11 Setembro 2025
Apesar de reconhecer que governo herdou desmantelamento de gestões passadas, MST diz que políticas de redistribuição de terra estão aquém do necessário e que MDA infla números.
A reportagem é de Ramana Rech, publicada por ((o))eco, 10-09-2025.
As expectativas do Movimento Sem Terra (MST) para a continuidade de políticas de reforma agrária do terceiro governo Lula eram altas. Mas, faltando apenas um ano e meio para o fim do mandato, o MST afirma que não existe uma reforma agrária efetiva no país e que, somado a isso, o governo tem inflado os números referentes a políticas de redistribuição de terras.
Lideranças do MST reconhecem que existem entraves burocráticos e o desmantelamento de políticas públicas herdadas da gestão anterior de Jair Bolsonaro. “O que nós avaliamos é que não se justifica três anos e a gente não ter conseguido avançar concretamente na ponta, as políticas públicas não terem chegado”, defende o dirigente do MST de Minas Gerais, Silvio Netto.
A quebra de expectativa pode acarretar em um desânimo na participação da campanha de reeleição de Lula em 2026, destaca Netto, mas o MST continuará com o presidente. “Nós inclusive, se nos fosse permitido, já faríamos o lançamento da campanha de reeleição do presidente Lula”, afirma. “O problema é quando vai na base da sociedade, e aí todos esses que clamaram por reforma agrária, nós vamos ter que fazer um esforço muito maior para explicar essa situação da reforma agrária.”
As críticas são direcionadas, principalmente, ao ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Paulo Teixeira. O chefe da pasta ficou de fora das negociações que ocorreram durante a Semana Camponesa, que ocorreu a partir de 20 de julho com a ocupação da sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em diversas capitais do país.
Na ocasião, lideranças do movimento anunciaram ter se reunido com o presidente Lula, com a ministra das mulheres, Márcia Lopes, com o ministro da Educação, Camilo Santana, e com dirigentes do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), e com a Secretaria do Patrimônio da União (SPU).
Ceres Hadich, que faz parte da direção nacional do MST e coordena a sede em Brasília, conta que a exclusão do principal ministério para reforma agrária foi proposital e intentava mostrar ao governo a dificuldade de transitar a pauta do movimento no MDA.
Hadich avalia que, como parlamentar, Teixeira foi importante e simpático à reforma agrária, mas como ministro, ele tem “dificuldade de lidar” com a causa. Ela diz que o presidente Lula é, hoje, o principal interlocutor com o movimento.
“Ele [Paulo Teixeira] segue com muitos interesses parlamentares. Então, ele está o tempo inteiro nesse raciocínio de parlamentar, pensando sobre mandato, sobre eleição, sobre reeleição e acaba, acho que, dando prioridades distintas daquelas que a gente espera de um ministro de Estado”, avalia.
A dirigente diz, porém, que o MST nunca pediu a cabeça do ministro e que a demissão é prerrogativa do presidente. De acordo com Hadich, a avaliação negativa do ministro é generalizada entre os integrantes do MST, e não restrita à direção. Mas que Lula não tem sinalizado tirar Teixeira “ainda que ele [Lula] também identifica, assim como nós, muitas limitações na atuação dele”.
Agora, o MST espera que o governo apresente um plano para assentar o mais rápido possível 65 mil famílias que estão há décadas acampadas. De acordo com Ceres, a demanda foi apresentada à Lula há um ano, que “prontamente se sensibilizou e demandou do MDA e do Incra que fosse apresentado um plano”.
Na Semana Camponesa deste ano, a pauta retornou no encontro dos dirigentes nacionais do MST com Lula. A expectativa é de que um plano seja apresentado em uma próxima reunião com o presidente, mas isso ainda não tem uma data certa. Hadich diz que a reunião pode acontecer “a qualquer momento, na verdade, porque a gente saiu com esse indicativo de fazer muito em breve”.
A presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), Yamila Goldfarb, explica que a reforma agrária é indissociável da proteção ambiental, já que a agricultura em escala familiar e diversificada tem menor impacto ambiental do que as monoculturas de grandes propriedades voltadas para exportação.
Procurados, o MDA e o Incra responderam que os questionamentos sobre a atuação de Paulo Teixeira são infundados e têm base em “informações equivocadas”. Também afirmaram que o governo alcançou uma marca “histórica” de 31 decretos de interesse social, o que representa 138 mil hectares e que a meta de viabilizar 60 mil lotes até o fim do governo está sendo “rigorosamente cumprida”. Porém, não houve confirmação de que o MDA estaria trabalhando em um plano para assentar as 65 mil famílias.
Confira ao fim da reportagem a resposta na íntegra.
Famílias no PNRA
Para os dirigentes do MST, os números apresentados pelo MDA não batem com a realidade e com a criação de novos assentamentos. A pasta divulga que, desde o início do governo, 142,6 mil famílias foram homologadas no Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA).
Dessas, apenas 4,38 mil estão vinculadas à criação de novos assentamentos convencionais. Há também a entrada de quase 26 mil famílias no PNRA ligadas a assentamentos ambientalmente diferenciados (de projetos ligados à floresta, ao agroextrativismo e ao desenvolvimento sustentável).
A maior parte das famílias homologadas, 60,4 mil, está na categoria de regularização, o que significa que uma nova família entrou em uma terra que já fazia parte reforma agrária, e não a criação de novos assentamentos.
