia. Sobra só a crosta, mas apenas como espaço extrativo. O projeto de "redesenho urbano" para Gaza, elaborado por consultores estadunidenses e citado no projeto do acordo de Trump, propõe um modelo urbano inquietante. Longe de ser uma exceção, revela uma lógica já em prática em muitas metrópoles contemporâneas. Divulgado em Washington e integrado ao projeto do acordo internacional, esse plano se apresenta como um exercício técnico e sofisticado. Em cerca de vinte slides, com poucas imagens e muitos números, anônimos consultores se desdobram para demonstrar a viabilidade da reconstrução: a tragédia é ignorada, a política é omitida, os habitantes e seu sofrimento são apagados, e se insiste na rentabilidade econômica de um investimento em larga escala ao estilo Dubai.
Como sempre, o diabo está nos detalhes: o esquema ilustra como os interesses dos investidores e dos grupos imobiliários estão se sobrepondo à política internacional. Uma vítima colateral dos tecnoconsultores é a própria ideia de urbanidade.
É instrutivo analisar esse documento, ainda que desprovido de quaisquer escrúpulos políticos ou morais, porque mostra em detalhes como o capitalismo financeiro está redefinindo a maneira como vivemos. O esquema proposto prioriza a infraestrutura geopolítica e o design urbano, seguidos por um plano de desenvolvimento e gestão mecanicamente baseado em planilhas Excel, retornos esperados e as banalidades típicas das empresas de marketing. O esquema é simples: sete ou oito microcidades, cada uma identificada por uma função econômica ou um ator econômico — Musk e os data centers, por exemplo — surgem isoladas, uma ao lado da outra como as sementes de uma romã, divididas, cercadas por perimetrais e protegidas por setores de infraestrutura e esplanadas desertas.
Uma ausência é particularmente reveladora: o documento nunca menciona os habitantes. Nas imagens, a população é substituída pelos "stakeholders" globais, ou seja, os futuros investidores.
Um detalhe revelador — ou uma indiscrição deliberadamente deixada escapar — emerge da lista de potenciais investidores: grandes grupos de construção e imobiliários, principalmente sauditas e internacionais, formando uma empresa mais demoníaca do que empresarial, entre os quais figuram IKEA, Systra e todos os Bin Laden.
Gaza é, assim, reduzida a puro ponto logístico. No esquema proposto, deixa de fato de ser um território e uma cidade. Torna-se um simples centro de ligação entre Israel, Arábia Saudita e o Mediterrâneo, uma zona fiscal especial e uma encruzilhada de infraestruturas globais. Após a destruição urbana e a dizimação da população, a materialidade do lugar também é apagada, assim como sua história e geografia.
Um detalhe, no entanto, persiste: o litoral. O mar aparece, mas apenas como um espaço extrativo, ocupado por plataformas de gás e navios-tanque de metano. A exploração do gás é omitida do documento, mas é destacada pelo esquema urbanístico, que ignora o mar devastado pelos poços. Apenas a praia é marginalmente evocada numa homenagem verbal a Donald Trump e apresentada fugazmente, com pouca convicção, como um parque de diversões.
Esse projeto assemelha-se a um manual da "cidade perversa". Pode parecer um exercício para os estudantes: como projetar a cidade mais injusta possível? As respostas estão aqui:
Essa é uma lógica que já está em prática em outros lugares. De te fabula narratur… Além do caso de Gaza, esses princípios já são expressos por muitas metrópoles em construção, do Golfo à Ásia. A privatização dos espaços, o desaparecimento da natureza como bem comum e a proliferação de enclaves residenciais e das infraestruturas de controle já estão moldando as cidades contemporâneas. A "cidade perversa" não é, portanto, uma ficção acadêmica. Constitui um alerta: obriga-nos a olhar de forma diferente para as transformações urbanas atuais, a questionar a perda do direito coletivo ao espaço, à sociabilidade e à beleza compartilhada.
E há razões globais. O plano de desenvolvimento sugere, de fato, que o acordo geopolítico entre sauditas e Israel é mais forte do que o previsto, pelo menos nas expectativas dos Estados Unidos.
Petróleo e terras raras chegariam ao Mediterrâneo sem passar por Suez, graças a uma aliança estratégica às custas dos palestinos. Um segundo aspecto é que a liderança trumpiana substituiu o pacifismo mercantilista da globalização pela pax imperial romana: primeiro o extermínio, depois o lucro.
E também inclui o fim da ambivalência urbana. Há, de fato, uma terceira lição a ser aprendida, mais local, mas mais pervasiva. A urbanística sempre foi ambivalente. Permitia a especulação, mas criava espaços públicos; concretava o solo, mas abria novas relações com a natureza. Essa tensão, contraditória, mas frutífera, deu vida às cidades.
O esquema dos consultores de Trump apaga essa ambivalência e abole o espaço comum: por meio de uma mercantilização total que cobre a cidade com um sudário de concreto.
Esse documento não é apenas um plano técnico: é a prova de que as finanças sacrificam a cidade à troca mercantil. O acordo de paz continua necessário e urgente. Mas seu custo poderia incluir, após o urbicídio de Gaza, o obituário da cidade de amanhã.