18 Setembro 2025
A extrema-direita avança globalmente com agenda antidireitos e negacionismo. Entenda as raízes, a estratégia obscurantista e por que ela é uma ameaça existencial à democracia e à maioria de nós.
O artigo é de Henrique Cortez, jornalista e ambientalista, e editor do EcoDebate, publicado por EcoDebate, 17-09-2025.
Eis o artigo.
O mundo assiste a um fenômeno que não deveria nos surpreender, mas que exige nossa atenção urgente: o crescimento sistemático da extrema-direita em escala global.
Se historicamente esse movimento encontrou terreno fértil na Europa e nos Estados Unidos, hoje observamos sua expansão preocupante pela América do Sul, com Brasil e Argentina destacando-se como exemplos emblemáticos dessa tendência.
A agenda do retrocesso
O sucesso eleitoral desses grupos não é acidental. Eles articulam uma agenda clara de retrocessos civilizatórios, mobilizando pautas antidireitos que incluem posições contrárias ao aborto, à imigração e aos direitos LGBTQIAPN+.
Essa estratégia conservadora tem conquistado contingentes significativos de eleitores em diferentes países, aproveitando-se de inseguranças sociais e econômicas para propagar narrativas simplistas e excludentes.
Embora cada movimento tenha características locais específicas, todos compartilham uma base ideológica comum: o ultranacionalismo, o chauvinismo, o supremacismo e a xenofobia.
Essas correntes promovem visões teocráticas, racistas e reacionárias que se opõem frontalmente aos pilares da sociedade democrática moderna. Particularmente preocupante é sua postura anticientífica, que desvaloriza sistematicamente o conhecimento, a educação e a cultura.
O obscurantismo como estratégia
A pandemia de COVID-19 revelou de forma cristalina como essas ideologias se manifestam na prática. A defesa da “imunidade de rebanho” e as posições antivacina, exemplificadas hoje por figuras como Robert F. Kennedy Jr. no governo americano, demonstram como o darwinismo social e conceitos eugênicos permeiam esse pensamento.
No Brasil, assistimos ao fortalecimento de movimentos negacionistas que vão do terraplanismo ao criacionismo, passando pelo movimento antivacina e pelo que podemos chamar de “analfabetismo ideológico”. Longe de diminuir, esse obscurantismo tem se expandido, encontrando nas redes sociais e na desinformação canais eficazes de propagação.
A incompatibilidade fundamental
A história nos ensina uma lição inequívoca: extrema-direita e democracia são incompatíveis. A cultura de intolerância e ódio, elemento central desses movimentos, necessita sufocar as instituições democráticas para prosperar. Não se trata de uma competição política comum, mas de uma ameaça existencial aos fundamentos da convivência civilizada.
Um dos mecanismos mais eficazes nesse processo é a exacerbação da intolerância religiosa, frequentemente disfarçada como busca por um estado teocrático. Quando grupos se percebem como detentores exclusivos da verdade, desenvolvem resistência não apenas a outras crenças, mas a qualquer sistema de conhecimento que desafie sua visão de mundo.
O papel das grandes corporações
A esse cenário se soma a influência de bilionários das grandes empresas de tecnologia, muitos dos quais encontram inspiração na obra “A Revolta de Atlas”, de Ayn Rand.
De forma distorcida, utilizam essa narrativa para justificar um modelo de sociedade governada por corporações, onde bilionários assumem o papel de “heróis”, responsáveis por ordenar um mundo supostamente caótico. Essa visão, não à toa, ecoa as distopias corporativas presentes em grande parte da ficção científica contemporânea.
A escolha inadiável
A defesa intransigente da democracia e dos valores civilizatórios não é apenas necessária – é urgente. Essa defesa deve ser exercida continuamente, em todos os espaços e por todos os meios legítimos disponíveis.
Por quê? Porque a agenda de ódio da extrema-direita representa uma ameaça existencial não apenas para minorias, mas para a maioria da sociedade.
A história já nos mostrou os “oceanos de sangue” que regimes totalitários são capazes de produzir. O conhecimento histórico existe precisamente para nos alertar sobre esses perigos e nos orientar sobre como evitá-los.
A encruzilhada
Chegamos, portanto, a uma encruzilhada que define nosso tempo: de um lado, a manutenção e o aprofundamento de valores democráticos, do respeito à diversidade, da valorização da ciência e da educação; de outro, o retrocesso autoritário, a imposição pela força de visões excludentes e a negação sistemática do conhecimento.
A escolha não poderia ser mais clara, nem mais urgente: civilização ou barbárie. O futuro das próximas gerações depende de como responderemos a esse desafio hoje.
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