Outras 51,8 mil famílias estão na categoria de reconhecimento, em que entram aquelas vinculadas a áreas quilombolas e de unidades de conservação.
A adição de famílias quilombolas ao programa é recente e foi instituída pela Portaria n° 175 de 2016, que reconheceu os agricultores familiares remanescentes de quilombos como beneficiários do PNRA. Mas a portaria começou a ser posta em prática com maior força durante o governo de Lula, a partir da Instrução Normativa nº135 de 2023.
Na visão de Yamila Goldfarb, a titulação de terras quilombolas é importante, mas não deveria ser contabilizada como reforma agrária. “O que acontece muito comumente é que os governos, no afã de querer de alguma maneira mostrar dados positivos, acabam colocando tudo como sendo reforma agrária”, afirma.
O MDA e o Incra, por sua vez, argumentam que a medida é necessária para que famílias quilombolas possam entrar em políticas públicas ligadas ao PNRA, como acesso à crédito e assistência técnica. “O intuito, portanto, é ampliar a gama de benefícios a essas famílias, além de reforçar a identificação dos quilombolas com os territórios.”
Manutenção de medidas retrógradas e falta de decisões fortes
Em um vídeo que trazia uma mensagem de fim de ano, o líder do MST, João Pedro Stédile, afirmou que 2023 foi o pior ano da reforma agrária nos 40 anos de MST. Haviam sido homologadas 1.450 famílias pela criação de assentamentos convencionais.
Ainda assim, Stédile poupou o governo: “Faltou recursos, porque o orçamento era do governo passado e porque, de certa forma, o Estado brasileiro com a crise e com aquele desmonte que houve nos seis anos passados de governos fascistas impediu que a máquina se voltasse para as necessidades dos trabalhadores”. “Mas nós compreendemos. Faz parte da luta”, completou.
A visão das lideranças já não é mais a mesma e a cobrança se intensificou. Para Matheus Delwek, da direção estadual do MST de São Paulo, em um primeiro momento havia a necessidade de reconstruir o que havia sido desmantelado, mas “no segundo momento, você precisa uma decisão mais forte do governo, que a gente esperava por parte do governo Lula, principalmente em relação ao orçamento”.
Goldfarb, presidente da Abra [Associação Brasileira de Reforma Agrária], avalia que há desejo por parte do presidente Lula em realizar a redistribuição de terras, mas para isso seria necessário um enfrentamento mais forte e de ruptura, em especial, com o agronegócio e o Congresso. Mas o governo é de coalizão, e o presidente não está disposto a realizar esse embate.
Além de um orçamento considerado insuficiente para a reforma agrária, o governo Lula manteve medidas vistas como retrógradas para a reforma agrária vindas de seus antecessores Michel Temer e Bolsonaro.
Por exemplo, permanece uma lei sancionada em 2017 que cria requisitos e um processo de seleção para famílias em assentamentos. Isso aumenta a burocracia da reforma agrária e desprivilegia a auto organização do movimento.
Também, uma instrução normativa, aprovada no apagar das luzes do governo de Bolsonaro, facilitou a entrada de empreendimentos minerários em áreas de reforma agrária e não foi revogada.
O governo destaca que o orçamento do MDA, do Incra e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) irá aumentar R$ 900 milhões de 2023 para o previsto para 2026, “apesar da realidade fiscal do governo”. Sobre a lei sancionada em 2017 e a Instrução normativa de 2021, o MDA e o Incra disseram não ser de sua responsabilidade a concessão de direito de mineração e que a seleção das famílias foi aprovada pelo Congresso.
Leia a resposta completa:
Depois de ter sido totalmente paralisado pelos governos anteriores, o programa de regularização de territórios quilombolas foi retomado com força em 2023. O Incra alcançou, ao final de 2024, a marca histórica de 31 decretos de interesse social, representando mais de 138 mil hectares. Entre 2023 e 2024, foram incluídas no Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), 25,9 mil famílias quilombolas, outro número sem precedentes.
Ao serem incluídas no PNRA, as famílias quilombolas passam a ter direito a programas do Incra e do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar já disponíveis aos assentados da reforma agrária, como o Crédito Instalação, o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater), o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
O intuito, portanto, é ampliar a gama de benefícios a essas famílias, além de reforçar a identificação dos quilombolas com os territórios. […]
A meta de assentamentos do governo do presidente Lula é de viabilizar 60 mil novos lotes até o final do mandato e está sendo rigorosamente cumprida. Até agora, foram criados mais de 17 mil lotes e o objetivo é chegar a 30 mil até o final de 2025. Estes números são oficiais e foram corroborados recentemente em nota técnica emitida pelo Data Luta, fonte citada por dirigentes do MST como base para cálculo do ritmo da reforma agrária no Brasil.
O orçamento do MDA, Incra e Conab subiu de R$ 1,3 bilhão em 2023 para uma previsão de R$ 2,2 bilhões em 2026, apesar da realidade fiscal do governo.
O ministro Paulo Teixeira sempre disse que é papel dos movimentos sociais cobrar o governo, mas refuta taxativamente questionamentos infundados sobre os números do MDA feitos por alguns dirigentes com base em informações equivocadas.
Por fim, esclarecemos que não é papel do MDA nem do Incra a concessão de direitos de mineração e a seleção por meio de editais das famílias assentadas está prevista em lei aprovada pelo Congresso Nacional em 2017. O MDA firmou acordo com o Serpro para acelerar a seleção e destacou equipes do ProforEXT para auxiliar as famílias com o processo.
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