A tentação da busca de recompensas. Comentário de Adroaldo Palaoro

Foto: canva

03 Outubro 2025

A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho do 27º Domingo do Tempo Comum, ciclo B do Ano Litúrgico, que corresponde ao texto bíblico de Lucas 17,5-10.

Eis o texto.

“Somos simples servidores; fizemos o que devíamos fazer” (Lc 17,10)

A parábola indicada para a liturgia deste domingo desmascara uma mentalidade muito frequente, não só entre os fariseus do tempo de Jesus, mas também no coração dos seus seguidores: na relação com Deus, muitos se deixam levar pela busca da recompensa. De maneira disfarçada, julgam no direito de serem recompensados por todo o bem que fazem. E julgam poder exigir o pagamento devido por suas virtudes e boas obras, como se estivessem em pé de igualdade com Deus.

Aqui desaparece toda gratuidade no serviço a Deus. A parábola desmascara a atitude daqueles que, no serviço do Reino, buscam seus próprios interesses, alimentam sua vaidade e buscam ser o centro das atenções. Quem não gosta de receber elogios pelo seu serviço ao Reino? Jesus tem um olho clínico que se fixa em todas as nossas atitudes e comportamentos. Por isso, sentiu a necessidade de alertar os seus discípulos e a nós contra este perigo.

Na verdade, agir para buscar o louvor, o interesse próprio, o lucro, o reconhecimento, a fama, o poder... esvaziam o sentido da missão em favor da evangelização, pois são próprios de uma mentalidade calculista e materialista da sociedade em que vivemos, que procura compensação em tudo o que se faz. Na perspectiva de Deus, o fundamental é ativar o espírito de serviço e disponibilidade, que nunca poderá ser pago. Quem vive no espírito de comunhão nunca achará que está fazendo demais para os outros.

Uma tentação sutil, presente em todos nós, é esperar reconhecimento e até elogios das pessoas pelo serviço prestado. Quem cai nesta tentação passa a necessitar deste tipo de gratificação para manter seu entusiasmo e seu dinamismo apostólico. Fica a impressão que, no apostolado, ao invés de buscar agradar a Deus, buscam-se recompensas humanas. Quando não há elogios e reconhecimentos explícitos, interpreta-se isso como uma ingratidão e uma falta de valorização, provocando uma baixa na própria motivação e entrega.

A verdadeira maturidade espiritual coincide com o sentido da gratuidade, ou seja, ajustar-se ao modo de agir de Deus, superando todo autocentramento e todo voluntarismo; quem assim vive experimenta o consolo de sentir-se amado, perdoado e chamado por Deus, pois “o ser humano é fundamentalmente um ser de gratuidade”.

A gratuidade só pode ser vivida equilibradamente em toda sua profundidade e intensidade por aquele que é plenamente consciente de sua pobreza e indignidade radical, por aquele que, ao sentir-se pecador e amado ao mesmo tempo, não deseja ser nem melhor nem mais perfeito, senão mais filho(a) de Deus pelo compromisso e doação.

E, precisamente movido pelo amor filial, deseja ativar todos os seus talentos e recursos, até o extremo de suas possibilidades, com o desejo de só agradar a Deus que tanto lhe ama.

A gratuidade, portanto, é o fruto maduro, resultado espontâneo do consolo do perdão e do amor, que habilita o ser humano a entrar no fluxo da ação salvífica do próprio Deus.

Ao situar nossa missão cristã na linha da colaboração com a atividade criadora de Deus, do serviço à humanidade, da construção de um mundo fraterno..., isso nos ajuda a não convertê-la em um mecanismo ou dinâmica de autocentramento, de busca exclusiva, e muitas vezes compulsiva, de nós mesmos e de nossos interesses e benefícios; ao mesmo tempo, nos faz evitar, em nosso modo de agir, atitudes e ações de domínio, de manipulação, de cobrança dos outros...

São vários outros elementos que contribuem para fazer de nossa missão uma “experiência espiritual”: a pureza de motivações (por que faço isso? para quem faço?), a capacidade de “contemplar”, a agilidade no “eleger”, o crescer em gratuidade e relativização de si mesmo, o deixar-se ajudar, a capacidade de agradecer.

