Gramsci em Washington. Artigo de Mariam Martinez-Bascuñán

Foto: Daniel Torok/ White House | Fotos Públicas

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15 Setembro 2025

A retórica trumpista transforma adversários políticos em inimigos, uma ameaça à sobrevivência da nação.

O artigo é de Mariam Martinez-Bascuñán, professora de Teoria Política da Universidade Autônoma de Madri, publicado por El País, 15-09-2025.

Eis o artigo. 

A hegemonia cultural favorece aqueles que melhor compreendem o poder. Gramsci, intelectual comunista que morreu nas prisões de Mussolini, explicou como as ideias conquistam o poder antes do voto. Oitenta anos depois, e apenas três dias após sua posse, o presidente Trump declararia: "O que o mundo testemunhou nas últimas 72 horas é nada menos que uma revolução do bom senso".

A esquerda estava perdendo a batalha mais importante, aquela travada em nossas cabeças. O recente assassinato do jovem ativista Charlie Kirk (aquele que Gramsci chamaria de um "intelectual orgânico" da direita MAGA) ilustra como essa "revolução" opera, demonstrando como o trumpismo aprendeu a explorar qualquer tragédia.

O caso revela a dupla estratégia de cerco do trumpismo. De fora, constrói uma legitimidade cultural alternativa com ativistas, influenciadores e redes que desacreditam as instituições; internamente, apodera-se de posições de poder formal para transformar essas instituições em apêndices do movimento. Quando Pete Hegseth lidera as orações militares pelo ativista assassinado, ele não está agindo como secretário de Defesa, mas como membro da família MAGA: os militares se transformaram em uma extensão do movimento. É mais sinistro do que o nepotismo político tradicional, pois transforma instituições públicas em espaços privados para a rede trumpista.

A resposta ao assassinato seguiu um padrão previsível. Trump, sem esperar por evidências, culpou a "violência política da extrema-esquerda". Stephen Miller, vice-diretor de seu governo, pediu "derrotar o demônio que levou Charlie deste mundo". Musk disse: "A esquerda é o partido do assassinato". Bannon completou: "Estamos em guerra".

Sua retórica transforma adversários políticos em inimigos existenciais. Não se trata de divergências sobre impostos ou imigração, mas de uma ameaça fundamental à sobrevivência da nação. Quando todo um movimento político é definido como inerentemente violento, quando o conflito é apresentado como uma guerra total, a coexistência democrática é impossível. O outro não pode ser derrotado eleitoralmente porque é um rival ilegítimo, uma força destrutiva que deve ser eliminada.

Diante do "inimigo total" que ameaça a civilização, qualquer limite à repressão constitui cumplicidade, pois, se eles estão realmente "em guerra com a família e a natureza", por que respeitar seus direitos? A totalização do inimigo justifica a totalização da resposta. Trump já prometeu um "plano abrangente contra a violência doméstica" que tem como alvo seus opositores políticos.

A interpretação político-cultural de um crime justifica a ação repressiva antes que haja qualquer evidência. O Estado não é mais o garantidor da lei, mas o executor de uma narrativa. É o gramscismo autoritário perfeito: estabelecem um arcabouço interpretativo (a esquerda é violenta), cada evento confirma esse arcabouço (o assassinato de Kirk) e, finalmente, a repressão real é justificada (o plano de violência doméstica). Mas o que acontece desafia todas as democracias: como defender um sistema baseado na dissidência legítima quando uma facção consegue redefinir a dissidência como traição?

O gramscismo autoritário não destrói a democracia de uma vez: esvazia-a, mantendo suas formas enquanto subverte seu conteúdo. O risco, que também é uma ameaça tentacular na Europa, não é um golpe militar tradicional, mas a captura gradual do bom senso. Até o ponto em que a repressão parece não apenas legítima, mas inevitável.

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