19 Setembro 2025
Com a força de sua escrita direta e incisiva, Mariapia Veladiano retorna às livrarias com Dio della polvere (Deus do Pó) (Guanda, 192 páginas), um romance que mergulha em uma ferida profunda, a dos abusos e do silêncio que os cerca. Filósofa e teóloga, vencedora do Prêmio Calvino e finalista do Prêmio Strega com La vita accanto, Veladiano sempre combinou em seus livros a habilidade narrativa com uma urgência ética, com uma reflexão íntima e uma atenção especial ao mundo. No centro dessa história, de um lado, temos Chiara, fisioterapeuta, mulher de fé e cuidado; do outro, um bispo, um homem "de bem", mas talvez não o suficiente para o papel que encarna. E há também a voz de uma vítima, Luna, que os leva a se confrontar com responsabilidades pessoais e institucionais, com o peso da verdade e o imperativo da justiça. Apresentado em Pordenonelegge hoje às 18h30, Dio della Polvere é um ato de coragem e testemunho, no qual a fé e a palavra literária se entrelaçam para expressar com clareza que "a justiça está em nossas mãos".
A entrevista é de Eugenio Giannetta, publicada por Avvenire, 18-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Como nasceu e foi construído Dio della Polvere?
Sou crente, estudei teologia, tenho 65 anos e, ao longo do tempo, vi e li muito, reuni informações, diálogos. Havia o problema da forma. Eu queria contar a história sem nenhuma morbidez. No final, o formato de um diálogo entre uma mulher e um bispo pareceu-me a solução. A revista Il Regno, para a qual colaboro, foi fundamental porque sempre acompanhou a realidade da pedofilia na Igreja com competência e sistematicidade. Sou muito grato a ela.
No livro, a fé nunca parece ser contraposta à busca da verdade; pelo contrário, parece ser sua força motriz. É assim mesmo? Qual é a relação entre fé e verdade?
A fé nos traz o dom de uma certa liberdade do medo. A companhia do Senhor nos dá a coragem de acolher qualquer verdade, mesmo aquela que ameaça a própria fé. A pedofilia na Igreja não é uma entre as tantas fraquezas da fragilidade humana dos padres. É uma traição radical à própria vocação da Igreja, que é expressão do amor de Deus. Mas, nesse crime, o mais grave é encobri-lo, escondê-lo, porque quem o faz está do lado do violento e abandona a vítima.
A frase central do livro — "há algo que depende de nós, e é fazer justiça" — parece um chamado para sair do silêncio. Na sua opinião, por que é tão difícil, mesmo hoje, nomear o mal e enfrentá-lo?
Geralmente, porque às vezes simplesmente não vemos mais o mal. A violência verbal é socialmente aceita. A violência física quase não parece tão grave. A violência das relações hierárquicas é exibida como orgulho, prova de status de poder e de estar fora das regras. No caso da pedofilia na Igreja, outros fatores entram em jogo. Uma educação para uma ‘sagrada cegueira’ em relação às ações mais graves do clero. Há uma mística distorcida da eleição que pretenderia justificar o injustificável. Na realidade, fazer justiça às vítimas me parece o grau mínimo de amor.
Lendo seu livro, um poema de Primo Levi intitulado "Poeira" me veio à lembrança. Cito alguns versos dele: "Quanta é a poeira que se deposita sobre o tecido nervoso de uma vida? A poeira não tem peso nem som, nem cor nem escopo: vela e nega, oblitera, oculta e paralisa; não mata mas apaga, não está morta, mas dorme / Esse manto cinzento e sem forma: contém o mal e o bem."
Eu não o conhecia e talvez devesse, realmente. É muito interessante. É verdade que o pó preserva e esconde o tempo que o gera. A Bíblia nos diz que o pó se torna vida pela ação de Deus que destina o homem, tirado do pó, para as realidades eternas. No romance, a protagonista contesta um misticismo do pó que mortificou esse projeto de Deus por séculos.
Seu livro não é "contra" a Igreja, mas sim um chamado ao seu coração evangélico. O romance destaca a ideia de que a justiça só poderá ser possível se alguém assumir um risco pessoal. O que tudo isso significa para a comunidade eclesial de hoje e de amanhã?
Significa que somos responsáveis por tudo o que podemos fazer pelo Reino de Deus e pela justiça. Há uma ideia generalizada, e francamente terrível para mim, de que ser um bom católico significa ser moderado, conciliador, ter um certo bom mocismo e, em qualquer caso, ser obediente a qualquer forma de poder na Igreja. Mas o batismo nos torna todos responsáveis, então, se permanecermos em silêncio diante do abuso, na verdade o multiplicamos. Além disso, temos essa esquizofrenia espiritual de admirar aqueles cristãos que se desviam da linha, mas como exceção. Na fé cristã, somos exceções; somos capazes de fazer a diferença não por mérito, mas porque o resultado de nossas ações justas é garantido. Por Deus.
Há uma passagem no livro em que destaca claramente como a violência pode ter diferentes aspectos e diferentes implicações éticas, morais e humanas: "Os abusos - pergunta o bispo - também estão em outros lugares, por que aqueles da Igreja deveriam ser mais importantes?" E lhe respondem: "Todas as violências são importantes, mas vocês pretendem encarnar o amor de Deus! A violência que vem da posição de poder é intolerável. A que acontece em nome de Deus é uma morte antecipada, porque, se Ele também nos trai, Senhor, a quem buscaremos?"
A pedofilia do clero é uma violência perpetrada por aqueles que agem em nome de Deus. Esse tipo de violência destrói a fé e corrompe a imagem de Deus. É terrível. É por isso que a Igreja é chamada a estar sempre do lado das vítimas.
Como construiu a figura do bispo?
Ele não é um arquétipo. Já vivenciei diálogos muito semelhantes aos do romance. Com muitas pessoas do clero, bispos e outros.
O tema do corpo lhe é caro (também em outros textos). No livro, escreve: "Quem violenta nosso corpo rouba a nossa alma." Como se constrói um personagem que "fala" principalmente por meio do corpo?
No caso desse romance, por meio de uma profissional que trata as dores do corpo. Chiara é uma fisioterapeuta, uma figura que acompanha durante bastante tempo, permanece próxima, escuta e toca o corpo. Uma figura cuidadora que toca o corpo é uma boa intérprete.
Em sua escrita, como a fé lhe fornece ferramentas, mas também limites?
Minha visão de mundo, e especialmente das pessoas, é uma só com aquilo em que acredito e, portanto, com a minha fé. Estou interessada em contar a história de quem não tem voz, que não é visto.
Como acredita que um caminho de fé evolui ou se confronta nos momentos em que se depara com o mal?
Acredito que, quando o mal nos atinge, podemos sucumbir ou aceitá-lo como parte de nossas vidas e transformá-lo em sabedoria. Ambos são resultados da nossa humanidade. Cabe a nós não deixar sozinho aquele atingido pelo mal. No caso da pedofilia, uma Igreja que, desde a primeira notícia de um crime, para usar um termo frio, dissesse à vítima: 'Estou com você, ao seu lado para obter justiça', bem, isso faria a diferença. Todos os testemunhos dizem isso.
Na sua opinião, até que ponto há espaço para o perdão? E que tipo de perdão, se houver, pode haver após um abuso?
Acredito que a justiça está em nossas mãos. O perdão pela violência contra meninos e meninas é algo que diz respeito apenas às vítimas e vem junto com a justiça.
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