A atitude de gratidão (consciência viva daquilo que cada dia recebemos e nos é dado) nos ajuda viver a missão como serviço e nos liberta radicalmente dos pesos da rotina, da carga...; tudo isso nos situa na linha de uma experiência profundamente “espiritual”: dupla experiência de agradecer e ajudar.

Quando vivemos nossa missão a partir da gratidão, o esforço, que a mesma missão exige, brota de um modo mais natural, mais espontâneo...; por isso, “cansa” menos, “desgasta” menos...

Quando vivemos tudo a partir da gratidão, ficamos menos “dependentes” da compensação que os outros poderiam dar à nossa entrega ou ao nosso serviço.

Encontramos aqui o fundamento para uma teologia da missão: a missão, seja ela qual for, é redentora se a motivação é evangélica, se ela está orientada para o Reino. Não é a missão que nos faz importantes, mas somos nós que fazemos qualquer missão ser importante, quando ela é realizada na perspectiva do Reino de Deus. Toda missão é nobre, seja ela o de cinzelar estátuas ou o de esfregar o chão.

A alegria da missão está no fato de perceber o sentido e a intenção presentes nela. Afinal, somos chamados a “trabalhar na obra do Senhor”, somos seus “servidores”.

A verdadeira “experiência espiritual”, portanto, é estabelecer com o “Deus da Vida” uma relação “desinteressada”, isto é, uma relação na e a partir da gratuidade; é passar do “Deus do mérito” ao “Deus do dom”, do “Deus juiz” ao “Deus Pai-Mãe”, do “Deus ameaça” ao “Deus de bondade escandalosa” que nos desafia a sermos criativos em sua obra. Daqui brota a dimensão contemplativa da missão, pois esta se torna “templo” do encontro com Deus providente e de colaboração com os outros.

O(a) discípulo(a) faz o bem e se esforça por ser justo(a) e misericordioso(a), porque nisto deve consistir a sua vida, e não porque, agindo assim, Deus irá recompensá-lo(a). Basta-lhe a consciência de saber que age em conformidade com o querer divino. Tudo mais está entregue à benevolência de Deus.

Por isso, crer no Deus que “atua em tudo e em todos” implica estar sintonizado com Ele, trabalhando na mesma direção, fazendo as mesmas obras que Ele está fazendo para tornar este mundo mais habitável.

Cremos no “Deus que trabalha sempre” e em tudo nos associa, em comunhão com Ele, a seu trabalho constante de transformação deste mundo, na fronteira mesma onde se tece a novidade da história.

Trabalho que se faz com amor; “o trabalho é a fé que se faz visível”.

Generosidade, gratuidade, doação: palavras quase desconhecidas do nosso vocabulário e em nosso contexto social. Mas são elas que nos levam em direção aos outros, libertando-nos de nosso pequeno eu. São elas que nos afastam da mesquinhez, da vaidade, do egoísmo, da busca do “próprio amor, querer e interesse”. Por serem mais afetivas, mais espontâneas, ligadas ao coração, elas se revelam na ação, não em função de um mandato, de uma lei, de um interesse..., mas unicamente de acordo com as exigências do amor, da solidariedade...

São elas que alargam o nosso coração até dilatar-nos às dimensões do universo, rompendo nossos estreitos limites e lançando-nos a compromissos mais profundos. Sentimo-nos livres para qualquer desafio e cada nova entrega é uma libertação maior: são novas oportunidades de serviço, de maior aproximação d’Aquele que veio, não para ser servido, mas para servir e para doar sua vida em favor de todos.

O amor desinteressado ao próximo se traduz em doação de si mesmo no serviço, na ajuda e no cuidado dos demais, sem esperar compensação. A gratuidade é o motor de sua vida.

Para meditar na oração:

Precisamos alimentar uma outra relação com a missão no sentido de assumi-la como cooperação com o Deus providente e com tantas pessoas tocadas pela sua graça. Uma relação que permita nos distanciar das cargas, ativismos, tarefas estressantes... e viver a missão com humor e criatividade.

- Sua vivência na missão: ativismo ou “ação discernida”? Busca de recompensas ou espaço de colaboração com o Deus trabalhador?

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